Efeitos do pacote de estímulos chinês serão de curto prazo, diz Livio Ribeiro

Livio Ribeiro, pesquisador do FGV IBRE, sócio-diretor da BRCG

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O pacote de estímulos anunciado na semana passada pelo banco central chinês para conter a desaceleração econômica do país ainda está se refletindo nos mercados, com as bolsas de valores na China abrindo a semana com desempenho não visto há mais de uma década, e as cotações de minério de ferro com alta de dois dígitos. Conversamos com Livio Ribeiro, pesquisador do FGV IBRE, sócio-diretor da BRCG, sobre quais resultados esperar dessas medidas:

Qual sua avaliação do pacote de estímulos anunciado na semana passada na China?
No decorrer deste último ano, observamos o anúncio de várias medidas pontuais – por exemplo, para estabilizar o mercado através de concessão de crédito e política monetária ativa via redução de juros e liberação de compulsório – que não pareciam fazer parte de uma grande estratégia. Além de seu tamanho, que não foi pequeno, o que o atual pacote teve de novo, foi ter feito tudo de maneira coordenada, inclusive na divulgação, com a liderança do presidente do Banco Central e a presença de representantes de vários ministérios.

Em linhas gerais, é um pacote de ampla redução de juros em diversas linhas, em diversos prazos, liberação de compulsórios de mais ou menos 1 trilhão de renminbi, autorização de buyback (recompra) de ações com garantia do Banco Central – algo que pode ser considerado uma medida fiscal travestida de monetária –, e duas coisas que de fato fiscais, que estão fora do escopo monetário-creditício, mas que ainda estão pouco claras. A primeira é o pagamento de uma transferência única, ainda de valor indeterminado, para as pessoas que estariam abaixo da linha da pobreza – cuja estimativa de quantas são tampouco temos, pois ainda não se sabe qual é o conceito de linha de pobreza que o governo vai usar – e o debate da constituição de um amplo fundo de investimento em infraestrutura, que a princípio se trata de um pacote grande. Tem gente no governo que fala de um pacote de dois anos que coloque no agregado US$ 1,4 trilhão na economia, mas isso ainda é uma discussão, não tem nada objetivo na mesa. O que tem na mesa é o pacote creditício-monetário e a transferência única para os extremamente pobres, sobre a qual ainda não se sabe o valor nem para quantas pessoas. De qualquer forma, já é uma medida bem fora do usual para padrões chineses, que tipicamente não transfere dinheiro para a população. Em geral, a estratégia do governo chinês é ajudar as empresas, e não diretamente a população. 

Há números sobre o aumento da extrema pobreza na China?

O que sabemos é que aumentou a desigualdade. Como a definição de extrema pobreza não obedece a um padrão universal, e a usada na China não está claramente divulgada, é difícil estimar. Essa ajuda foi divulgada na sexta-feira passada, então ainda não há muita repercussão sobre o tema. Esperam-se mais informações para uma análise mais consistente.

O que poderia justificar a escolha de se fazer esse anúncio agora, posto que a tendência de desaceleração da economia já é observada há algum tempo?

É difícil cravar um diagnóstico preciso. A economia está fraca, e as informações sobre o terceiro trimestre estão ruins. A bateria de dados de PMIs de setembro divulgada nesta segunda (30/9) mostra resultados fracos na manufatura e nos serviços. Mas a fraqueza de fato está do lado da demanda, e as medidas são voltadas para o lado da oferta. É um pouco bipolar que o governo agora queira estabilizar o mercado imobiliário, sendo que foi ele que iniciou o processo de desmonte dos preços. Era um risco que isso fosse feito de forma desordenada, e me parece relativamente claro que o governo não esperava que esse desmonte durasse tanto tempo e fosse tão profundo. E continua, pois não houve qualquer sinal de estabilização de demanda no curto prazo, e medidas como cortar a taxa das hipotecas, reduzir garantias, não me parece que trarão um resultado importante. Pode ser um efeito de curtíssimo prazo, mas definitivamente esse não é o problema.

No caso do pacote do Banco Central, se trata de algo voltado para a indústria e incorporadoras, em especial para maximizar preço de ativos. Dar uma linha de crédito com garantia para as empresas fazerem buyback de ação é algo que não parece ter muito sentido. Outro exemplo: os bancos estão perdendo rentabilidade, sim, pois há menos demanda por operações de crédito, cortam-se juros e as pessoas não tomam crédito. Eles de fato estão enfrentando aumento de inadimplência e de rentabilidade. Mas cortar juro e dar crédito subsidiado para os bancos na verdade não está atacando a raiz do problema; dessa forma, se está apenas substituindo o termômetro para outro que indique uma temperatura que lhe seja mais favorável. E aí é preciso separar o que é efeito de preço do efeito econômico: o econômico para mim não existe. E o efeito de preço, não se nega uma dose extra.

Qual o quadro do endividamento das incorporadoras?

O mercado desalavancou, mas ainda tem muita coisa. Estudo recente, que mostra o nível real dos preços, mostra que o mercado de imóveis usados está em nível similar ao de 2019, antão pode-se dizer que ele se ajustou em termos reais. Mas o mercado de imóveis novos, não: o preço ainda está alto. Esse ajuste ainda não veio, ao menos na magnitude necessária. Trata-se de um setor nevrálgico, com encadeamentos múltiplos na economia. Como disse, a percepção é de que o governo chinês não esperava que esse processo fosse tão longo e intenso. Tampouco contavam com o aumento do contencioso comercial com a China, que inviabiliza a saída por exportações, e as famílias estarem tão receosas. Nada disso estava no radar lá atrás. O fato é que não há nada nesse pacote que aponte a uma correção estrutural, como se demanda. Eles estão ou desfocados, ou voltados para a ação e curto prazo, sem mexer em nada que seja estruturalmente relevante. A parte externa não tem como se controlar, e no campo doméstico é preciso ampliar garantia para as famílias, algo que, como disse, não é padrão de atuação do governo chinês.

Quais implicações do cenário externo para o sucesso desse pacote, e os reflexos para o Brasil?

O pacote tem efeito de bombar a expectativa de demanda no curtíssimo prazo. Então preços de commodities voltaram um pouco, as pessoas ficaram mais otimistas na margem, mas comprando rumor. Veja o caso da demanda por minério: um aumento de fato depende de novas construções. Se as pessoas não comprarem imóveis, o governo comprará os que já estão construídos, mas não se confirmarão novos projetos. Não vejo que seja possível, com esse pacote, reduzir a preocupação em torno da economia chinesa.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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