“Não vejo o governo como reformista no âmbito da infraestrutura, mas de fato permitiu a ampliação dos investimentos”, avalia Claudio Frischtak

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B, é o entrevistado da edição de abril da Conjuntura Econômica (acesso aqui). Na conversa, o economista destacou o aumento dos investimentos em infraestrutura em 2024, mas alertou que a sustentabilidade desse ciclo depende de sucessos que vão além de programas específicos, como o PAC. “Esse é um desafio que envolve governança, a qual temos que fazer um esforço enorme para melhorar. Isso tem a ver com planejamento, com programação e priorização”, enumera, para vencer o que classifica de “tendência à nossa economia política do status quo, de não sairmos do lugar”. Leia, a seguir, trechos selecionados:

Projeções apontam que em 2024 os investimentos em infraestrutura no Brasil alcançaram o maior nível em mais de uma década, chegando a 2,2% do PIB. Qual sua avaliação desse desempenho?

Ainda não temos os números fechados, mas aparentemente os ganhos que observamos nos últimos anos foram concentrados fundamentalmente em dois setores: o da energia elétrica e o de saneamento básico.  No caso da energia elétrica, isso se deu principalmente por conta do enorme impulso observado na geração distribuída. A legislação permite que o “prosumidor”, ou seja, o consumidor que também produz energia por meio de placas solares, tivesse incentivos para fornecer energia para a rede sem pagar pelo uso desta. Agora, entretanto, temos uma questão de economia política muito grande. Trata-se da fragmentação de interesses, somada a um aumento da complexidade da operação. No caso do saneamento, o Marco Legal de 2020 foi a mudança transformadora, que ajudou a mover um pouco o ponteiro de investimentos na infraestrutura brasileira.

Qual o seu balanço dos leilões de rodovias – que somam dez na atual gestão federal até fevereiro, com expectativa de que sejam 15 em 2025?

Acho que dois elementos impulsionaram esse segmento. Do ponto de vista privado, há essa carteira muito significativa de concessões que foram e estão sendo solicitadas. Houve erros de modelagem em algumas já realizadas, mas de modo geral se trata de uma impulsão favorável. Teve casos com pouca competição; claro que é melhor três do que dois, dois do que um, mas também acho que é melhor um competidor do que zero. Temos uma brecha grande, mas os investimentos públicos são tão complexos que afastam os investidores.

Posso dar um exemplo recente, que é o da BR 364, em Rondônia (trecho de 686 quilômetros de rodovia, ligando Porto Velho a Vilhena, divisa com Mato Grosso). Não é uma BR simples, seja em extensão, seja em complexidade de engenharia. Ao fim e ao cabo, houve apenas um competidor (Consórcio 4UM/Opportunity, pelo período de 30 anos, com investimento previsto de R$ 10,3 bilhões), o desconto foi residual (de 0,05% na tarifa básica de pedágio), o que considero ok. O problema, na verdade, está numa questão estrutural, de planejamento. Nesse exemplo específico, você está licitando um ativo importantíssimo, para transporte de carga, mas ao mesmo tempo você não está licitando a hidrovia do Rio Madeira. Com o seguinte detalhe: em outubro de 2023, o governo federal e a agência reguladora (Antaq), corretamente, publicaram o plano de outorgas hidroviário, contemplando cinco grandes hidrovias, sendo uma delas a do Rio Madeira. Também vale destacar que as hidrovias do Madeira e do Tocantins foram fortemente beneficiadas com recursos da privatização da Eletrobras, possibilitando uma menor tarifa. Ou seja, há condições altamente benéficas para essa licitação, e muitos estão enxergando isso. Por que ela não acontece? Talvez pelo fato de que essas coisas necessitam de mais força política, de que o governo diga: “Olha, isso é prioritário”. Enquanto isso, o que temos? Se pudéssemos nos teletransportar para Rondônia, veríamos grandes estacionamentos de caminhões aguardando para embarcar soja pelo Rio Madeira.

