“Tendência de desaceleração do crescimento da arrecadação federal coloca em xeque elevação estrutural apontada pelo governo”

Juliana Damasceno, pesquisadora associada do FGV IBRE

Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A arrecadação tributária federal, que desde março vinha crescendo a taxas reais de dois dígitos, reduziu fortemente seu ritmo de expansão em agosto conforme prévia calculada pelo FGV IBRE divulgada esta semana. “De uma alta de 35,5% registrada em julho em relação ao mesmo período do ano anterior, passou-se para um aumento de 7,2% em agosto”, diz Juliana Damasceno, pesquisadora do FGV IBRE. Com esse resultado, o crescimento observado no acumulado do ano caiu de 26,11% em julho para 23,5% em agosto, somando R$ 1,23 trilhão. 

Juliana afirma que parte dessa desaceleração já era esperada, em função da base de comparação em 2020 ser reduzida pela prorrogação do pagamento de tributos de abril a junho do ano passado em função da pandemia, em parte recuperada no primeiro semestre deste ano. “Julho foi um mês mais limpo, com efeito base concentrado mais na atividade que no calendário de pagamento de tributos. E, em agosto desse ano, passamos a observar a ação do efeito base na direção oposta. Os valores postergados no primeiro semestre de 2020 começaram a ser quitados em agosto do mesmo ano, aumentando a base de comparação para as taxas de crescimento atuais”, diz. Ao que soma o impacto da desaceleração do ritmo de crescimento esperada para os próximos meses, como apontado no III Seminário de Análise Conjuntural

Desempenho da arrecadação das receitas federais
variação % real acumulada (IPCA)


Fonte: SRF. *Estimativa FGV IBRE.

Juliana alerta que esse resultado de agosto pode indicar que o crescimento estrutural da arrecadação tributária identificado pelo Ministério da Economia - que este ano deve gerar um adicional de R$ 110 bilhões - pode não se concretizar. Em nota divulgada no início da semana, o governo ainda indica um aumento estrutural adicional de R$ 60 bilhões na receita de imposto de renda, o que neutralizaria, de acordo ao texto, a perda de arrecadação prevista na reforma do IR que tramita no Congresso. “Apesar de não termos a abertura dos dados usados pelo governo para chegar a esse resultado, a prévia da arrecadação de agosto já pode ser considerada indicativa de que muito do que vimos no primeiro semestre deste ano em termos de aumento de receita de tributos não deverá se repetir adiante”, diz. Para Juliana, a complexidade de isolar o efeito da pandemia na arrecadação - que passa não apenas pelos diferimentos, como pelo impacto na arrecadação da alta temporária da demanda por bens industriais, devido ao efeito substituição provocado pelo choque de oferta do setor de serviços com o isolamento social, mas que já dá sinais de desaceleração - ainda dificulta a realização de projeções. “Para calcular esse efeito estrutural proposto pelo governo, o mais adequado seria esperar a evolução da arrecadação daqui para o final do ano”, afirma. Ela lembra que o bom resultado em rubricas como IRPJ e CSSL, cuja arrecadação cresceu persistentemente no primeiro semestre, não deve ser lida apenas como um resultado do aumento da atividade. “Também há nessa conta recolhimentos atípicos e um ajuste na forma como as empresas contribuem - pelo lucro presumido - quando o resultado é melhor que o esperado. Algo que, na minha análise, tampouco pode ser interpretado como um resultado recorrente”, diz. 

Outro elemento que a pesquisadora do FGV IBRE destaca para esse cálculo estrutural da arrecadação é o do tratamento dos dividendos caso a reforma do imposto de renda seja aprovada, e se a União passaria ou não a ser tributada. “A interpretação hoje do governo é de que a União tem imunidade tributária, e ficaria de fora dessa cobrança. É preciso lembrar, entretanto, que o texto da reforma prevê que a competência para recolher a tributação sobre dividendos será da empresa, o que significa que o repasse à União já chegaria com tributos descontados. Precisaremos observar como esse tema irá avançar, e se o governo conseguirá garantir aumento de arrecadação com a taxação dos dividendos sem incluir sua parte nessa conta”, conclui. 

Um dos campos de maior atenção da pesquisadora do FGV IBRE nessa transição da pandemia tem sido o da arrecadação previdenciária em que, afirma, a recomposição pode estar incompleta, apesar dos sinais de recuperação que o mercado de trabalho vem apresentando, ainda que mais lentamente que o desejado.

 


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