Educação e regulação devem caminhar juntas para o combate ao alto endividamento, afirma Claudia Yoshinaga

Claudia Yoshinaga, professora FGV Eaesp

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O nível persistentemente alto de inadimplência das famílias brasileiras, especialmente as de mais baixa renda, tem reforçado a importância do letramento financeiro. Como avalia esse desafio?

Ninguém tem dúvida que a temática é super importante, e que educação financeira é essencial para as pessoas tomarem decisões melhores. A própria FGV tem avançado em ações nesse campo, com a oferta de cursos gratuitos online. (o curso Como organizar o orçamento familiar está entre os mais buscados da plataforma da FGV)

A questão em que buscamos avançar é como garantir a efetividade dessa educação. Um ponto comum na maioria das iniciativas em educação financeira é que estas dependem da predisposição das pessoas em buscar conhecimento, melhorar seu planejamento financeiro. Depois, que elas consigam aplicar esse conhecimento em sua vida. No geral, todo mundo sabe que um princípio seria gastar menos do que se ganha. Mas entre a teoria e a prática costuma haver um abismo. Por isso há outra frente, que se discute cada vez mais, que é a da política pública e da regulação de alguns produtos e serviços, como forma de se evitar problemas maiores independentemente de uma pessoa já ter letramento financeiro ou não.

Recentemente, vimos o caso do grande volume de recursos de beneficiários do Bolsa Família (BF) usados para apostas esportivas online (relatório do BC indicou que em agosto 5 milhões de beneficiários do BF movimentaram R$ 3 bilhões em apostas), trazendo um alerta e um questionamento sobre essas duas abordagens da educação financeira, do letramento e da regulação.

Em que medida o estudo das finanças comportamentais pode ajudar nesse processo?

Uma das coisas que tendemos a assumir é que as pessoas são heterogêneas, não pensam igual. Mas dentro das finanças comportamentais existe uma série de estudos focados no processo de escolha das pessoas. Por exemplo, de que elas tendem a ser preguiçosas na hora de decidir. Um exemplo clássico é o da doação de órgãos: faz toda a diferença se o padrão é o de que se tenha que declarar interesse em ser doador, ou se o padrão é informar somente caso não queira ser doador. (o mesmo impacto foi registrado no Cadastro Positivo, criado em 2011, que só ganhou impulso em 2019, quando se mudou o padrão de adesão para o regime opt-out, como destacado na Conjuntura Econômica de abril de 2023).  Isso ilustra quanto discutir questões comportamentais pode trazer uma efetividade muito maior em algumas políticas públicas.

Mencionaria outras sutilezas que podem fazer diferença. Veja esse mesmo caso das apostas esportivas online. No Brasil, essas apostas se propagaram pelo nome de bets, o que de certa forma ajuda a desvincular a ideia de risco, muito mais presente quando usamos a palavra aposta. Nas campanhas publicitárias, é frequente a associação de bets a jogo, que remete a algo mais lúdico, relacionado a passatempo, enquanto a aposta está mais diretamente relacionada a dinheiro. Esse é um tema que deveria ser considerado.

Há muito a se analisar. Alguns anos atrás, falávamos de day trade (compra e venda de um ativo no mesmo dia, visando lucro) como outra prática arriscada para pessoas pouco experientes. Na própria FGV, pesquisas mostraram quão pouco as pessoas efetivamente lucravam nessas operações, apesar da haver uma imagem diferente. Isso reforça a importância de se discutir as duas abordagens que mencionei, educação e regulação, pensando que no final as contas o objetivo é evitar implicações como o superendividamento, problemas de saúde relativos a desequilíbrios orçamentários. São questões que reforçam a necessidade de conhecimento – e sabemos que ainda há muito a se avançar no campo da educação financeira, em especial para os novos entrantes no sistema financeiro – mas não é só.

Na gestão financeira, sempre tendemos a acreditar em caminhos fáceis?

Isso vale para muitas áreas da vida. Tanto vale para dinheiro como vale para dieta, por exemplo. Sempre são tentadoras as ofertas que prometem resultados num curto espaço de tempo. Isso nos leva novamente ao debate em torno da publicidade, bem como ao questionamento de uma tese, muito comum de ser ouvida, de que brasileiro não investe em ações ou outros produtos porque são complicados. Claro que isso acontece, mas se fosse totalmente verdade não veríamos tanta gente investindo, por exemplo, em criptomoeda, em bitcoin, mesmo sem entender bem como funcionam. Então, essa questão da percepção de risco não é suficiente para justificar o baixo investimento das pessoas em alguns produtos. Elas investem mesmo quando é muito arriscado, e mesmo quando não entendem bem que estão envolvidos numa ilusão de ganhar dinheiro facilmente.

Como mencionei, é preciso debater em que medida, em quais casos, é mais eficiente se fixar uma norma do que contar com que cada pessoa individualmente consiga ter clareza das consequências de uma ação envolvendo suas finanças. Questões como limite percentual do salário que pode ser comprometido em um crédito consignado é um exemplo. A normativa que obriga as administradoras de cartão de crédito colocar em destaque o valor total da fatura, e não o valor mínimo a ser pago, vai pelo mesmo caminho. Para uma pessoa que nunca teve cartão de crédito na vida, é muito comum não saber qual o custo de não se pagar uma fatura total. Ela precisa aprender, mas também não precisamos colocar todo o ônus da falta de clareza sobre o custo do endividamento no cartão de crédito em suas mãos. Ao explorar tanto a educação quanto a regulação e as políticas públicas, tende-se a ter uma maior efetividade, pois se trata de uma comunicação igual para todo mundo, que poupa os novos entrantes desavisados. Esse é um aspecto que vale ser discutido.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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