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Entrevistas 16 nov 2022
“É preocupante que leis federais aumentem as despesas e diminuam as receitas dos estados”
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Postado por Conjuntura Econômica
Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt, secretária da Economia de Goiás
Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de janeiro
A secretária da Economia de Goiás, Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt, foi uma das entrevistadas da edição de novembro da Conjuntura Econômica. Publicamos aqui a íntegra das respostas da secretária, com os gráficos sugeridos por ela para ilustrar a detalhada análise feita dos desafios fiscais de Goiás e do Brasil.
Qual balanço faz da economia goiana nos quatro anos em que esteve à frente da Secretaria de Economia?
Preliminarmente, insta salientar que a crise de 2015/2016 derrubou as receitas estaduais. Enquanto o crescimento real médio anual da Receita Corrente Líquida (RCL) entre 2009 e 2014 girou em 7,3% a.a., entre 2014 e 2018 esse crescimento foi de 0,44% a.a. Isto dito, embora essa realidade exigisse do Estado um maior controle das despesas, não foi o que ocorreu. As Despesas Correntes entre 2014 e 2018 cresceram 3,62% a.a., com as despesas de pessoal crescendo 4,25% a.a., o que intensificou o desequilíbrio fiscal estrutural iniciado em 2010, quando os Restos a Pagar (RAP) passaram a ser uma realidade crescente e constante.
De fato, o Estado passou a financiar seu desequilíbrio de caixa anual por meio da inscrição de RAP, resultando num novo e mais elevado patamar de inscrições, notadamente a partir de 2015, com média anual de R$ 3,3 bilhões.
Além da crise, Goiás figurava como o segundo estado com maior nível de renúncia fiscal no País, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional (STN).
Soma-se a estes dois fatores o fato de haver inúmeras vinculações da receita, enrijecendo o orçamento ainda mais e dificultando, como consequência, a realização de investimentos, praticamente inexistentes na ocasião. Para além das vinculações constitucionais federais na educação e saúde, Goiás possuía mais três estaduais, além de ter 40 fundos especiais, vinculando receitas a finalidades especificas.
A despesa de pessoal, por sua vez, que representa o maior gasto dos orçamentos dos entes federados, seguido do gasto com previdência, apresentou crescimento real em 2017 e 2018, de 8% e 13%, respectivamente, ressaltando que em 2018 não houve recursos para empenho e pagamento da folha salarial de novembro e dezembro, 13º salário e consignado dos servidores públicos. Já o déficit previdenciário em 2018 alcançou R$ 2,4 bilhões, o 8º maior do Brasil, relativamente a sua RCL, segundo relatório semestral da STN.
O resultado destes cinco fatores, além de outros, levou o estado em 2019 a ser identificado como o 4o estado em pior situação fiscal no Brasil, perdendo para RJ, RS e MG, estados com CAPAG D. Goiás, que sempre foi CAPAG C, estava à caminho da letra D. Era uma questão de tempo. A situação encontrada pelo atual Governo em 2019, portanto, era desafiadora.
Para além do estoque de RAP de R$ 3,1 bilhões em 2019, sem suficiente disponibilidade de caixa (R$ 11 milhões), ao contrário do que determina a LRF, a nova gestão herdou Despesas de Exercícios Anteriores (DEA) de R$ 3 bilhões, que tiveram que ser empenhadas em 2019. Incluindo a folha não paga de 2018, foram R$ 6 bilhões em despesas herdadas, com R$ 11 milhões em caixa.
Ademais, por ter descumprido em 2018 o teto de gastos referente ao Programa de Reestruturação e de Ajuste Fiscal (PAF - Lei Complementar nº 156/2016), Goiás recebeu do Governo Federal uma multa de R$ 1,1 bilhão, que, atualizada, alcança a monta de R$ 1,7 bilhão (tema que foi intensamente negociado com o congresso nacional para permitir que os estados inadimplentes substituíssem essa penalidade pelo prolongamento da validade desse Teto de Gastos até 2023, o que ocorreu).
Qual foi o plano, então?
Diante do grave desequilíbrio fiscal, Goiás adotou medidas conjunturais e estruturais para manter a máquina funcionando no curto prazo e para equilibrar as contas públicas de forma perene, com o propósito de promover a melhoria da qualidade de vida da população goiana. Afinal, “responsabilidade fiscal e social andam de mãos dadas”.
A solução para voltar a ter capacidade de crescimento e investimento foi solicitar a entrada no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), instituído pela LC159/ 2017, cujo processo para adesão teve início em 2019, culminando com a homologação do Plano de Recuperação Fiscal (PRF) em 24/2021.
