Nota do Editor

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Invariavelmente, quando se pergunta à alguém sua impressão sobre o que a maioria do governo central, encastelado em Brasília, sabe das realidades do país, quase sempre a resposta é a mesma: a de um distanciamento e desconhecimento cada vez maior desse Brasil tão desigual. Em seu artigo deste mês, Murillo de Aragão traça uma fascinante análise sobre os meandros do poder da capital federal, ao afirmar que Brasília ainda guarda resquícios dos tempos imperiais em que a proximidade e a intimidade com o poder valiam mais do que as instituições. Guardadas as devidas proporções, é como se fosse um tipo de Versailles, criada por Luís XIV, que foi a sede do poder político da França durante os séculos nos anos de 1682 a 1789. Lá vivia toda a corte francesa.

Aragão assinala que “nesse ambiente contemporâneo, marcado pela prevalência da imagem e da influência, a dinâmica do poder frequentemente transcende as contribuições tangíveis e mensuráveis. A capacidade de influenciar o processo decisório – seja por persuasão, retórica eficaz, ou habilidade de se apresentar como autoridade – pode, em muitos casos, eclipsar os méritos reais e as realizações concretas de anônimos. Outras vezes, os que realmente fazem acontecer é que preferem o anonimato. Seriam ‘heróis’ anônimos das formulações das políticas públicas e do processo decisório. São os políticos, assessores, técnicos e funcionários públicos dedicados, cujas decisões e ações diárias são cruciais para o funcionamento do governo e do país, mas que, pela natureza de seus papéis, permanecem menos visíveis e, consequentemente, parecem menos fundamentais do que realmente são. Mas também são advogados, representantes de interesses organizados, líderes sindicais e associativos, jornalistas, entre outros que participam do jogo do poder”.

Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt, em seu artigo deste mês, se debruça sobre uma questão que se arrasta há anos: a Reforma Administrativa que reduz a eficiência do Estado. Embora o tema esteja na pauta desde os anos 90, com a promulgação de seis emendas constitucionais, a questão é que pontos relevantes dessas emendas não foram regulamentados até hoje.

Como diz Cristiane, a promulgação de pontos das emendas não foram suficientes para “mudar a cultura do ‘meus direitos’ (como majorar a remuneração, perpetuar a categoria e ampliar as regalias) para a do ‘meus deveres’ (como aumentar a oferta e a qualidade de um certo serviço para o cidadão). A satisfação do contribuinte, a desburocratização das suas obrigações e a maximização do seu bem-estar parece que nunca são os objetivos da burocracia, raras as exceções. Por isso, outra dificuldade, é aprovar leis no Legislativo. Somente no Executivo federal há 310 carreiras públicas e 270 associações. Se somar as dos poderes, autarquias, empresas públicas dos três entes, a pressão corporativa é colossal”.

Para embasar seus argumentos, Cristiane lança mão de números. “O Brasil tem 11 milhões de servidores (12,4% dos trabalhadores), menos do que a média da OCDE (23,5%). Por sua vez, os gastos com pessoal representam 13,4% do PIB, colocando o Brasil à frente de países desenvolvidos (média 9,9%) e reconhecidos pela participação ativa do Estado, como: Suécia (12,7%), França (12,1%), Itália (9,5%) e Alemanha (7,5%).  Pares do Brasil, como Colômbia, Chile e México gastam entre 6,5% e 7%.

Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil é o 7o país que mais gasta com servidores. Com contingente menor do que a média da OCDE, mas com gasto maior, conclui-se que a remuneração relativa do setor público brasileiro está acima da média da OCDE. Um dado que ratifica esta hipótese é que, no Brasil, o salário médio de um servidor público é de R$ 5,6 mil, enquanto a renda média real dos trabalhadores é de R$ 3 mil. Mais ainda. Estudo do Banco Mundial indica que o setor público ganha mais do que o privado, para funções semelhantes. Por fim, segundo o Comitê de Governança Pública da OCDE, o índice de satisfação com serviços públicos do Brasil é um dos mais baixos do mundo, principalmente em saúde e educação.”

Mônica Viegas Andrade e Kenya Noronha, coordenadora e vice-coordenadora do Grupo de Estudos em Economia da Saúde e Criminalidade (GEESC, Cedeplar-UFMG), que passam a contribuir com seus estudos e avaliações para a revista, trazem uma relevante análise sobre o sistema de saúde no Brasil, onde se destaca o Sistema Único de Saúde (SUS) que oferece uma política universal de saúde à população, saindo à frente da maior parte dos países em desenvolvimento, se antecipando às orientações das Nações Unidas em relação às Metas de Desenvolvimento Sustentável.

Na avaliação de Mônica e Kenya, “o principal entrave para o SUS é o subfinanciamento. O Brasil tem destinado, em média, desde os anos 2000, cerca de 9% do PIB em saúde, valor próximo ao observado na maioria dos países da OCDE. A particularidade do caso brasileiro decorre da composição desses gastos. Em 2019, enquanto o setor privado foi responsável por 57,8% do gasto total, no SUS esse percentual foi de 42,2%. Mesmo no sistema americano, que é majoritariamente privado, os gastos públicos correspondem a 48% do total. O Brasil é o único país com um sistema público universal com participação minoritária do gasto público em saúde. Essa composição evidencia que o montante de recursos públicos é insuficiente para ofertar uma cobertura adequada de serviços. O subfinanciamento do SUS se traduz em longas filas de espera e indisponibilidade de alguns serviços comprometendo a integralidade do atendimento. Além do subfinanciamento, o Brasil frequentemente se destaca pela ineficiência nos gastos com saúde”.

