Retomada

Como os clubes brasileiros de futebol podem se fortalecer após a pandemia

Esta semana, o estádio mais conhecido do país, Maracanã, completou 70 anos sem partida nem plateia. Retomar suas atividades, junto a outros estádios do país, é o desejo de boa parte da população brasileira, mas especialmente dos protagonistas desse espetáculo. O impacto das medidas de isolamento para combater a Covid-19 no país tem afetado todas as fontes de receita dos clubes de futebol – de contratos de transmissão e bilheteria a contratos de patrocínio e venda de atletas –, acentuando o problema financeiro da maioria deles.  Levantamento realizado pela Ernest & Young aponta que, em 2019, 13 dos 20 clubes mais bem-colocados no ranking da CBF apresentavam uma relação de endividamento líquido/ receita total superior a 1, chegado a passe de 4, casos do Sport e Botafogo. De acordo à consultoria, o endividamento líquido desses 20 clubes totalizava, no ano passado, R$ 8,3 bilhões. A perda que cada um terá com a pandemia ainda está por ser calculada. O Centro Internacional de Estudos do Esporte prognostica que, em valor de mercado de clubes e jogadores, o impacto será de ao menos 30%. 

Em artigo publicado na Conjuntura Econômica de maio, os economistas José Roberto Afonso (professor do IDP) e Pedro Trengrouse, coordenador do programa FGV/Fifa/Cies de Gestão do Esporte, defenderam a necessidade de aproveitar esse momento crítico vivido pelos clubes para se avançar em medidas que promovam a profissionalização de sua gestão. Em 12 de junho, ambos voltaram ao tema em uma conferência online promovida pelo IDP. Na ocasião, Trengrouse ressaltou não só a perda de receita potencial dessas agremiações, fruto da má administração, como o desperdício de oportunidades de negócio que acontecem em meio à crise sanitária. No primeiro caso, citou o estudo Mensuração Socioeconômica e Financeira do Futebol Brasileiro, da FGV Projetos, que aponta que se os clubes brasileiros tivessem melhor governança e menos dívida, sua participação no PIB poderia saltar dos atuais 0,2% para 1,1% em menos de uma década, gerando ao menos 6,5 vezes mais postos de trabalho, atualmente em 370 mil. “Com a pandemia, a redução temporária de valor de mercado dos clubes também suscitou oportunidades de investimento. Por exemplo, o fundo americano que comprou participação minoritária na liga italiana por 2 bilhões de euros”, exemplificou. “No Brasil, entretanto, acontece o oposto, pois o indexador que os clubes utilizam para estabelecer o valor necessário para qualquer investimento hoje é a dívida. E, se a dívida aumenta, aumenta esse valor. Então enquanto os demais se tornam mais atraentes, conosco acontece o contrário. Sem falar na falta de segurança jurídica para qualquer investimento.”

No evento online, o deputado federal Pedro Paulo (DEM-RJ), relator do projeto de lei Clube-Empresa (PL 5.082/2016), aprovado na Câmara em novembro do ano passado, defendeu o projeto como a saída mais rápida para encaminhar tanto o problema emergencial quanto estrutural dos clubes. “Sua tramitação já está adiantada, basta incluir dois artigos para tratar da renegociação de dívidas, e teremos avançado para estruturar os clubes para explorarem todo o seu potencial”, afirmou. Entre as medidas contempladas no projeto estão a possibilidade de, organizado como empresa, o clube ter descontos de juros e multas em antecipação de pagamento total da dívida, além de fazer o uso do regime de Recuperação Judicial. Pedro Paulo ainda defendeu a organização dos clubes em uma liga, como acontece em outros países, cortando a dependência da CBF.  “Não faz sentido que o Campeonato Brasileiro, de onde sai 10% do mercado de jogadores do mundo, fature dez vezes menor que a Premier League (inglesa)”, afirmou. 

O deputado afirmou que no Congresso também tramitam projetos que vão na contramão  desse caminho. “Quer-se suspender o Profut (espécie de refis para clubes lançado em 2015), o que tornaria o futebol a única atividade econômica com suspensão de dívida até 2022, entre outros pontos que misturam curto e longo prazo que estão vindo no contrabando, como os que tratam de cláusulas compensatórias. Precisamos ser coerentes, dar alívio aos clubes com problemas de liquidez, mas não é o caso de salvar clubes insolventes.”

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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