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Entrevistas 02 mai 2025
“É preciso reformular a LRF”, afirma Gabriel Leal de Barros, no aniversário de 25 anos da Lei
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) completa 25 anos em maio, sob um amplo diagnóstico de perda de enforcement. Qual sua avaliação?
A LRF tem perdido a força especialmente na última década, devido a um misto de inabilidade dos tribunais de contas dos estados, ao deixarem de cumprir sua missão institucional de serem guardiões das contas públicas, de informar à sociedade, por exemplo, o que aconteceu nas finanças subnacionais na recessão econômica de 2015/16. Isso não significa, entretanto, que não tenhamos tidos problemas antes. Desde 2014, vínhamos identificando o by-pass de várias regras da Lei. No Rio de Janeiro, por exemplo, houve a mudança contábil do conceito de gasto com pessoal para fazê-lo parecer menor. Foram tantas questões no estado que o Tribunal de Contas chegou a ser dissolvido, mas o caso do Rio não foi o único. Outros entes subnacionais também usaram mudanças de interpretação, enfraquecendo a LRF como referência para dar sustentabilidade fiscal.
Agora que a LRF cumpre 25 anos (dia 4 de maio), vale destacar a necessidade urgente de que essa lei seja refundada em vários aspectos. Não apenas aqueles originais, que tratam dos limites de despesa, de gasto com pessoal por poder, mas também o de restos a pagar, só para dar outro exemplo de coisas que estão sendo descumpridas. Como disse, há o papel dos tribunais de contas da União, estaduais, com um problema de desenho institucional da atuação desses tribunais, e um problema do próprio desenho da LRF.
Como reformulá-la?
Precisamos de uma nova lei complementar. Se houver capital político, o ideal seria fazer uma grande reformulação, da LRF e do atual arcabouço fiscal (LC 200/2023), que não se sustentará. Pode-se separar as finanças federais, de estados e municípios em capítulos diferentes, tratando de cada tema – gasto de pessoal, restos a pagar, também gastos com terceirização, que não é muito usado nos estados, mas precisa estar incluído no limite de gasto com pessoal. Outra coisa que seria interessante de ser tratada é a previsão de redução de salários e carga horária de funcionários públicos. A pandemia demonstrou os benefícios que essa flexibilidade representou no setor privado, salvando muito emprego.
Esses são alguns exemplos, mas será preciso uma radiografia geral. Veja o caso das regras para restos a pagar. Novamente, o Rio de Janeiro é um exemplo, bem como Minas Gerais, do que não deu certo: são estados altamente endividados, com um volume enorme acumulado de restos a pagar. Mesmo após entrar no Regime de Recuperação Fiscal, não conseguiu cumprir a meta na redução dessa rubrica.
Em qual aspecto considera que um melhor funcionamento da LRF poderia ter colaborado para a gestão fiscal dos estados no atual momento, em que se observa um aumento de gastos e redução do resultado fiscal desses entes?
Acho que o ponto mais sensível, que claramente deu errado, é quanto a limitar o gasto com pessoal (dados recentes do Tesouro Nacional apontam que em 2023 12 estados ultrapassaram o limite de alerta, que é quando essa despesa ultrapassa 54% da receita corrente líquida). A questão de relacionar o limite de gasto ao percentual da receita é ultrapassado. Aprendemos com o mundo inteiro que não é adequado fazer essa vinculação, pois gera uma dinâmica pró-cíclica. Quando a economia vai bem, a receita cresce e a despesa vai junto. Mas a recíproca não é verdadeira: quando a receita cai, não se consegue simplesmente cortar gasto de saúde, educação ou pessoal. Então, há um problema de desenho. Outro problema é a métrica quantitativa: ter como limite 60% da receita corrente líquida é um nível muito alto. Assim, se tivesse que indicar um ponto que claramente não foi acertado, esse é o limite de gasto com o pessoal da LRF. Ele se provou muito alto e, ao longo do tempo, a gente aprendeu que é um erro ter uma regra de gasto que conversa com a receita, porque ela perde potência para ajudar a equilibrar as contas, já que uma parte do ganho de arrecadação vaza para a despesa obrigatória.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.