Ainda em 2019, concomitante às tratativas para adesão ao RRF, o Estado de Goiás deu início a várias medidas de ajuste de caráter estrutural, incluindo aquelas previstas no §1º do art. 2º da LC nº 159/2017, tais como: redução de incentivos e benefícios fiscais; reforma da previdência estadual (em que Goiás foi o primeiro a fazer essa reforma em nível estadual, ainda em 2019); revisão do Regime Jurídico Único dos Servidores; estabelecimento de teto de gastos estadual; eliminação de mais de 20 fundos especiais; e extinção das três vinculações estaduais (nos fundos remanescentes, o recurso não utilizado teria reversão ao final do exercício ao Tesouro Estadual).
Além dessas medidas, foi autorizada a venda de empresas públicas, como ocorrido com a CELG T, cuja alienação, autorizada pela Lei nº 20.762/2020, resultou no ingresso de R$ 1,65 bilhão nos cofres estaduais em 2022, cujo destino tem sido para quitar passivos previdenciários (inciso I do § 1º do art. 2º da LC nº 159/2017); houve cortes de 20% nos contratos em vigência; e foi feita a redução dos RAP’s (com diversas medidas sendo tomadas, como a renegociação com credores, possibilitada pela Lei Estadual nº 20.932/20.
Ademais, a dívida com a união foi renegociada em condições mais favoráveis (nos mesmos moldes das condições de todos os demais estados: IPCA+4%), poupando aos cofres públicos, em valor presente, R$ 2,7 bilhões; a dívida externa foi antecipada e paga, poupando, em valor presente, mais R$ 500 milhões; e a dívida em dólares com o BB foi renegociada com o Banco Mundial, poupando, em valor presente, R$ 750 milhões.
Com isso, a disponibilidade de recursos livre aumentou, permitindo fazer frente aos pagamentos das dívidas passadas e vigentes, como, por exemplo, a folha salarial e consignados não pagos em 2018 e os RAPs. De um lado, houve redução de despesas e, de outro, elevação da receita em decorrência da redução de renúncia fiscal. De fato, do total de R$ 3,1 bilhões em 2019, o RAP passou para R$ 100 milhões em 2022, uma redução de 97% relativamente aos RAPs inscritos até 2018. O que restou tem problemas judicias.
Além disso, o primeiro superávit orçamentário desde de 2011 passou a vigorar em Goiás já em dez/19 (R$ 2,3 bilhões), ocorrendo o mesmo nos anos seguintes, o que possibilitou o Estado retomar seu papel de promotor da melhoria da qualidade de vida do povo goiano. O mesmo ocorreu com o superávit primário – mesmo considerando os investimentos, que alcançaram a marca histórica de R$ 4,4 bilhões em 2021 e os recursos direcionados ao combate à vulnerabilidade, por meio do fundo PROTEGE, que tiveram suas ações sociais triplicadas. Enquanto em 2018 apenas R$ 248 milhões foram liquidados em despesas neste fundo, em 2022, serão R$ 2 bilhões.
Ademais, houve reformas institucionais relevantes, que alçaram Goiás a ter nota A, pela STN, em transparência contábil e fiscal e a ser um dos 10 estados mais competitivos em 2021 pelo Centro de Liderança Pública (CLP). Para fechar com chave de ouro e mostrar o resultado de uma gestão ética, técnica e eficaz, o Estado de Goiás obteve, pela primeira vez na história, o selo de bom pagador do Governo Federal, subindo para CAPAG B (lembrando que no início de 2019 era C indo para D e que nunca na história havia sido B ou A, só C).
Portanto, a implementação de todas estas medidas de ajuste não teve como objetivo simplesmente ajustar Goiás aos ditames da LC nº 159/2017. Mais do que isso. Tais ações objetivaram a realização de reformas estruturais importantes, que possibilitassem a produção de um ajuste fiscal de longo prazo, com foco na sustentabilidade fiscal, no equilíbrio intergeracional e na busca por maior crescimento e aumento da produtividade.
Qual o papel da adesão ao RRF nesse resultado?
O Regime de Recuperação Fiscal (RRF), instituído pela LC nº 159/2017, foi criado pelo Governo Federal para dar suporte aos Estados com grave desequilíbrio financeiro, oferecendo instrumentos para que possam regularizar suas contas, quitar suas dívidas e reequilibrar suas finanças. Por um lado, o RRF permite a suspensão do pagamento do serviço da dívida pública e a dispensa dos requisitos legais exigidos para a contratação de operação de crédito, desde que este seja direcionado ao pagamento de passivos. Por outro lado, o Regime impõe deveres que devem ser cumpridos pelo Estado e que contribuem para a obtenção do equilíbrio fiscal, dentre os quais: a implementação das medidas de ajuste, o cumprimento de metas e compromissos fiscais, a imposição de teto de gastos, bem como a observância das vedações estabelecidas no art. 8º da LC nº 159, de 2017, que dificultam o aumento desenfreado da despesa e da renúncia de receita.
