“Tratar o Rio de Janeiro como playboy é desconhecer a realidade”

Mauro Osório – diretor da Assessoria Fiscal da Alerj

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Nos últimos meses, o estado do Rio de Janeiro tem passado por duras provas, além da pandemia, para se livrar de uma catástrofe fiscal. A primeira, recentemente superada, foi frear o julgamento sobre a suspensão da regra de divisão dos royalties do petróleo estabelecida em lei de 2012, que prevê a partilha desses recursos a todos os estados, incluindo os não-produtores. Marcado para 3 dezembro, o julgamento foi adiado por decisão do presidente do STF Luiz Fux no início de novembro, e agora não tem data para acontecer. Caso essa liminar fosse derrubada, representaria um impacto na arrecadação do estado de R$ 57 bilhões em cinco anos O segundo desafio, ainda em curso, é conseguir negociar, até janeiro, as bases de uma extensão do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), firmado há três anos, que suspendeu o pagamento da dívida do estado com a União em troca de um ajuste fiscal de R$ 63 bilhões até 2022, que o Rio não conseguiu cumprir.  Um fracasso nessa empreitada levaria à cobrança de R$ 51,4 bilhões em dívidas, cujos pagamentos foram suspensos desde 2017.

Mauro Osório, diretor da Assessoria Fiscal da Assembleia Legislativa do estado do Rio (Alerj) - instituição criada há cinco meses, nos moldes da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal -, defende que o estado merece um debate consciente para chegar a acordos que permitam sua recuperação. “Quando se olha o Rio de fora, as diversas prisões por corrupção que incluem cargos máximos do governo, fica-se pensando que o estado é o playboy com pai rico do país, o gastador, para quem nenhum dinheiro que se dá é suficiente. Mas isso é desconhecimento”, afirma.

Osório considera que essa abordagem ignora uma questão não menor, que é a baixa capacidade arrecadatória do estado, fruto de um adensamento produtivo raso para seu potencial, somado às diferenças tributárias vigentes no setor de óleo e gás, desfavoráveis ao Rio. Ele lembra que a principal fonte de arrecadação estadual, o ICMS, não captura ganhos desse setor, já que a atividade de extração recolhe o imposto no destino, e não na origem.  “Além disso, se olharmos a cadeia em torno do petróleo e gás, veremos que cerca de 80% dos fornecedores da Petrobras estão fora do Rio. É uma riqueza que vaza. E ainda querem reduzir royalty?”, questiona. Para Osório, uma retomada do julgamento sobre a divisão dos royalties só deveria acontecer atrelada à discussão da reforma tributária, que também reformule o pacto federativo. “Hoje a União não leva em conta esse baixo nível econômico do Rio, e o trata como São Paulo, arrecadando muito e devolvendo pouco para o estado e os municípios”, diz, apontando que em 2019 o Rio foi responsável por uma arrecadação federal na casa de R$ 170 bilhões, para transferências de R$ 36 bilhões.

Toma lá, da cá
Cinco principais estados em arrecadação federal e as transferências federais para os governos estaduais e municipais, em 2019

Fonte: Assessoria Fiscal Alerj com dados Receita Federal e Portal da Transparência

Osório também é membro de um conselho de especialistas recrutado pela Secretaria estadual da Fazenda no início deste mês - do qual faz parte o professor da FGV Ebape Fernando Rezende - para ajudar na elaboração do Plano de Recuperação Fiscal que o Rio deverá entregar em janeiro. Caso as regras do RRF não mudem até lá com a votação do PL 110, que substitui o Plano Mansueto e inclui um pacote alterações na Lei 159, do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o estado terá de negociar com a União uma extensão de mais três anos no prazo de pagamento da dívida. “Não me parece que esse prazo seja suficiente, mas estamos estudando o tema com cuidado”, afirma.

Ele insiste, entretanto, na necessidade de se buscar arranjos que não joguem o estado no caos. Este ano, para conseguir um prazo para renegociar o RRF, o governo – hoje liderado por Claudio Castro, depois do afastamento do governador Wilson Witzel (PSC), acusado de corrupção em operações com recursos da saúde destinados ao combate da Covid-19 –, bloqueou 11 mil cargos públicos. E, entre outras medidas, renegociou um acordo de securitização de royalties. “Isso evitou um default da dívida quando o barril chegou a US$ 19 e nos garante um fluxo de caixa de R$ 2 bilhões em 2020 e outros R$ 4 bilhões em 2021”, contou Guilherme Mercês, secretário de Fazenda do Rio, à Conjuntura Econômica de novembro.

Tal como no restante do país, o estado teve sua atividade impactada pela Covid-19, levando a uma perda de postos de trabalho que agravou o quadro de desemprego que o Rio observa desde a recessão de 2014-16. “Entre 2014 e setembro deste ano, o estoque de emprego formal do Rio caiu 19,7%, contra uma retração de 5,7% na média brasileira, conforme dados da Rais e do Caged”, afirma. O estado também apresenta o maior número de beneficiários do auxílio emergencial da região Sudeste, com 32,5% da população recebendo o benefício em agosto, acima também da média nacional, de 31,7%. “Esse é um quadro que ainda não sabemos como evoluirá”, diz.

No campo da atividade econômica, a boa notícia é a reação de algumas atividades acima da média brasileira: a extrativa, com a produção de petróleo; a farmacêutica, impulsionada pela atividade da Fiocruz e a fabricação de cloroquina pelo Exército -, e alguma retomada do segmento naval e offshore. Osório reforça, entretanto, a necessidade de se aumentar o adensamento produtivo no estado, destacando o trabalho da Assessoria Fiscal da Alerj também nessa área. “Incluímos em nosso mandato a proposta de estudar complexos produtivos sob uma lógica mais sistêmica. Um dos nosso estudos, por exemplo, trata de fazer um levantamento sobre o complexo produtivo e industrial da inovação em saúde: olhar todas as atividades que podem ser impactadas positivamente a partir desse complexo, e desenvolver uma estratégia para ele”, cita. “Com a pandemia, vimos que depender de importação é complicado. O SUS é o maior sistema de saúde pública do mundo, com importações que chegam a US$ 20 bilhões ao ano. Podemos atrair produtores para cá, acordar preços, transferência tecnológica. E o Rio tem um espaço importante para isso. Da mesma forma que em outros setores sobre os quais estamos nos debruçando, levantando oportunidades para discutir com mais consistência estratégias para tirar o estado desse círculo vicioso”, conclui.

Rio fora da curva
Variação (%) acumulada da produção industrial jan-set 2020 - estados e segmentos selecionados

Fonte: Assessoria Fiscal Alerj com dados IBGE

 


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