“Sem tratar a pandemia de forma eficiente, podemos ter uma perda de produção permanente no Brasil”

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Para Manoel Pires, pesquisador associado do FGV IBRE, não há hoje gasto público mais produtivo para a sociedade brasileira que o destinado ao combate da pandemia e de seus efeitos. Por isso, mesmo reconhecendo a necessidade de se equacionar a questão orçamentária de 2021 – pendente de um contingenciamento em torno de R$ 30 bilhões para equilibrar as despesas dentro da regra do teto de gastos –, Pires considera esse debate incompleto, por não contemplar as necessidades fiscais de se conter as sequelas da crise de Covid-19. “Essas questões ficaram distantes do debate orçamentário", diz, especialmente com a separação da aprovação da nova fase do auxílio emergencial, feita com crédito extraordinário via emenda constitucional. "Agora temos à frente um processo de conciliação de interesses que não sabemos muito bem onde vai dar.”

Em conversa com o repórter Fabio Graner para a Live do Valor desta quinta-feira (8/4), Pires avaliou que a atenção imediata à pandemia demanda despesas da ordem de R$ 70 bilhões, valor que já inclui os R$ 44 bilhões aprovados na emenda emergencial (EC 109) para a nova rodada, de quatro meses, do auxílio emergencial. “Desse cálculo ainda fazem parte restos a pagar inscritos no ano passado e autorizados pelo TCU para serem executados, entre os quais há de R$ 8 bilhões a R$ 10 bilhões relacionados à pandemia, principalmente para o Ministério da Saúde, outros R$ 10 bilhões estimados de subsídio para uma nova versão do programa de sustentação de emprego e renda (BEM), e alternativas de crédito a pequenas e médias empresas, sobre as quais ainda não há discussões consolidadas”, descreve. “Essa estimativa, entretanto, não leva em conta um prolongamento da pandemia”, ressalta.

Para dar conta dessa demanda, o pesquisador não descarta que a cláusula de calamidade prevista na EC 109 seja acionada, o que excluiria tais despesas de atender a limites previstos nas regras fiscais. “Isso simplificaria o equacionamento desse gasto diante do atual imbróglio fiscal. Mas optar por essa solução sem reorganizar minimamente o orçamento também é complicado, pois pode abrir brechas a gastos que não são prioritários”, ponderou, indicando que o ideal seria buscar um equilíbrio reduzindo um pouco mais o valor destinado a emendas – até o momento, o Congresso declarou abrir mão de R$ 10 bilhões do total de R$ 26,4 bi previstos para emendas parlamentares, que ocupariam o lugar de gastos obrigatórios –, e, do lado do governo, abrir espaço fiscal para outras despesas prioritárias.  “Neste momento, é preciso separar o importante do urgente. Questões fiscais são importantes, e devem ser tratadas no médio e longo prazo. A pandemia é urgente. E se não a tratarmos com eficiência, podemos ter uma perda de produção permanente no Brasil”, afirmou.

Na Live, Pires reforçou o diagnóstico apresentado em recente webinar, de que boa parte da piora do déficit público em 2020 decorreu de operações temporárias, que não implicam uma deterioração muito grande do resultado primário recorrente. “Diferentemente de 2015, quando a saída de um resultado superavitário para déficit trouxe um custo fiscal permamente”, diz. Desta vez, completa, o que fica é a necessidade de um aumento do resultado primário requerido – em torno de 1 ponto percentual a mais – para estabilizar a dívida é maior. “O que as contas mostram é que nosso problema fiscal tem solução. E a melhor forma de lidar com essa situação é cuidar das questões da pandemia da forma mais eficiente: com mais vacina, aplicando um lockdown patrocinado, pois este não será eficiente sem suporte econômico e político, e dessa forma retomarmos a atividade o mais rapidamente possível.” Nesse sentido, Pires avalia que as medidas de apoio neste novo momento da pandemia, mais grave em número de vítimas que na primeira onda – , estão atrasadas. “Não temos solução para um novo programa de redução de jornada, tampouco para o crédito a micro e pequenas empresas. E a impressão que tenho é que a programação para o auxílio emergencial já ficou velha porque, com essa velocidade de vacinação, 4 meses de ajuda não parece mais suficiente”, diz. Pires considera que é preciso mais realismo frente à atual conjuntura, citando ainda que o trade off das políticas de apoio hoje é mais desfavorável que na primeira onda. “No caso do auxílio, há uma perda dupla, tanto do valor real quanto pelo efeito da inflação, que é mais alta”, cita, reforçando a necessidade de as forças políticas alcançarem consensos para reconstruir o orçamento e coordenar medidas relacionadas à  pandemia.

 


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