Vale dizer que a suspensão do pagamento do serviço da dívida foi possível já em 2019, antes da adesão do Estado ao RRF, devido às liminares concedidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), possibilitando ao Estado a agilidade necessária ao ajuste, sem comprometer com o funcionamento da máquina pública no curto prazo, enquanto as medidas de ajuste de caráter estrutural surtiam efeito.
A adesão ao RRF, deste modo, foi de fundamental importância para que o Estado começasse a trilhar seu caminho rumo ao equilíbrio fiscal.
Qual resultado fiscal previsto para 2023?
Em consequência dos problemas estruturais já mencionados, o Estado de Goiás reapresentou em fevereiro de 2019 a sua Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2019, prevendo um déficit primário da ordem de R$ 6,3 bilhões e um déficit orçamentário da ordem de R$ 6 bilhões. Todavia, graças às reformas estruturais realizadas desde o início de 2019, os resultados fiscais do Estado foram melhorando ao longo do tempo (conforme se verifica na Tabela 1).
Resultados primário e orçamentário a valores correntes (R$)
Fonte: Secretaria da Economia de Goiás.
Já o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2023 apresentou um orçamento equilibrado pela segunda vez, prevendo o cumprimento das metas fiscais estabelecidas na LDO de 2023.
O problema, agora é outro. Assim como outros estados, Goiás enfrenta um novo desafio decorrente da perda de arrecadação causada pela LC nº 194/2022. Nesse contexto, a despeito de todo a trabalho realizado para reequilibrar as contas estaduais, entende-se que essa perda de receita tem o potencial de causar um novo desarranjo estrutural nas finanças do Estado já em 2024.
Além disso, importante ressaltar a existência de fatores exógenos, que impactaram e continuam impactando sobremaneira as despesas, os quais são decorrentes de legislação federal e não dão margem para a atuação do Estado, como os pisos do magistério, que acarretou um impacto de cerca de R$ 400 milhões em 2022, e da enfermagem que, apesar de estar suspenso por liminar do Supremo Tribunal Federal, acarretará, caso seja cobrado, um impacto 103 milhões a partir de 2023. Deve-se considerar, ainda, a existência de quase 200 pedidos de piso salarial no Congresso Nacional, além do Projeto de Lei nº 2438/2022, do STF, que reajusta o valor do subsídio dos ministros da corte, que, se concedido, impactará as contas do Estado, pois o mesmo serve de teto para toda a administração pública.
Dessa forma, conquanto esteja sendo feito um trabalho responsável de ajuste fiscal e do uso de inteligência artificial para aprimorar a fiscalização e a administração tributária, é preocupante que leis federais aumentem as despesas e diminuam as receitas dos entes federados.
Qual perda de arrecadação esperam para 2023? Qual o papel da mudança do ICMS para esse resultado?
O País foi surpreendido com a edição da LC nº 194/ 2022, que passou a considerar como bens e serviços essenciais os relativos aos combustíveis, à energia elétrica, às comunicações e ao transporte coletivo, reduzindo alíquotas (de 30%, por exemplo) para a alíquota modal, que em Goiás é de 17%, além de retirar o adicional de 2% ao fundo de combate à vulnerabilidade (Protege), que incide apenas sobre produtos considerados supérfluos.
As estimativas da Secretaria de Estado da Economia de Goiás indicam uma perda de ICMS em 2023 de R$ 5,5 bilhões em relação à sua arrecadação caso não houvesse a edição da referida Lei. Em 2022, espera-se uma perda de R$ 2,2 bilhões, em relação à arrecadação potencial do exercício.
Vale dizer que a perda de arrecadação dos setores afetados pela LC nº 194/2022 é compensada pelo crescimento de receita dos demais setores. Numa comparação entre a previsão de ICMS de 2023 e 2022, o resultado é de estabilidade (sem perda ou ganho) em termos nominais. Isto posto, Goiás não deve ser compensado pelos critérios da LC 194.
Como esperam equacionar essa perda para honrar gastos? Haverá riscos para saúde e educação?
