Volta do auxílio ajuda, mas metade do consumo das famílias são serviços, cuja retomada depende da vacina

Claudio Considera, coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do FGV IBRE

Juliana Trece, pesquisadora do Núcleo de Contas Nacionais do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O consumo das famílias brasileiras foi elemento-chave na recuperação da atividade econômica depois da recessão de 2014-16. Além da retomada gradativa e lenta da renda, esse impulso também contou com a ajuda de medidas artificiais como a liberação de saques de contas inativas do FGTS, que em 2017 injetou R$ 44 bilhões na economia e, segundo o Ministério do Planejamento à época, engordou em 0,61 ponto percentual o PIB daquele ano.

Em 2020, na crise de Covid-19, as famílias não tiveram a mesma força para empurrar a retomada, com seu consumo retraindo acima do agregado da economia: -5,2% contra -4%, respectivamente, conforme cálculos do Monitor do PIB do FGV IBRE, divulgados dia 19/2. Juliana Trece, pesquisadora do Núcleo de Contas do FGV IBRE, ressalta que a população não deixou de colaborar para segurar a queda do PIB. O consumo de não-duráveis, como alimentos e produtos farmacêuticos, por exemplo, fechou o ano no terreno positivo, com um crescimento de 0,2%, de acordo ao Monitor. “Graças ao auxílio emergencial, mesmo as famílias mais afetadas pela pandemia puderam garantir suas compras”, afirma. Mas as medias de isolamento comprometeram parte significativa dessa demanda, levando em conta que os serviços representam 50% do total do que as famílias brasileiras consomem, na média. “Serviços gerais prestados às famílias – onde entram atividades como manicure, cabeleireiro –, alojamento e alimentação fora da residência e saúde privada são os que mais estão segurando consumo de serviços, impactado pelas medidas de distanciamento social”, enumera Claudio Considera, coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do FGV IBRE.

Dado o peso dos serviços para o consumo das famílias, Juliana e Considera avaliam que a volta auxílio emergencial, ainda que em valor menor, poderá contribuir para a sustentação de parte do consumo, mas somente o avanço da vacinação possibilitará uma recuperação mais significativa dessa fatia do PIB do lado da demanda, levando-o a uma evolução positiva. Conclusão semelhante à apontada no Boletim Macro de fevereiro divulgado hoje (23/2) – que prevê uma contração do PIB de 2020 ligeiramente maior, de 4,3%, e do consumo das famílias, de 5,6%. Para este ano, o Boletim Macro prevê que o consumo das famílias registre crescimento de 4%, aquém do necessário para recuperar-se da queda de 2020, mas superior ao agregado do PIB, estimado em 3,6%.  Em entrevista ao Valor Econômico (conteúdo restrito a assinantes do jornal), Silvia Matos estimou que países emergentes como o Brasil só chegarão ao atual nível de vacinação dos Estados Unidos – onde 17% da população já recebeu ao menos a primeira dose – em meados do segundo semestre.

“As atividades de serviços mais prejudicadas pela pandemia demandam contato social, e nem tudo pode ser resolvido pelo e-commerce”, afirma Considera. Ainda pelo lado da demanda, o pesquisador prevê um cenário de muita incerteza para os investimentos – cuja taxa em proporção do PIB aumentou em 2020, para 16,1%, devido à queda maior do PIB. “Uma economia concentrada no setor de serviços não é um problema desde que esse peso venha da melhora da produtividade da produção de bens, que depende do investimento em melhoria tecnológica”, lembra. Ainda pela demanda, outro setor que também depende da reativação dos serviços é o consumo do governo. Em especial, o da saúde pública, que contribuiu em -1,3 ponto percentual para a queda de -4,4% da atividade de administração pública em 2020. “Fomos um dos primeiros a mostrar que a alta demanda por atenção aos pacientes de Covid-19 passou a falsa impressão de aumento no total de gastos com saúde, sem levar em conta a intensa queda dos demais atendimentos ambulatoriais, cirurgias, que numa situação normal representam um gasto muito maior”, diz Considera. “Enquanto não houver avanço na imunização, é provável que as pessoas continuem protelando consultas e tratamentos enquanto puderem”, completa Juliana.

Cinco anos de Monitor do PIB

Juliana e Considera lembram que foi a preocupação com o desempenho do setor de serviços que deu origem ao Monitor do PIB, que este mês completa 5 anos. “O trabalho que resultou no Monitor começou três anos antes, em 2013, quando entrei para o IBRE em um projeto temporário para mensurar a economia de serviços em base trimestral. Logo partimos para a análise mensal, incluímos agro e indústria, passamos a analisar também a demanda, até que em 2016 reunimos tudo e lançou-se o Monitor”, descreve Juliana.  Um dos principais diferenciais que o Monitor trouxe para a análise do PIB, ressalta a pesquisadora, foi a desagregação dos setores. “Esse é um dado que o IBGE costuma divulgar com dois anos de defasagem. A de 2018, por exemplo, foi divulgada no final do ano passado”, diz. “Sem o Monitor, não conseguiríamos identificar o papel do consumo de serviços na recuperação da economia depois da recessão de 2014-16 a que me referi anteriormente”, explica. O Monitor também permite analisar detalhes da produção. “Sempre que vemos a necessidade de destacar um comportamento relevante em algum setor, fazemos isso nos relatórios, porque temos essa base que permite uma análise mais detalhada.”

Considera afirma que, nesses cinco anos, o desvio máximo que o Monitor do PIB registrou em relação ao PIB oficial, posteriormente divulgado pelo IBGE, foi de 0,3 ponto percentual – com exceção do segundo trimestre de 2020, quando a pandemia de Covid-19 e mudanças nos cálculos do IBGE prejudicaram a contagem. “Acertar em cima o PIB oficial é sorte. O que é da nossa competência, nosso desafio, é errar pouco. E esse tem sido o padrão”, celebra Considera. 

 


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