“Como em toda supersafra, este ano se repetirá o desafio da infraestrutura de transportes”, afirma Mauricio Sampaio

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Em conversa para o Blog, o consultor agrônomo Mauricio Sampaio, da GO Associados, trata das perspectivas para a inflação de alimentos em 2025, alerta para os problemas na infraestrutura de transporte e armazenamento no Brasil quando há supersafras, e destaca a dianteira do país em projetos visando à resiliência de safras às mudanças climáticas. Confira:

O início de 2025 foi marcado por projeções de expressiva alta da inflação de alimentos, já observada em 2024. Qual sua avaliação? 

O ambiente é desafiador, mas esperamos uma inflação mais modesta do que no ano passado. Vale lembrar que em 2024 tivemos uma redução expressiva da safra brasileira, na faixa de 8%, que pesou em alguns produtos. Tivemos efeitos climáticos prejudiciais para a agricultura, como o ocorrido no Rio Grande do Sul, bem como uma série de questões econômicas que acabaram afetando o preço dos alimentos. As taxas de câmbio se elevaram no ano passado, não em função de políticas agrícolas, mas devido ao problema fiscal. O parâmetro de preços para os produtos transacionados é o mercado internacional. Quando se tem uma desvalorização do câmbio, imediatamente, o preço para exportação é beneficiado, mas isso acaba se refletindo também no mercado interno. Também é preciso considerar os produtos que importamos, quer seja trigo, ou arroz, para se ter algum estoque regulador.  Há também a questão geopolítica. Vimos como a guerra entre Rússia e Ucrânia afetou as transações internacionais, como na cadeia logística, no aumento do frete internacional, o que também impacta no preço dos alimentos. 

Para 2025, o cenário é bem mais positivo quanto à safra. Nossa previsão é de um número recorde, superando inclusive 2022/23. Claro que ainda não estamos com a safra colhida, mas a perspectiva é de que ela nos dará um bom colchão no mercado de grãos. Também observamos um comportamento do câmbio mais positivo neste início de ano com a desvalorização do dólar perante diversas moedas e, nos últimos 40 dias, um cenário de preços melhores para as principais commodities que exportamos.

Quando se fala de custos que afetam o preço dos produtos, também precisamos citar um elemento importante do chamado “custo Brasil”, que é a falta de infraestrutura para o transporte de uma supersafra. Todo ano que nos deparamos com crescimentos de quase dois dígitos, existe uma série de improvisações nas regiões mais remotas para conseguir armazenar e transportar essa safra. Esse é um desafio muito grande, que vai se repetir este ano, em função das colheitas que vão se intensificar nos próximos meses. Teremos dificuldade em armazenar soja, falta de ferrovia para transportar, e uma rede rodoviária ainda precária em alguns trechos. Da porta da fazenda até as rodovias principais, ainda há muita estrada de terra, acarretando perdas. Veja, na colheita, já conseguimos mecanismos muito eficientes, com sistematização e equipamentos. No pós-colheita, entretanto, ainda vemos caminhões enfrentando mais de 80 quilômetros de terra até chegar a uma rodovia asfaltada. Na parte dos hortifrutis, ainda há a questão da deficiência de oferta de câmaras frigoríficas, centros de distribuição inadequados. Isso faz com que a gente perca muito produto ao longo de safras grandes.

O que falta para a ampliação dessa infraestrutura de armazenagem?

Alguns cinturões formados por pequenos e médios produtores ainda têm pouco acesso a financiamento de longo prazo. Também faltam condições em entrepostos, que muitas vezes são geridos pelos governos estaduais.

Considera que o agronegócio brasileiro tem respondido aos desafios de tornar seus negócios mais resilientes às mudanças climáticas?

Temos caminhado bem, muitas vezes até à frente do mundo em termos de pesquisa e inovação. Um exemplo é o Programa Nacional de Bioinsumos, visando a adoção de recursos biológicos no agro. A Embrapa é a grande impulsionadora, mas outras empresas também já estão desenvolvendo a cultura de bactérias, microorganismos do bem que aliados à inteligência artificial têm ganhado cada vez mais destaque em termos de práticas sustentáveis, fornecendo condições muito mais resilientes para o solo e para a planta. Isso implica, por exemplo, a fixação de nitrogênio da atmosfera, que é um importante nutriente para a planta, assim como o aumento de disponibilidade de fósforo no solo. Já existem bactérias que conseguem garanti-lo, reduzindo a dependência de químicos. Isso significa menor custo de produção, maior resistência da planta em condições de estresse climático, e maior utilização e fornecimento de matéria orgânica no solo, que também garante mais umidade por mais tempo para que o solo resista a secas e veranicos.