Embora o Estado tenha disponibilidade de caixa suficiente para honrar outras despesas em 2023 (para além das contempladas na PLOA23), caso ocorram créditos adicionais, a perda de ICMS prevista tem potencial de causar um desarranjo estrutural nas contas do Estado já em 2024, de modo que a disponibilidade de caixa atual não representa uma solução estrutural, sendo necessária a realização de mais ajustes de caráter estrutural.
Nesse contexto, é necessário, de um lado, que sejam empreendidos novos esforços para a contenção das despesas e, na medida do possível, de outro, que sejam inseridas modificações na legislação tributária, por meio da revisão de benefícios fiscais e aumento de alíquotas, como formas de elevar a arrecadação.
Especificamente no caso das vinculações constitucionais com educação e saúde, vale comentar que o plano plurianual de governo (PPA) foi elaborado considerando determinadas despesas compatíveis com a trajetória ao longo de 4 anos dos mínimos constitucionais. Ao ter perda de receita, o mínimo a ser aplicado nessas áreas também se reduz, o que pode inviabilizar alguns projetos previamente programados no PPA.
Como esperam que a questão do ICMS seja equacionada, diante de liminares que já buscam compensação dessas perdas?
O entendimento exarado pelos Ministros do STF sobre a compensação é que essa seja em relação a perda dos produtos constantes na LC 194 (e não sobre a arrecadação total do ICMS) e que seja via abatimento mensal do serviço da dívida nos contratos com a União ou com aval da União. Esta solução não compensa a perda de fluxo de caixa dos estados que estão no RRF, como é o caso de Goiás, pois os pagamentos mensais daqueles contratos já estão suspensos e já não são incorporados ao fluxo de caixa. Pelo artigo 3, parágrafo 2o da LC 194, parece que seria um abatimento via conta gráfica na STN. Se essa interpretação estiver correta e se o estado tiver que fazer os repasses normais aos munícipios e ao Fundeb desta transferência federal (sempre tem), haveria, então, uma redução no fluxo de caixa, em vez de incremento.
Quais os principais desafios para o dinamismo da economia goiana pelo lado da oferta em 2023 – prevendo desaceleração econômica, tanto no Brasil quanto mundial?
Nos últimos anos o ritmo da atividade econômica goiana tem apresentado um crescimento do PIB superior ao do Brasil, segundo estimativas do PIB trimestral calculados pelo Instituto Mauro Borges (IMB-GO). Como exemplo, tem-se que, no 2º Trim./2022, o PIB goiano registrou crescimento de 5,7%, enquanto o do Brasil foi de 3,2%. A expectativa do IMB é que o PIB de Goiás deva crescer 3,5% em 2022, enquanto o do Brasil, 2,7% (Focus).
Uma das explicações para este fato é a presença marcante do setor agro Estado. Goiás é o 8º maior exportador no Brasil, principalmente de commodities (como a soja e o milho), apresentando um ritmo de exportações continuamente crescente desde 2016. Entre jan. e set. de 2022 o volume de exportações superou os R$ 11 bilhões, 50% superior ao mesmo período de 2021. Espera-se que crescimento das exportações seguirá em 2023, tendo como hipótese a manutenção da taxa de câmbio desvalorizada e de alta dos preços das commodities.
PIB trimestral de 2020 a 2022: Brasil e Goiás
(comparado ao mesmo período do ano anterior - %)
Fonte: IBGE, Instituto Mauro Borges.
Corrobora ainda a expectativa de crescimento de Goiás o fato de que o Estado implementou uma grande gama de políticas de amparo aos mais vulneráveis, através de programas de transferência de renda – tais como, o Aluguel Social, Mães de Goiás e Bolsa Estudante –, que acabam impactando no dinamismo da economia, em especial, nos municípios do interior do estado, aumentando a expectativa de consumo privado.
Nesse sentido, a despeito da provável desaceleração econômica no cenário externo e interno, a expectativa é que Goiás mantenha não só sua trajetória de crescimento acima do Brasil, mas que esta seja superior a 2,5%, em linha com o índice de atividade econômica medido pelo Banco Central, que indica que Goiás ficou em 1o lugar no Brasil, com um crescimento de 7,6% no primeiro semestre, ante 2,2% em nível nacional, sendo a maior taxa do estado em 14 anos.
Quanto aos principais desafios para o desenvolvimento do Estado, a falta de mão de obra qualificada está em primeiro lugar. Há oferta, mas não há demanda suficiente de candidatos capacitados. Segundo matéria do O Popular, estima-se que existam mais de 5 mil postos de trabalho disponíveis, apenas entre as indústrias (145) que fazem parte da Associação Pró-Desenvolvimento Industrial de Goiás (Adial).
