“Saúde, tecnologia e energias renováveis irão impulsionar a economia cearense nos próximos anos”

João Mario de França, diretor geral do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece)

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Uma das formas de se observar os altos e baixos da recuperação econômica brasileira é olhar as economias regionais. É um exercício sujeito a imprecisões, pois a versão oficial desses números, do IBGE, leva dois anos para ser publicada, e ainda está no pré-pandemia. Mas são importantes no trabalho dos estados para impulsionar seus PIBs, como mostrará a Conjuntura Econômica de maio, que sai esta semana, e se poderá ver no decorrer do mês, no Blog. Hoje antecipamos a conversa com o diretor geral do João Mario de França, diretor geral do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), sobre as perspectivas econômicas do estado.

Desde a recessão de 2015-16, o crescimento da economia cearense tem flutuado em relação ao total da economia brasileira. Antes disso, o estado havia aberto ampla vantagem em relação ao PIB do país. O que tem arrefecido a dinâmica da economia depois dos choques?

A recessão de 2015/16 foi severa, e de fato interrompeu a trajetória de crescimento cearense acima da média nacional. Mas, a partir de 2019, a economia começa a recuperar essa dinâmica. Vale lembrar que no Ceará os serviços têm peso maior do que na média nacional: 77,8% do valor adicionado, contra 73,3% no Brasil. Já a indústria representa 17% no Ceará, contra 21,8% no Brasil. Qualquer movimento de recuperação, portanto, têm que estar atrelado especialmente a esses setores.

Uma questão importante no Ceará é que, mesmo nesses períodos mais agudos, o estado sustentou sua capacidade fiscal, o que lhe possibilitou realizar investimentos em áreas estratégicas, como segurança, educação, saúde e infraestrutura logística. Isso garantiu ao estado a liderança, nos últimos sete anos, no quesito investimento em relação à receita corrente líquida (RCL). Capacidade de investimento alavanca crescimento econômico. E, com isso, voltamos à tendência de crescer mais aceleradamente que o Brasil. Em 2020 nossa retração econômica foi maior – de 4,16%, de acordo a nossa estimativa, contra 3,8% do Brasil –, mas em 2021 estimamos um crescimento de 6,63%, de 2 pontos percentuais acima do brasileiro.

Evolução do PIB Ceará x Brasil (%)


Fonte: Ipece e IBGE. *Valores estimados. **Valores previstos.

Considera que a resposta da atividade tenha vindo acompanhada de alguma mudança estrutural?

O que observamos aqui no Ipece é que a pandemia pode ter potencializado oportunidades em setores que já estavam sendo priorizados antes da crise: o da saúde e o tecnológico, que claramente foram acelerados pelo efeito da pandemia. Aos que se somou o de energias renováveis.

No caso da saúde, trata-se do desenvolvimento de negócios e cadeia de valor – biotecnologia, química fina, equipamentos médicos –, com duas grandes ações de implantação e dinamização de distritos de inovação. O primeiro é o Distrito em Inovação em Saúde de Porangabussu, na capital, onde está a Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. O segundo é o Pólo Industrial e Tecnológico de Saúde (Pits) no Eusébio, na região metropolitana de Fortaleza, onde está a sede da Fundação Oswaldo Cruz.

Quanto ao hub tecnológico, são várias as iniciativas, a começar pela digitalização do setor público, que esperamos ver concluída até o fim do ano. Temos ainda o desenvolvimento do Cinturão Digital (inaugurado em 2010, chegou em 2021 aos 184 municípios cearenses), que amplia a oferta de conectividade e banda larga em todas as regiões. E a implantação de cabos submarinos de fibra ótica intercontinental, que permite a atração de gigantes da tecnologia, como data centers.

No campo das energias renováveis, temos identificado um grande potencial quanto ao hidrogênio verde. (em fevereiro, o governo lançou, junto com a federação das indústrias do estado, a UFC e o Complexo do Pecém o Hub do Hidrogênio Verde com vistas a ser fornecedor global desse combustível. Em abril a companhia White Martins assinou memorando de interesse em participar do hub, para exportação do combustível à Europa)

Mesmo diante da mencionada capacidade de investimento e da busca pela diversificação econômica, hoje o estado tem um estoque de empregos com carteira assinada (1,2 milhão de pessoas) menor que o de beneficiários do Auxílio Brasil (1,3 milhão). Pernambuco também perde nesse saldo, junto a mais dez estados. Como mitigar essa situação?

Tal como em outros estados brasileiros, esse é o reflexo de um quadro de desigualdade e pobreza que ainda é alto. A média de pessoas extremamente pobres no Ceará e demais estados do Nordeste ainda está acima da nacional. Então, fica evidente a dependência da proteção social. Não é um número positivo, tampouco chega a surpreender. Mas mostra que ainda temos muito a avançar.

Qual a agenda do estado para a recuperação do emprego?

Além desse foco em dinamizar a economia com os hubs que já mencionei, buscando uma diversificação em relação às atividades tradicionais do estado – como das indústrias têxtil, de calçados e de alimentos –, há um esforço reconhecido do estado na área educacional, em busca do ensino público fundamental e médio de excelência, e do ensino profissionalizante voltado às essas novas áreas – como tecnologia da informação, saúde, robótica – e ao setor de serviços. Não é um processo que acontece da noite para o dia, mas é um trabalho concreto que tem sido liderado pelo governo. Vale ainda lembrar das políticas do estado voltadas à primeira infância, com o Programa Mais Infância Ceará, que conta com benefício mensal, orientação a pais e mães e a criação de centros pedagógicos, entre outras iniciativas.

Ainda quanto ao mercado de trabalho, vale lembrar que mesmo em 2020, quando mais fomos afetados pela pandemia, fechamos o ano com saldo positivo de 18 mil empregos formais. Em 2021, quando crescemos mais que o agregado da economia brasileira, registramos um saldo de mais de 80 mil postos. É um estado com grande potencial. Esperamos este ano a normalização do fluxo do turismo,que sofreu muito com a pandemia, e será importante para o dinamismo do setor de serviços cearense.

Daqui  em diante, o que será determinante para a dinâmica de investimento no estado?

Hoje a maior transição que o estado vem buscando, tanto quanto a maioria dos estados do Nordeste, é quanto a atração de investimentos produtivos via incentivo fiscal. Esse foi um mecanismo importante para atrair indústrias e outras empresas à região, mas a ideia é de que perderá força. Com uma reforma tributária que foque os impostos indiretos, tenderá a ficar cada vez menos efetivo. Assim, será cada vez mais importante garantir esse poder de atração através do potencial do próprio estado em termos de condições logísticas, infraestrutura e qualidade de mão- de-obra. Mas também será preciso um bom cenário nacional. Claro que empresas estrangeiras que vêm se instalar no estado observam se este cumpre contratos, se está com suas contas em dia. Mas também observa a ambiência do país, que transmite segurança ao investidor, tenha uma situação fiscal mais consolidada e uma legislação que dê segurança jurídica aos investidores. Até o momento, o país não conseguiu essa sustentabilidade fiscal, o que ainda traz muita instabilidade. Essa incerteza rebate na condição de vida da população, no processo inflacionário, eleva os juros e inibe investimentos. É importante que o Brasil avance em seu processo de consolidação fiscal e nas grandes reformas, como a tributária e a administrativa, para ampliar a eficiência econômica, o que se refletirá positivamente nos estados.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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