O mercado de bioinsumos é muito promissor. Tem crescido a taxa de dois dígitos, cerca de 15% ao ano. No Brasil, está estimado em R$ 5 bilhões ao ano, e deve chegar a R$ 17 bilhões até 2030. Temos uma ampla frente para explorar nessa área, coma grande vantagem de que estamos desenvolvendo aqui e até exportando tecnologia, porque saímos na frente nessas pesquisas, testando e melhorando geneticamente as cepas de microrganismos e bactérias.  

Também vale destacar a oferta de crédito de longo prazo para recuperação de pastagens do programa Renovagro, que visa estimular a modernização e sustentabilidade, permitindo que os produtores realizem os investimentos sem precisar recorrer à expansão em novas áreas. 

Como explicar o que ocorreu com as safras de café, levando a um aumento de quase 40% no produto para o consumidor em 2024?

Veja, os efeitos das mudanças climáticas são cada vez mais percebidos em culturas perenes, como é o caso do café. Muitas vezes se tem uma cultura de ciclo curto em que se consegue replantar mais rapidamente, como é o caso da soja e milho. Trata-se de um potencial de recuperação muito maior do que o de uma planta que já pode ter 20, 30 anos e simplesmente não consegue mais suportar as mudanças climáticas. Então, o que está acontecendo aqui no Brasil, em termos de preço? Há muitos anos vemos que o preço do café não está retrocedendo. A tendência é que de fato o café entrará em outro patamar de preço, pois não se trata de um problema só do Brasil, é maior, devido às mudanças climáticas. O Vietnã, outro importante produtor, segundo maior exportador de café – atrás do Brasil – vive uma situação muito pior do que a nossa. O ciclo do café é bianual: tem um ano que dá bastante, que no nosso caso seria o ano passado, mas as lavouras sofreram uma seca importante, e este ano, pela característica fisiológica da planta, não seria uma safra cheia. E ainda vamos colher menos do que se esperava, em função também de mudança climática. Isso significa que ainda teremos uma boa oferta de café, mas em outro nível de preço. Dificilmente voltaremos aos preços de antes. A mesma perspectiva vale para a laranja, que sofreu por excesso de seca. Além disso, há o problema do greening (doença que provoca acidez e amargor na laranja), que já afetou a produção na Flórida (EUA). Aqui, ainda temos pomares sem essa doença, mas ainda não há um antivírus de eficácia comprovada contra o greening. Isso significa que teremos escassez mundial de cítricos.

Quais políticas públicas considera eficazes em momentos de alta inflação de alimentos?

Compactuo com a visão de que, quanto menos intervenção, melhor. O que o setor público deve fazer é colaborar com iniciativas visando a uma maior oferta de alimentos, para assim baixar o preço. O programa de bioinsumos é um exemplo: é bom para o produtor, para a natureza, e conter as mudanças climáticas.

Outro fator importante que vem acontecendo é a parametrização do seguro agrícola. Essa é uma iniciativa relativamente recente, que funciona com a ajuda da inteligência artificial para ofertar uma apólice de seguro por evento climático específico, como seca prolongada ou excesso de chuva nas fases decisivas das plantas, como a florada do milho, e não da safra toda, permitindo uma redução de custos. Há empresas no nível de start ups que começaram a desenvolver produtos e estão crescendo. O monitoramento se dá via satélite. Dessa forma, elimina-se a necessidade de grandes burocracias, perícia. Através de algoritmos, é possível levantar o histórico climático de um município, região, e a partir daí fazer uma apólice mais sob medida. Isso possibilita inserir um número maior de pequenos produtores, quer seja pequenos ou médios, que hoje não têm acesso a seguros.

Nesse caso, o papel do setor público poderia ser de catalisador, proporcionando uma rede de inteligência adequada para gerar uma forte demanda desse produto, aproveitando a capilaridade que já possui no sistema de assistência técnica.

Confira também a matéria sobre inflação de alimentos da Conjuntura Econômica de fevereiro.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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