Assim, conquanto a taxa de desocupação em Goiás tenha sido de 8,9% no 1º Trim./2022, inferior à observada no período pré-pandemia, quando alcançou 13,9%, esta podia ser ainda menor. O Estado, ainda que esteja distante dos patamares registrados em 2013, quando a taxa foi a menor na série histórica, de apenas 3,9%; está buscando formas de lidar com este tema.
Taxa de desocupação e percentual de desalento em Goiás, 2012 a 2022
Fonte: PNAD Contínua Trimestral / IBGE. Elaboração: Instituto Mauro Borges / Secretaria-geral da Governadoria de Estado da Economia de Goiás.
Deveras, Goiás tem implementado diversas políticas de qualificação de mão-de-obra, através do ensino profissionalizante (Escola do Futuro), da qualificação profissional (COTECs), além de estar criando “escolas tempo integral”, através da Secretaria Estadual de Educação.
Além da falta de mão de obra, observa-se alto custo dos insumos, consequência dos impactos causados pela pandemia da Covid-19, que desorganizou diversas cadeias de produção globais e afetou o mundo todo. Segundo pesquisa da CNI, o problema é mencionado por cerca de 70% das indústrias de setores como veículos, calçados, higiene.
Um terceiro desafio relaciona-se com a distribuição de energia elétrica. O setor imobiliário (em especial em Goiânia), o setor de serviços, do comércio e da indústria vêm sofrendo com a demora na entrega dos serviços de energia. Medidas já foram tomadas e a expectativa é que a nova empresa “Equatorial” solucione tais questões.
Para além destes problemas, a questão logística é importante para o escoamento da produção. Ainda que a ferrovia esteja chegando no Estado (através da Rumo), há que melhorar a oferta de rodovias, para aumentar a competitividade dos bens produzidos em Goiás. É o que esta gestão tem feito desde o 2o semestre de 2021.
Este ano houve gastos que não estavam previstos no Orçamento federal, que extrapolaram inclusive o aumento de margem adquirido com as mudanças na regra do teto e de pagamento de precatórios. Há muita preocupação com a questão fiscal para 2023. Como vê esse quadro e o que pensa do waiver de que vem sendo falado?
A Emenda Constitucional nº 95, aprovada em 2016, criou a regra de teto para os gastos primários da União, por Poder, para os 20 anos seguintes. Em 2017, o teto teve como base o orçamento do governo em 2016, corrigido pelo índice 7,2%. Nos anos seguintes, o teto seria o limite empenhado do ano anterior corrigido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Para aumentar alguns gastos acima da inflação, portanto, o Governo Federal teria que fazer cortes em outras áreas.
Se o teto fosse descumprido em um ano, o gasto no ano seguinte não aumentaria em termos reais, porque a base continuaria sendo o limite descumprido. Além disso, ficaria proibido aumentar salários dos servidores, realizar concurso público, criar novos cargos e reestruturar planos de carreira. De 2017 a 2019, poderia haver uma compensação entre as despesas primárias entre os Poderes, mas o congelamento do gasto total em termos reais só poderia ser revisado após 10 anos.
Esse instrumento fiscal se mostrou extremamente eficaz, apesar de criticado, para conter a dinâmica explosiva das despesas, bem acima das receitas. Para além do efeito prático de contenção dos gastos, a regra serviu também para que a sociedade entendesse que o poder executivo, quem deveria definir o orçamento, tem que fazer escolhas, dada a restrição orçamentária intertemporal a ser cumprida e dado que é indesejável que o estoque da dívida cresça.
A cada ano, contudo, foram surgindo novas pressões e propostas para flexibilizar tal regra, o que de certa forma mostrava o sucesso do instrumento como forma de frear os “desejos infinitos” dos agentes envolvidos e no atendimento das “pressões”. O teto pode ser entendido como “um bode que foi posto na sala” e passou-se a discutir prioridades de gastos. As vinculações com educação e saúde, por exemplo, deixaram de fazer parte da base do teto, o que é compreensível, pois se trata de uma obrigação legal, não sendo uma “escolha do executivo”. Ao menos a disputa por recursos passou a ficar mais clara.
Um problema prático surgiu, porém. Como os créditos extraordinários e os gastos com aumento de capital de empresas estatais não dependentes ficaram fora da base do teto na concepção original, estes foram sendo utilizados de maneira recorrente para aumentar despesas, atendendo a pressões de setores, do Congresso Nacional e de Poderes. Neste sentido, uma revisão do teto incluindo estes gastos deveria ser feita.