E a questão fiscal, que não sai do noticiário, ganhou novos contornos no começo desse mês. A ministra Simone Tebet, do Planejamento e Orçamento, declarou que uma possível revisão das metas deste e do próximo ano “está na mesa”, já que as receitas “estão se exaurindo”. Quadro que ficou mais complicado com a decisão do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, de barrar a reoneração da folha salarial dos municípios a partir deste mês, o que vai acarretar uma perda de receitas estimada em cerca R$ 10 bilhões. O  ministro Fernando Haddad diz que há necessidade de um pacto entre os três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário -, para atingir os objetivos perseguidos pelo governo de zerar o déficit primário. O que também defende Guilherme Mello, Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, na entrevista deste mês da revista. O que é uma tarefa árdua, dado os diversos interesses envolvidos na busca de recursos.

É o que mostra a Carta do IBRE deste mês, com o trabalho elaborado por Manoel Pires, Bráulio Borges e Carolina Resende, pesquisadores associados do FGV IBRE, que aponta que “nos últimos anos, ocorreu um crescimento expressivo do volume de emendas parlamentares no orçamento federal. Em termos nominais, as emendas parlamentares saíram de R$ 6,14 bilhões em valores empenhados em 2014 para um montante autorizado de R$ 44,67 bilhões em 2024. As emendas, que correspondiam a 3,95% do conjunto das despesas discricionárias em 2014, chegaram a um pico de 28,78% em 2020 e, em 2024, devem representar 20,03% das discricionárias. Em 2014, das transferências federais diretas para municípios, estados e entidades privadas, isto é, dos recursos discricionários não executados diretamente pela União, 83% foram feitas pelo Executivo federal e 17% foram emendas do Legislativo (esses valores não incluem fundos de participação). Em 2023, as transferências do Executivo foram 54% do total, e as do Legislativo (emendas), 46%”.

Também é assunto da capa da revista que, dada sua relevância, levou o FGV IBRE a lançar o Centro de Política Fiscal e Orçamento no último dia 2 de abril, onde serão desenvolvidos estudos e trabalhos que possam contribuir para que o país caminhe para a sustentabilidade fiscal.

Fiscal, que também é foco de Vilma da Conceição Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), que analisa a implementação do Marco Fiscal de Médio Prazo (MFMP) pelo governo que traz uma série de benefícios, ao promover um planejamento fiscal mais amplo, “permitindo uma conexão mais estreita entre o orçamento público e os planos de governo. Isso resulta em um uso mais estratégico dos recursos, maior previsibilidade e estabilidade das finanças públicas, bem como uma melhor articulação entre investimentos e gastos correntes. Além disso, o MFMP contribui para a responsabilidade fiscal e transparência, além de promover uma maior eficiência no gasto público”.

Mas Vilma alerta que “é importante reconhecer os desafios e riscos associados à implementação do MFMP. Dentre eles, destacam-se a possibilidade de superestimação de recursos, o que pode comprometer a eficácia das restrições fiscais estabelecidas. Além disso, as projeções de médio prazo podem ser interpretadas como ‘direitos adquiridos’, dificultando ajustes necessários em caso de mudanças nas condições econômicas. Por fim, a existência de regras institucionais e legais inadequadas pode minar a eficácia do MFMP”.

Outro assunto relevante, que está umbilicalmente ligado à inclusão social e à redução das desigualdades, e que temos abordado com frequência na revista, é o do saneamento básico. Segundo dados do Censo Demográfico de 2022, divulgados recentemente pelo IBGE, aproximadamente 75% da população brasileira conta com solução de “esgoto adequado”, o que leva a crer que são devidamente atendidas quanto a esgoto sanitário. Este é um número que chama a atenção por ser muito superior ao que os especialistas do setor estão acostumados a observar em diferentes publicações e levantamentos sobre o setor.

Para Luiz Firmino Pereira e Rafael Souza, pesquisadores do FGV Ceri, “essa diferença, para além da data dos estudos, aparentemente se encontra na metodologia, uma vez que o IBGE parece considerar como esgoto adequado, todos aqueles que têm os esgotos afastados de seus domicílios, seja por redes próprias, ou também pelas redes de drenagem pluvial, além dos que possuem fossa séptica”.

No entanto, sinalizam que “afastar esgotos da porta das casas, ainda que por rede pluvial, não deixa de ser uma forma de sanear, já que a população deixa de entrar em contato com as valas superficiais anteriormente existentes, que são focos de doenças e vetores. Entretanto, raramente esses sistemas de drenagem levam os esgotos afastados a tratamento, lançando esses efluentes diretamente aos corpos hídricos, como rios, lagoas, baías e praias”.

É bom lembrar que embora os investimentos em saneamento básico tenham aumentado, ainda estão longe dos R$ 90 bilhões anuais para se chegar à universalização em 2033. No PAC, por exemplo, os recursos são da ordem de R$ 15 bilhões por ano.

 

Claudio Conceição

 


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