Apesar dos mencionados avanços nos últimos anos, ainda estamos distantes de alcançar os 4,2% do PIB em investimento anual para garantir a modernização da infraestrutura brasileira por 20 anos, tal como é projetado. Como dar esse salto?

Excesso de demanda nós temos. Essa necessidade de investimento representa em torno de US$ 220 a US$ 240 bilhões anuais. Na oferta, entretanto, poderíamos estar melhor. Temos um conjunto grande de empresas, mas acho que falta o que tanto falamos, da agenda de segurança jurídica, estabilidade e previsibilidade regulatória. Falta também uma conexão nossa com o mundo, pois continuamos muito isolados, e naturalizamos isso. Vou dar um exemplo de uma dimensão desse isolamento que não custa tanto para rompermos. Fizemos um trabalho enorme – sociedade, mas especialmente o governo, perpassando mandatos – para a entrada do Brasil na OCDE, mas que agora está parado.

Outra dimensão que vem à tona ao conversar com investidores é a necessidade de retomar o caminho para o grau de investimento. O fluxo de recursos para infraestrutura no mundo é enorme, mas em essa nota nossa captura continuará residual. E a terceira dimensão que eu destacaria é a de se lidar de forma inteligente com o risco cambial.

Hoje vivemos um alto grau de incerteza global. Em que medida isso pode comprometer a atração de investimentos em infraestrutura, em especial os relacionados à transição energética?

Em primeiro lugar, nossa questão de infraestrutura não se resolve no curto prazo. Então, acho que é preciso começar pela principal tarefa, de ter uma agenda que seja entendida e aceita pela sociedade. Trata-se de um desafio enorme. Se tivéssemos uma sociedade mais ativa, talvez isso se espelhasse no Congresso. Ao contrário, o que vemos hoje são questões como um volume de emendas que em 2025 devem superar R$ 50 bilhões. É muito dinheiro, e boa parte tende a ser alocada em investimentos com retorno social baixo, às vezes negativo.

Esse é um desafio que também envolve governança, a qual temos que fazer um esforço enorme para melhorar. Isso tem a ver com planejamento, com programação, com priorização, e tem a ver com um trabalho de convencimento junto ao Congresso. É difícil. Não estou dizendo que temos que acabar com as emendas, mas mostrar a importância de que estas sejam parte de algo mais amplo, com maior racionalidade.

Também é importante convencer Congresso e Senado para preservar as agências reguladoras, para que tenham autonomia técnica, administrativa, financeira, e não serem objetos de barganha política. Quando se permite isso, aumenta-se o grau de imprevisibilidade regulatória, o que significa aumento do prêmio de risco regulatório. O que implica, por sua vez, que menos projetos sejam atraentes.

Levando em conta o observado até agora, qual balanço considera que o atual governo deixará na infraestrutura?

Claro que não temos aqui uma bola de cristal, não sabemos quais as consequências do governo Trump, para onde caminhará a incerteza global, que já aumentou bastante. Até aqui, vejo um governo que não se pode classificar como reformista no âmbito da infraestrutura. Não identificamos um aporte do ponto de vista de segurança jurídica, por exemplo – ainda precisamos ver até o final de 2026.

Por outro lado, foi um governo permitiu que alguns setores avançassem de fato na ampliação dos investimentos. Mas insisto: fazer a transformação que o país precisa não é questão de dinheiro. Além disso, o foco tem que ser em uma agenda perfeitamente vendável para a sociedade. Olhe o caso do nosso Banco Central, que por sorte ou por destino é uma instituição autônoma, independente, o que tem sido absolutamente essencial na luta contra a inflação. Acho que a população entende isso, e apresentaria enorme resistência caso se tentasse tirar essa autonomia. Da mesma forma, ter uma agenda de infraestrutura, comunicá-la para a sociedade e buscar seu apoio resultaria em uma compreensão muito maior do que buscar isso em um programa específico.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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