Com a pandemia em 2020 e 2021, medidas emergenciais precisaram ser feitas, como a criação de um auxílio aos trabalhadores, gastos com vacinação, etc. Retirar do teto estas despesas fez sentido, pois era uma situação atípica, pontual, em que os governos precisavam cumprir com seu papel de resguardar seus cidadãos. Neste momento, houve também a saída do teto as despesas com precatórios, o que, em não sendo uma “escolha do executivo”, também é passível de defesa. Alterações sucessivas no teto foram feitas pela EC 102/2019, EC 109/2021, EC 113/2021, EC 114/2021 e EC 123/2022.
Recentemente, com as eleições presidenciais, diversas promessas foram feitas não comtempladas na PLOA23. O Auxílio Brasil de R$ 600, o aumento do limite de isenção no IR, o reajuste do salário mínimo, a gratuidade da farmácia popular, o aumento da merenda escolar foram algumas delas, mas houve muitas outras. Como as pressões continuam a existir mesmo depois das eleições, fala-se em waiver para 2023. Estima-se um rompimento na ordem de R$ 200 bilhões. Depois, em 2024, se retornaria para algum tipo de regime fiscal, não necessariamente o regime do “teto de gastos primários”.
Assim, o próximo governo terá de apresentar, se possível no período de transição, uma nova regra fiscal crível, estável e fiscalmente responsável, ainda que haja waiver em 2023.
Eu, particularmente, se tivesse que escolher, optaria por duas regras conjuntas, de fácil observação e monitoramento pela sociedade: a do “teto de gastos (liquidados) primários”, com alguns aperfeiçoamentos técnicos de inclusão e exclusão da sua base; e uma outra de superávit primário, cuja meta seria fixada não pela STN/ME mas por um agente externo, como por exemplo o Banco Central. A segunda regra é extremamente necessária, pois tem como fundamento a equação da dinâmica da dívida pública. Atualmente esta regra está prevista na LRF, mas é ineficaz, pois a meta estipulada pode ser alterada a qualquer tempo pela STN/ME. Particularmente, prefiro o resultado primário do governo central, que inclui Tesouro, Previdência e Banco Central.
De qualquer forma, conquanto eu prefira aperfeiçoar regras existentes, há outras, que podem ser interessantes, não se esquecendo de que existem regras complementares (como a regra de ouro), que, se fossem aperfeiçoadas, trariam maior governança sobre a dívida pública. O importante, porém, é que a regra fiscal escolhida seja transparente, monitorável, que tenha um conceito simples (para evitar burlas e “interpretações”) e que permita governabilidade sobre o seu resultado. Atendidos esses requisitos, é preciso traçar uma trajetória de resultado primário que permita a estabilização (ou diminuição) da dívida como proporção do PIB.
Há propostas para cálculo de déficit estrutural, a meu ver, difícil de comunicar e fácil de burlar. Fala-se, também, em condicionar o resultado primário a uma trajetória da Dívida Líquida do Governo Geral (DLGG), que inclui o Governo Federal, estados e municípios, mas exclui dívidas de estatais e títulos públicos usados pelo Banco Central para fazer sua política de juros. Neste caso, o principal problema é a governabilidade. Se o Governo Federal conseguir controlar sua própria despesa anual e seu estoque da dívida, já seria um ganho. Não aconselharia, destarte, incluir Estados e Municípios, até porque há o risco de que uma redução de endividamento dos entes se converta em espaço para o Governo Federal gastar mais.
O que sim faria, nesta vertente dos subnacionais, é impor que todos os entes federativos tenham que seguir as mesmas regras federais do “teto de gastos (liquidados) primários” e do superávit primário. Como os entes não podem emitir dívida, a meta de superávit primário torna-se menos necessária, mas segue sendo desejável, especialmente se for fixada por agente externo, como o Banco Central, e não pelos tesouros dos entes (estaduais ou municipais).
Neste novo contexto fiscal, deve-se ter maior rigor na aprovação de créditos extraordinários, comprovando-se efetivamente que cumprem os critérios de imprevisibilidade e urgência. A pandemia foi uma situação em que, de fato, esses critérios se aplicavam, mas, na grande maioria, os créditos são abertos sem análise criteriosa, o que torna os PLOAs aprovadas um tanto quanto “irrealistas” e “burláveis”.
A escolha do índice para atualização do teto também é relevante. Como o orçamento é aprovado no 2o semestre do ano anterior (ano X) para o ano vigente e a regra usa o índice que só será conhecido em janeiro do ano após o ano vigente (jan de X+2), pode haver diferenças expressivas entre as projeções usadas para a inflação e a sua medição real. Isso torna o planejamento de gastos extremamente complexo e ineficiente (especialmente das vinculações) e a sua execução no final do ano vigente, uma loucura. O ideal é que o índice fixado no PLOA fosse conhecido previamente e que possíveis desvios ao índice fixado fossem ajustados no índice utilizado no PLOA do período seguinte.
