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Entrevistas 18 jan 2023
Agenda 2023: indústria de materiais de construção quer recuperar vendas e indica o que espera de políticas para o setor
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Postado por Conjuntura Econômica
Rodrigo Navarro, presidente da Abramat
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Esta semana, a Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat) divulgou que em 2022 o setor registrou uma queda de 7% nas vendas em relação ao ano anterior, depois de uma alta de 8,1% em 2021. Quanto esse resultado frustrou as expectativas iniciais, e como se encaixa na evolução dessa indústria nos últimos anos?
De 2015 a 2017 o setor teve queda de demanda grande, pela conjuntura do país. Vale lembrar que representamos 22 segmentos, que vão da base de uma construção ao acabamento, e cujo desempenho caminha muito atrelado à economia. Em 2018 tivemos crescimento de 1,1% em relação ao ano anterior - pequeno, mas comemorado pela inversão de sinal. E, em 2019, registramos crescimento de 1,5%, que tampouco foi vertiginoso, mas marcou a sustentação do desempenho positivo. Para 2020, nossa projeção de crescimento - calculada pela FGV - era de 4%, mas com a chegada da pandemia, tudo mudou. Em julho desse ano, nossos números eram negativos em dois dígitos. Mas com a extensão das medidas de isolamento, a falta de concorrência com outras despesas como viajar e frequentar restaurantes, as famílias buscaram investir no conforto de suas casas, o que impulsionou fortemente o setor e com isso conseguimos fechar o ano quase no zero a zero (-0,2%). Por sua vez, o contexto de taxa de juros ainda baixa se refletiu na demanda do setor imobiliário, que queimou estoques e passou a lançar e iniciar novos projetos. Isso, somado ao consumo “formiguinha” das famílias, colaborou para um crescimento das vendas de 8,1%, quase o dobro do registrado pelo PIB brasileiro em 2021. Em 2022, entretanto, a perda de poder de compra das famílias, em um contexto de inflação ainda persistente, fez com que estas postergassem investimentos, o que colaborou fortemente para a queda registrada. Mas em 2023 esperamos que as vendas voltem ao terreno positivo.
Isso está atrelado a uma série de questões. A primeira são as condições macroeconômicas que afetam o varejo, como inflação e juros, bem como o mercado imobiliário, que esperamos que continue aquecido. Cada obra que se inicia, em geral, representa uma demanda de material que se mantém por cerca de dois anos. Outra questão é o futuro da construção de interesse social, com a volta do Minha Casa Minha Vida. Tivemos uma sinalização inicial positiva do governo, com o ministro (MDIC) e vice-presidente Geraldo Alckmin reforçando a perspectiva de um orçamento de R$ 10 bilhões para essa área. Esperamos que isso também contribua para a retomada. O terceiro elemento são as obras de infraestrutura. Levantamento da CNI que acompanhamos aponta que hoje há mais de 2 mil obras que precisam ser retomadas, sob risco de que se degradem - e aí, só derrubando e construindo de novo, o que seria um desperdício.
Sabemos que, ao dinamizar essas três frentes, o setor também colabora para impulsionar a economia, pois gera emprego rápido e impulsiona investimento. E também está preocupado com o uso de tecnologias novas, dentro de uma agenda de descarbonização que envolve da automação à adoção de novos materiais que consomem menos energia na produção e utilização.
O que o setor precisa para avançar nessa frente?
Uma das coisas que defendemos é que os três eixos que trabalhamos no governo anterior dentro do programa Construa Brasil - digitalização, desburocratização e industrialização da construção - sejam preservados.
Veja o exemplo desse último eixo. Por que a construção industrializada - modalidade em que partes são construídas fora do local da obra - não decolou ainda no Brasil? Porque, se industrializar, hoje se paga mais imposto. E, com uma construção concentrada no local da obra, estimula-se informalidade, ineficiência. Ou seja, é importante equalizar isso, o que passa pela reforma tributária.
Outro aspecto no caminho de se preservar políticas é a mudança de filosofia que se promoveu no Inmetro, com a criação de um marco regulatório com base na autodeclaração de conformidade. Além da questão de previsibilidade, que nos preocupa. O exemplo do destino do IPI é claro. Foram diversos decretos no ano passado até se definir como ficaria a alíquota e agora esperamos que não haja uma alteração brusca. Ainda estamos em um momento de recuperação econômica, em que onerar a indústria poderá ter efeitos negativos.
A única certeza que temos, por ora, é que será um ano de muito trabalho. Temos uma série de propostas para se debater, e estamos aguardando a formação nas secretarias do MDIC, no Ministério das Cidades. O Congresso também terá papel importante nas reformas, e está em recesso. Assim, ainda teremos dois ou três meses até engajar com os interlocutores para iniciar esse debate. Mas não estamos parados.
Para 2023, quais as variáveis mais sensíveis para conseguirem emplacar o crescimento de 2% projetado para as vendas?
Esperamos contar com uma retomada da demanda das famílias, que tiveram que adiar seus projetos. Sabemos que ainda poderá haver alguma insegurança no campo do mercado de trabalho, mas ainda assim esperamos condições melhores. Para isso, é preciso um cenário de juros básicos que não recrudesça, mesmo que as estimativas sejam de que tampouco haverá queda no curto prazo. Também esperamos, como disse, a continuidade da linha de desburocratização, digitalização e industrialização da construção iniciada no governo anterior, que beneficiará o ecossistema da construção civil, e que se garanta a manutenção dos investimentos em saneamento. Também gostaríamos de ver a reforma tributária definida neste primeiro ano. Pela experiência que temos, de mais de uma década de expectativa por mudanças, se não for atacada no primeiro ano, depois é mais difícil de avançar. E a administrativa também, pois são reformas estruturantes que, se desperdiçarmos essa janela de oportunidade, podemos perder força nos próximos anos para aprová-las.
Considera as PECs 45 e 110 adequadas para se avançar na reforma tributária?
São bons pontos de partida, mas não estão prontas. São importantes na direção de simplificar tributos e desonerar a cadeia produtiva, mas é claro que tem detalhes que precisarão ser analisados. Há benefícios específicos para construtoras, questões relacionadas ao IPI de fabricantes que estão na Zona Franca de Manaus, por exemplo. Mas, no geral, o que a gente precisa é de simplificação tributária e redução de carga, com uma harmonização entre indústria, serviços e agropecuária. Esperamos que no primeiro semestre possamos discutir esses detalhes e consolidar a reforma.
Agende-se: a primeira Sondagem da Construção do FGV IBRE de 2023 será divulgada dia 26/1. Reveja a sondagem de dezembro.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.