“Sem a segurança de que o governo se preocupa com a vida, as pessoas vivem a incerteza”

Eduardo Leite – Governador do Rio Grande do Sul

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Liderando um dos estados com a situação fiscal mais frágil do país, o governador Eduardo Leite lançou-se à frente em gerar dados sobre a pandemia no Rio Grande do Sul e testar os limites da convivência da atividade econômica com o novo coronavírus. Em meados de maio, já tinha liberado o comércio em todo o estado, com restrições graduais de acordo à evolução de contágio e ocupação de leitos, com o que espera mitigar os efeitos da crise sanitária na economia. “É uma forma mais equilibrada de convivermos com as medidas restritivas, pois possivelmente teremos que passar um longo período com elas”, afirmou à Conjuntura Econômica. Em entrevista por telefone, Leite ressaltou a vantagem de ter emplacado uma série de reformas no início do ano – entre elas, a da Previdência estadual – e reconheceu que a modernização tributária que esperava aprovar em 2020 não deverá ser a mesma. “Qualquer mudança no sistema agora terá que ser feita contemplando essa alteração da atividade econômica que estamos verificando, e que vamos fatalmente experimentar ao longo do próximo ano”, afirma.

Conjuntura Econômica — Qual o impacto econômico que o estado contabiliza em função da Covid-19?

Do ponto de vista econômico, para se ter uma ideia, observamos somente em abril um saldo negativo de empregos formais de 74 mil postos (pelo Caged, o quarto pior resultado do país), o que é impactante para o Rio Grande do Sul. Todo o esforço desde o início do nosso mandato foi o de criar um ambiente favorável ao desenvolvimento no estado, ser mais acolhedor ao investidor privado, estimulá-lo a empreender. Do ponto de vista de reduzir os custos da máquina pública, se não tivéssemos aprovado as reformas que aprovamos, seria muito mais difícil fazê-las agora, e teríamos um gasto público mais elevado. No campo das receitas, o Rio Grande do Sul tem alíquotas extraordinárias majoradas de ICMS até o final deste ano (medida que vige desde 2016, em função da crise fiscal do estado), e buscávamos a partir daí a redução da carga tributária. Isso será bastante importante para estimular a economia, mas agora não temos condição de aventar alguma redução de carga tributária para o ano que vem.

A ajuda emergencial aos estados e municípios foi sancionada pelo presidente Bolsonaro no final de maio. Qual sua avaliação do programa? Ele atenderá às necessidades do estado?

É importante deixar claro que somente o governo federal é que tem capacidade de auxiliar, pois tem instrumentos como a emissão de títulos da dívida, para se financiar e viabilizar esse aporte. Acho que é importante deixar claro também que não é um auxílio aos governos e governadores, mas ao povo brasileiro que vive nos estados e municípios, e que sem esse suporte federal seria penalizado com o colapso de serviços públicos essenciais que seriam inviabilizados pela falta de recursos.

Em primeiro lugar, os critérios estabelecidos para a divisão do montante entre os estados ficaram desiguais. Comparativamente ao ICMS arrecadado no mesmo período do ano passado, alguns terão cobertura de mais de 30% das eventuais perdas de ICMS. No Rio Grande do Sul, essa reposição será de cerca de 20%. Mas essa é uma etapa superada. O ponto é que houve demora na definição, na articulação com o Congresso. A Câmara tomou a providência de apresentar um projeto, o Senado demorou a encaminhar o assunto, e o substituiu por outra proposta. E o presidente usou integralmente os 15 dias úteis para a sanção, deslizando o prazo do repasse para junho, o que vai fazer que, quando estivermos recebendo a primeira parcela de cerca de R$ 500 milhões, já tenhamos acumulado mais de R$ 1,2 bilhão em perdas somente com o governo do estado, fora o que já se distribuiu aos municípios. Em abril perdemos R$ 700 milhões e, em maio, R$ 1 bilhão. Desse total, R$ 500 milhões vão para municípios e o Fundeb. Então, R$ 1,2 bi é o que fica para o estado, em maio já são dois meses de perda, e sem o repasse há um desencaixe de fluxo que evidentemente nos cria dificuldades. É um auxílio importante, é bom que tenha sido aprovado. Mas evidentemente seria melhor para o povo brasileiro que isso tivesse sido resolvido antes.

Isso indica que o programa de ajuda poderá ser insuficiente para o estado?

O apoio emergencial está aprovado nessas condições, e ainda é prematuro avaliar, pois não se sabe como será a perda de arrecadação nos próximos meses e subsequentes. Qualquer discussão sobre outra rodada ou outra forma de apoio deve ser reservada para o futuro, analisados os desempenhos das arrecadações nesse período.

Essa desconexão mencionada pelo senhor acarretou atraso em pagamentos?

O Rio Grande do Sul tem dificuldade histórica com o pagamento de servidor. Há quase cinco anos o estado não consegue pagar servidores na data correta, que de acordo à nossa legislação seria no último dia útil do mês. Vínhamos melhorando no início deste ano o tempo necessário para quitar a folha, mas diante da perda de arrecadação expressiva – somente do ICMS, foi uma retração de 15% em abril e de 34% na primeira quinzena de maio –, entraremos no mês de junho sem ter concluído o pagamento da folha do mês de abril. Só vamos concluí-lo quando houver aporte federal, ou quando entrarem os recursos mais vultosos do ICMS, que ocorrem entre os dias 10 e 12. Só aí concluiremos o pagamento de abril e abriremos a folha de maio.

 


Clique aqui e assine a Conjuntura Econômica para ler a íntegra desta entrevista na edição de junho.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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