Se a inflação está em queda comparativamente à esperada no começo do ano, como agora, por exemplo, o problema é maior, porque é preciso eleger prioridades e encontrar o espaço para corte num contexto em que o teto é reduzido.
No caso concreto do PLOA de 2023 do Governo Federal, o déficit primário é de R$ 63,7 bilhões, mas o resultado pode ser muito pior a depender da confirmação de alguns riscos fiscais, como os R$ 52 bilhões do auxílio de R$ 600, a data-base do funcionalismo federal, a isenção de imposto de renda para quem ganha abaixo de R$5000, dentre outras promessas, que não estão nessa conta. É preciso refazer o orçamento neste período de transição e incluir tudo. Além disso, é preciso atuar no Congresso Nacional para desarmar projetos que elevam despesas sem correspondência nas receitas, a exemplo dos vários pisos remuneratórios em discussão.
Em suma, necessita-se de uma regra fiscal crível, que assegure resultados concretos no médio prazo, de forma compatível com a diminuição da taxa de juros e com um maior crescimento econômico do país.
Como conciliar a grande demanda por políticas sociais com um Orçamento apertado?
Primeiramente cabe lembrar que: (1) “responsabilidade fiscal e social estão de braços dados”. Sem responsabilidade fiscal, dificilmente as questões sociais, especialmente as emergenciais, mas também as de longo prazo, serão minimizadas e/ou resolvidas; (2) o Brasil é desigual (10% detém 50% da renda), tem problemas sérios de baixa produtividade e informalidade, e a renda média do trabalhador (ao redor de R$ 2,5 mil) é relativamente baixa. Logo, politicas sociais efetivas e eficazes urgem serem adotadas, tanto para evitar a fome e a miséria (problema de curto prazo), quanto para fomentar a mobilidade social (o que requer um conjunto amplo de políticas, especialmente educativas, de longo prazo) e o aumento da produtividade do trabalho.
É por este motivo (especialmente em face ao problema de curto prazo) que, diante da desorganização orçamentária e de prioridades nos gastos para 2023, faz sentido o congresso dar um waiver para o novo governo no próximo ano, desde que, concomitante ao waiver, sejam estipulados os instrumentos fiscais para 2024 em diante.
Neste contexto, o Conselho de Monitoramento de Avaliação de Políticas Públicas (CMAP), subordinado à casa civil, poderia cumprir um importante papel neste cenário de recursos extremamente restritos, auxiliando na identificação de quais políticas públicas existentes deveriam ser extintas para abrir espaço para outras, especificas no campo social, mais eficazes. Não é possível atender a tudo e a todos ao mesmo tempo, mas é possível eleger prioridades (isto é, fazer escolhas de gastos) e otimizar os recursos para atendê-las. Uma prioridade, certamente, é atender às demandas de assistência social imediatas, como a manutenção do nível de renda dos mais pobres, isto é os R$ 600 do Auxílio Brasil. Estima-se que para 2023 serão necessários adicionar mais R$ 200 bilhões ao orçamento original.
De fato, há muito dinheiro alocado em setores e áreas que resultam em baixa eficácia da política (vis-à-vis o esperado), devido a serem recursos mal geridos. Não há falta de recurso na educação, por exemplo, mas as notas dos alunos nos testes internacionais são lamentáveis. Sabe-se, por exemplo, que creche pública é extremamente importante não só para a criança se alimentar bem e ter uma educação desde cedo formal (estimulando sua parte cognitiva), mas também para permitir que a mãe possa trabalhar e ter independência financeira. Qual o diagnóstico da sua ineficácia nos mais de 5500 municípios, especialmente nas cidades menores?
É necessário, assim, que se avalie o impacto dos programas mantidos por Estados e Municípios que têm transferência federal. Como destacado, num cenário de perda de receitas e restrição orçamentária (mais apertada), será necessário definir prioridades e fazer escolhas. Portanto, a avaliação de impacto torna-se fundamental para racionalizar o gasto público.
Além disso, são necessárias reformas estruturais, como a administrativa e a tributária, buscando o aumento da eficiência dos setores público e privado.
O sistema tributário brasileiro atual, vale dizer, “joga para baixo” o desenvolvimento econômico. É preciso melhorar o ambiente de negócios, reduzindo a complexidade normativa e a complexidade tributária, acabando, inclusive com a “guerra fiscal” entre os estados e a não neutralidade do tributo. A concessão de benefícios tributários acaba impactando na decisão de alocação de capital e isso gera distorções e ineficiência na sua alocação (missalocation).
