Claudio Reyes, subsecretário de Previdência Social do Chile, explica o projeto de reforma do sistema previdenciário em discussão no país

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A Conjuntura Econômica de novembro, que chega aos leitores na próxima semana, trará uma reportagem sobre a reforma do sistema previdenciário chileno, formado por um regime de capitalização e um pilar solidário não-contributivo. Com a tendência de gerar aposentadorias cada vez mais baixas em relação ao salário recebido no período de atividade, e uma dependência cada vez maior da transferência do governo para complementá-la, é necessário um freio de arrumação, defende Claudio Reyes, subsecretário de Previdência Social do Ministério do Trabalho do Chile, que conversou com a Conjuntura Econômica sobre o projeto que tramita no Senado. Antecipamos os principais trechos dessa conversa:

Quais as principais mudanças que o governo defende para o sistema previdenciário chileno, e que impactos poderiam trazer para as aposentadorias?

O objetivo é melhorar as pensões, tanto as atuais quanto as futuras. Neste último caso, queremos sair de uma taxa de reposição que atualmente está em torno de 45% (média identificada entre aposentados do quarto quintil de renda, com salário em torno dos US$ 700 na data última contribuição ao sistema) para alcançar 70%. Já chegamos a um acordo básico, compartilhado entre oposição e governo, para aumentar as contribuições em 6 pontos percentuais. Hoje essa contribuição é de 10% do salário, recolhida pelo trabalhador. A ideia é somar esses 6%, que ficarão a cargo do empregador. Quanto a isso, já não há discussão.

O que hoje estamos debatendo é como será distribuído esse valor adicional – ponto que também gerou muita discussão em projetos anteriores de reforma. Inicialmente, nossa proposta era de que esse recolhimento fosse inteiro a um fundo solidário, para incrementar as aposentadorias atuais. A proposta mais recente do governo é a chamada 1,2,3. Esta prevê a seguinte distribuição: 1% para um pilar solidário permanente, um bônus voltado a cobrir a diferença entre aposentadorias de homens e mulheres, posto que essas tendem a ter mais interrupções em suas contribuições e uma expectativa de vida maior; outros 2% seriam destinados a um fundo para financiamento as atuais aposentadorias do pilar contributivo, na forma de empréstimo – sobre isso, ainda estamos discutindo o período de duração, garantias associadas, para evitar impactos fiscais; e os 3% restantes iriam às contas individuais, para melhorar as aposentadorias futuras.

Durante a pandemia, um instrumento de apoio às famílias foi a liberação de três retiradas em suas contas de poupança nas Administradoras de Fundos de Pensão (AFPs), gerando impactos macroeconômicos, assim como para as aposentadorias futuras. Qual lição ficou desse episódio?

Esses resgates somaram mais de US$ 40 bilhões, o que sem dúvida gerou um impacto macroeconômico forte, como o inflacionário, mas especialmente sobre as aposentadorias futuras, já que chegaram a representar 20% do total da poupança do contribuinte. Também se lançou mão de reservas do fundo soberano e de fontes como o seguro-desemprego. Acho que a lição, de fato, é sobre a importância dos fundos que são gerados nos períodos de bonança, para serem usados nas adversidades – mas sem mexer na poupança previdenciária, pois esse impacto foi grande, difícil de se recuperar.

Hoje ainda não recompusemos os fundos soberanos. Estamos em processo de reduzir o déficit fiscal – no Orçamento de 2025, prevemos um déficit de 1,2% do PIB, metade do projetado para este ano, de 2,5%. A expectativa é que em 2026 alcancemos o equilíbrio fiscal, e isso nos permitirá retomar os aportes aos fundos, para que estejam disponíveis em crises futuras. Quanto às aposentadorias, o que estamos buscando com esse aumento da contribuição é compensar parte do impacto gerado com os resgates para o segmento de renda média, já que no caso dos aposentados de baixa renda, a Pensão Garantida Universal (PGU) asseguram taxas de reposição que superaram 100%. Para a PGU, o que prevemos no projeto é que qualquer aumento real, que supere a correção pela inflação, só aconteça na medida em que sejam geradas receitas que não sejam da mineração – neste caso, também estamos agindo com precaução, para não gastar com base numa receita que não é permanente.

Desde que foi criada em 2022, a Pensão Garantida Universal (PGU), que cobre 90% dos mais pobres do país, tem representado um importante impacto fiscal. Como se pretende equilibrar esse gasto, tendo em vista que a proposta do governo é de incluir a totalidade da população na PGU e aumentar seu valor?

Para o financiamento dessa ampliação, que calculamos em 1,2% do PIB, agora em outubro fizemos um acordo na Câmara e no Senado, para o que chamamos de responsabilidade tributária. A ideia não é aumentar a carga de impostos, mas obter ganhos via combate à evasão tributária. Com isso, esperamos gerar uma arrecadação de 1% do PIB, e outros 0,2% em redução de gastos. Com isso, a PGU já está financiada. Nosso problema de financiamento, como mencionei, se concentra no aumento das atuais aposentadorias, pois não há espaço para aumento de impostos.

Um dos principais desafios em sistemas previdenciários é a informalidade e a mudança de regimes de trabalho, que podem comprometer a contribuição. Como esse tema é abordado na reforma?

Aqui é preciso diferencias dois tipos de informalidade. Há uma informalidade entre pessoas que já são obrigadas a cotizar e evadem a cotização. Ou seja, são informais dentro da formalidade. Essa informalidade se combate com maior fiscalização e presença do Estado, para que se cumpram as leis. A segunda são informais com rendas irregulares, que não têm relação contratual, e em geral são seus próprios empregadores. Para esse caso, o que prevemos na proposta de reforma é a geração de facilidades para estimular que essas pessoas cotizem de forma voluntária. Entre elas, a de débitos automáticos; outra é a possibilidade de separar as contribuições – para aposentadoria, saúde, desemprego, acidente de trabalho – que hoje são descontadas juntas. A informalidade é muito variada, inclui de artesãos a camponeses, de esportistas a pastores evangélicos. É preciso considerar essa característica, e buscar alternativas que se ajustem a cada caso. Nisso estamos trabalhando.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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