“Sem o quarteto de centro-direita, será difícil vencer em 2022”

Jairo Nicolau – Professor titular do FGV CPDOC

Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Entrevistado do mês de dezembro da Conjuntura Econômica, Jairo Nicolau fez um balanço das eleições municipais e apontou o que estas deixam de herança para as próximas eleições presidenciais, em 2022. Acompanhe aqui parte dessa conversa:

O que mais o impressionou nesta eleição?

Como analista, foi a sensação de volta à normalidade, como foram as eleições de 1988 a 2016, em que o movimento no tabuleiro era feito aos poucos. Em 2016 e 2018 tivemos experiências fora do esperado, com aumento de votos brancos e nulos, chegada de outsiders, o PT levando o maior tombo de sua história. Este ano, entretanto, quando sentei à frente do computador para acompanhar as apurações, o mundo parecia mais normal. Partidos e nomes tradicionais voltando, imprimindo uma cara de vida partidária. Do ponto de vista analítico, foi bom perceber que o ruído extremista desapareceu. Para a política, acho que a vida ordinária é melhor.

Concorda com as análises de que o resultado das eleições municipais representa um enfraquecimento do presidente Bolsonaro?

Antes mesmo das eleições, já havia antecipado que Bolsonaro não poderia se dar como vitorioso. Vitória significa traduzir seu prestígio em força partidária, e ele sequer tem partido. E acho que esse resultado, além de ter sido ruim, mostra uma coisa da qual não tínhamos total clareza, que é a dificuldade de organizar um partido de direita. Em 2018, o PSL registrou sua maior votação para a Câmara dos Deputados, obteve a maior bancada legislativa em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, saindo das urnas com forte apoio popular. Naquele momento, todos os analistas estimavam que em 2 anos o país finalmente teria um partido de direita orgânico, em torno do movimento bolsonarista. Este ano, o PSL teve R$ 200 milhões para gastar na campanha, ainda contava com vários bolsonaristas incluindo o filho do presidente (Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo PSL/SP), e com candidatos bolsonaristas em várias cidades, incluindo a capital carioca. Mesmo assim, teve 3% dos votos a vereador do país. Em 2016, foram 2%. Ou seja, foi um crescimento de um ponto percentual, mesmo com uma estrutura a favor.

Então, acho que o grande erro do presidente foi não aproveitar a força e o sucesso eleitoral de 2018 ao deixar o PSL, desentendendo-se com várias lideranças e ficando sem partido. O resultado é que continuamos sem uma direita organizada no país, não temos uma força política orgânica em torno de Bolsonaro, e agora ele terá que fazer um caminho de volta, reconstruir-se politicamente ou com um novo partido – o que acho pouco provável – ou buscando abrigo em um partido tradicional que lhe dê condições de competição um pouco melhores em 2022.

Considerando os principais espectros políticos, quais partidos ganharam força para coordenar uma coalizão em 2022 – e onde considera que haverá mais resistência para isso?

Na esquerda, acho difícil que o PT não apresente candidato, pela importância do partido – participou de todos os segundos turnos desde 1989, e quando não houve, foi o segundo mais votado –, e o papel preponderante do Lula. Até o Jacques Wagner (PT-BA) já se anunciou disponível para candidatar-se. E tudo indica que a aproximação PSB e PDT levará a um afastamento desses partidos em relação ao PT, ao menos no primeiro turno. Então, não vejo um candidato único no campo da esquerda.

O lado da extrema-direita já está definido, com Bolsonaro candidato à reeleição. E, por inércia, uma parte dos partidos dessa direita inorgânica, pouco ideológica, da qual fazem parte algumas legendas do chamado Centrão, vão com ele.

A grande dúvida é como o quarteto de centro-direita – MDB, PSDB, PSD e Democratas (DEM) – se comportará, se conseguirá apresentar um “Alckmin para valer”, digamos assim. Um candidato de centro, competitivo, viável, que possa enfrentar o PT e Bolsonaro. Mas há problema de coordenação, os quatro têm ao menos um nome em mente. Também existe a possibilidade de filiar alguém de fora. Até agora, a impressão é de que baterão muita cabeça para chegar a um nome em comum. A princípio, a coalizão mais simples é a de centro-direita, mas falta esse nome ótimo. Como faltou em 2018, pois Alckmin não era o melhor nome naquele momento, mas mesmo assim estabeleceu-se apoio em torno dele – com exceção do MDB, que lançou candidato próprio (o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles).

Após eleições que valorizaram o tom político conservador, essa decisão parece ser a mais importante, não?

Acho que sim, e talvez a esquerda deva ter aprendido que, sem uma composição com esse quarteto, ou parte dele, fica difícil ganhar uma eleição presidencial. Acho que a definição da eleição presidencial de 2022 passará por esse quarteto. Porque em 2018 houve uma pulverização. Parte dos partidos pregou o voto nulo, boa parte do DEM e do PSD apoiou Bolsonaro, e o MDB se dividiu. Há um aprendizado reforçado nestas eleições locais, pois a esquerda teve muita dificuldade no segundo turno de cidades importantes, como Porto Alegre e São Paulo, onde ficou clara a disputa centro-direita contra esquerda. E em muitas cidades médias Brasil afora, onde faltou apoio para os candidatos do PT.

Mas insisto: se esse quarteto de centro não conseguir chegar a um nome competitivo, consensual, que consiga expressar o que muitos candidatos, como Bruno Covas (PSDB-SP) e Eduardo Paes (DEM-RJ) conseguiram, será tragado de novo pelo bom desempenho do PT, ou de uma esquerda não petista.

Você já criticou o risco de um retrocesso na reforma das regras eleitorais (fim das coligações proporcionais para o Legislativo, cláusula de desempenho) como moeda de troca para a votação de outras reformas no Congresso. Considera que esse risco ainda existe?

Era previsível uma reação como essa de parte da elite política que ia ser derrotada, como foi. Mas há duas vantagens contra isso. A primeira é que o fim das coligações proporcionais para o Legislativo exige uma reforma constitucional, que é mais difícil de aprovar. A segunda é que, pelo resultado previsto pelos partidos, os que podem se dar bem – como o caso de DEM, PSDB, PT – não vão querer voltar atrás. O Gilberto Kassab (PSD) já disse ser contra a volta de coligações. Claro, entre os partidos de centro-direita, foi o segundo mais votado. Coligações envolvem divisão de dinheiro – agora tem o novo fundo eleitoral, já tinha o fundo partidário – de tempo de TV, que é um bem precioso, e os políticos perceberam que não é mais uma boa manter esse quadro de pulverização. Por isso, hoje considero que é baixa a probabilidade de a lei ser alterada para 2022.

Já disse isso outras vezes, e repito: hoje estamos com o melhor sistema eleitoral desde 1945, quando adotamos a representação proporcional. Acho que isso é um patrimônio, temos que manter esse formato, que não distorce a representação como acontece com as coligações, favorecendo pequenos partidos, fazendo com que o voto do eleitor fosse transferido de maneira fajuta – você votava em uma legenda e ajudava a eleger outra legenda, às vezes completamente estranha ao campo político de sua preferência. Demos um passo extremamente importante para a democracia brasileira. Esse é um tema muito técnico, ninguém vai sair na rua defendendo as reformas do sistema eleitoral, mas como estudioso desse assunto, tenho o dever de dizer: estamos no melhor momento do sistema eleitoral brasileiro desde a redemocratização.

 


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