Qual sua opinião sobre o Orçamento secreto? Acha que há possibilidade de uma mudança com o Congresso que foi eleito, bem mais conservador e com interesses já definidos?
Partindo do pressuposto que, dentro de uma democracia, cabe ao executivo determinar as escolhas de gastos a serem feitos, baseadas em um prévio plano de governo, que, em tese, fez ganhar o chefe deste Poder em eleições nacionais, parece questionável que o poder legislativo participe destas priorizações. De alguma forma isso passou a ser feito com as emendas impositivas a partir de 2015, e, agora, de forma mais evidente, com novas emendas, denominadas de relator – que não são impositivas – e chamadas pela mídia de “secretas”. Estas fazem com que 1/3 do orçamento relativo às despesas discricionárias sejam alocadas pelo parlamento, o que sobra muito pouco para as políticas do executivo.
É necessário, desta forma, rever a interferência do legislativo sobre o orçamento. Conforme explicitado por Marcos Mendes, as distorções orçamentárias causadas pela imposição de emendas parlamentares implica em perda de qualidade das políticas públicas, distorção do processo eleitoral e perda de governabilidade pelo Poder Executivo Federal. Cerca de 24% do orçamento da União sofreu alterações pelo legislativo, índice muito superior a qualquer outro país comparado, onde a maioria apresentou um percentual abaixo de 1% (tabela abaixo). Em geral, nos países desenvolvidos, os parlamentares interferem em decisões em nível macro, como a priorização (num horizonte futuro) de mais/ou menos recursos para previdência, defesa nacional, saúde, educação, etc. A interferência do legislativo, nos países investigados, não chega nas ações implementadas pelo executivo.
Alterações feitas pelo Legislativo no Orçamento do governo central
(ano fiscal 2012-2013; % da receita primária discricionária)
Fonte: OCDE.
Sabe-se que a barganha para se aprovar leis às vezes se dá de forma não republicanos, o que frustra o eleitor. Na história recente da nossa democracia houve casos de escândalos, como o Mensalão, revelado pela CPI dos correios, e o Petrolão, notificado pela Lava-Jato. Espera-se que estas práticas findem.
Neste sentido, o chamado “orçamento secreto” parece descumprir um direito fundamental de acesso à informação de interesse coletivo (CF, art. 5º, XXXIII), ao não relevar o destino do gasto, e parece descumprir exigências de transparência previstas na LRF (art. 48, caput e II). Seria conveniente, assim, analisar as despesas deste chamado “orçamento secreto”, porque este parece ir na direção contrária à adoção de uma regra fiscal responsável e transparente e à escolha de prioridades na alocação de recursos orçamentários, especialmente num contexto de recursos tão escassos.
Entendo, desta maneira, que um amplo diálogo deve ser feito com a sociedade no Parlamento logo em janeiro de 2023 no sentido de tentar uma reversão desta nova realidade, pois o resultado final acaba sendo ruim para a sociedade, que precisa de 100% destas despesas (que representam apenas 7% do orçamento total, sendo 93% obrigatórias) alocadas em políticas públicas eficazes pelo executivo.
Com a população extremamente polarizada e hostil às diferenças e com o executivo sem a maioria do Congresso, aquele diálogo requererá muita habilidade do Poder Executivo, para compor uma base de apoio, para que este possa encaminhar propostas de reformas estruturais, relevantes para aumentar a produtividade da economia, e para que essas propostas possam ser aprovadas.
Por um lado, a formação de um congresso mais conservador, composto por uma maioria opositora ao presidente eleito, pode fortalecer o sistema de freios e contrapesos da nossa democracia; mas, por outro lado, tal oposição pode amplificar os conflitos, tornando inviável a aprovação de medidas importantes.
Neste âmbito de aproximação, nenhuma informação que seja de interesse público, como é o caso do orçamento, pode ser secreta. Deve haver debate sobre políticas públicas, sobre prioridades, sobre alocação, etc., mas, no que tange ao orçamento, a relação entre o Executivo e o Legislativo precisa ser rediscutida, se possível neste período de transição, freando execuções de emendas que não vislumbrem o bem-estar dos cidadãos. É possível negociar e, vale lembrar, o orçamento não pertence a um parlamentar específico ou a um grupo de políticos, mas aos mais de 220 milhões de brasileiros. Urge, assim, compreender que ter responsabilidade fiscal precede a responsabilidade social e ao crescimento econômico sustentável.
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