Só a vacinação não irá reduzir as mortes

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Pouco mais de um ano depois de o mundo começar a sentir os impactos da pandemia da COVID-19, ainda há uma luta tenaz contra o vírus em todo o planeta. Em alguns países, que foram duramente afetados pela primeira onda da pandemia, a vacinação segue em ritmo acelerado, como é o caso dos Estados Unidos e do Reino Unido. Embora a vacinação seja, no momento, o principal instrumento para a criação de anticorpos que possam combater o vírus, ela, sozinha, não é suficiente para que o mundo volte a uma certa normalidade. Já parece claro que um novo normal será um dos cenários mais prováveis, desde que não surja um medicamento com comprovada eficácia, de baixo custo e fácil aquisição, que combata o vírus e tenha um relativo tempo de imunização.

José Roberto Afonso, articulista da revista Conjuntura Econômica, e pesquisador da Universidade de Lisboa, considera que em qualquer lugar do mundo as pessoas não levarão a vida como antes da pandemia. Para ele, além de apenas vacinar, essa pandemia, como tem sido ensinado pela experiência internacional, exigirá a adoção por algum (longo) tempo de distanciamento social e medidas públicas baseadas em evidências e em ciência.

Em seu último artigo, Afonso cita o trabalho “Resultados do distanciamento social na contenção da pandemia: os casos do Reino Unido e do Brasil”, de André Médici,  economista sênior em Saúde do Banco Mundial que “afirma que a questão básica é que diante do fracasso em conseguir as vacinas desde fins do ano passado e acelerar seu suprimento regular para agilizar a vacinação de toda a população brasileira até fins do primeiro semestre do ano, a única possibilidade de evitar que o país tenha um caos na mortalidade, no esgotamento do sistema de saúde e na própria crise econômica decorrente da pandemia, seria realizar medidas de lockdown como corretamente estão propondo os governos estaduais e alguns governos municipais do país”.

Apesar de ser a economia avançada mais adiantada proporcionalmente na vacinação de sua população, é importante atentar que o Reino Unido adotou uma estratégia que vai muito além do que apenas vacinar seus habitantes, como mostra os estudos de Médici Social protection responses to the COVID-19 pandemic in developing countries e Sickness benefits during sick leave and quarantine.

Como já se sabe, a Covid-19 escancarou problemas estruturais já existentes no Brasil, adiados ou mesmo ignorados, como é o caso dos mais vulneráveis, os mais atingidos pela pandemia, e da explosão do trabalho informal. Segundo Afonso, “na véspera da crise, dos trabalhadores ocupados, 37,5% tinham carteira assinada no setor privado e 30,7% eram donos de negócios”.

Mas se a pandemia se tornou a pior crise econômica, social, sanitária e política no país, ela não poderá ser controlada e, quem sabe, superada, sem resolver o desafio da saúde. Para Afonso “curiosamente, as despesas com saúde ficaram para trás, o que faz do Brasil, dentre as grandes economias, um dos países que menos respondem pelo gasto nacional com saúde, apesar de ter um dos maiores sistemas públicos (SUS) do mundo. De acordo com dados da OCDE, 57% do gasto com saúde no Brasil é privado. Em nossa vizinha Colômbia, por exemplo, este percentual é de apenas 26%”.

No artigo publicado na edição de abril da Conjuntura Econômica, Afonso lança mão de um exercício preliminar com dados de 2019 e cálculos do economista Kleber de Castro, consultor da Frente Nacional de Prefeitos, para mostrar a distribuição dos recursos destinados à saúde. Naquele ano “estima-se que que R$ 290 bilhões tenham sido empenhados na saúde, dos quais a União respondeu por 42,7%, pela ótica do financiamento, e apenas 13,8%, pela ótica da execução, contra 36% dos estados e 50% dos municípios. Estes concentram a execução do gasto com a atenção básica – 88,8 % do total. Já na assistência hospitalar, a que mais importa diretamente no combate ao coronavírus, 49,8% do gasto é realizado diretamente pelos estados e 45,9% pelos municípios, respondendo a União por irrisórios 4,3% do total dispendido no país”.

E prossegue: “os investimentos públicos em saúde são uma óbvia exigência social e econômica, mas constituem também uma espetacular forma para multiplicar renda e emprego na economia. A saúde, no Brasil, já respondia por 7,6% do valor adicionado, 7,1% dos postos de trabalho e 9,6% da remuneração do país. Em 2017, 9,2% do PIB foram gastos no consumo de bens e serviços de saúde.

O Brasil tinha uma vantagem a nível mundial e não soube tirar proveito: já tinha um Sistema Único de Saúde (SUS), dos maiores do mundo, porém, à custa de baixos aportes estatais. À emergência em investir e fortalecer a rede hospitalar, à proteção contra epidemias e à vigilância sanitária, deve se seguir uma solução definitiva para saneamento, antiga e grave deficiência, que poderia ser atendida por investimentos privados”.

 


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