Retomada

“Não recuperaremos o PIB perdido em 2020. Reequilíbrios de contratos, como no setor elétrico, serão necessários”, diz Armando Castelar, do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Mesmo com a perspectiva de que o tombo na atividade econômica brasileira provocado pela crise sanitária da Covid-19 seja menor do que o projetado entre maio e junho, a perda de PIB registrada em 2020 não será recuperada e demandará um reequilíbrio econômico-financeiro de contratos de prestação de serviços.  Com um desafio adicional: diferentemente de outros episódios, em que se podia identificar com clareza perdedores e ganhadores, neste choque todos saíram perdendo, dificultando a advogados e reguladores a decisão de como compartilhar o prejuízo.

Em webinar promovido dia 21/7 pela FGV Direito Rio, Armando Castelar, coordenador da Economia Aplicada da FGV IBRE, apontou a necessidade da definição de princípios gerais que sirvam para guiar essa discussão entre atividades que perderão muito, citando o exemplo do setor aéreo. De janeiro a maio deste ano, somente em transporte de passageiros esse setor registrou queda de 42% frente ao mesmo período do ano passado. “Isso representa um impacto seis vezes maior do que o ocorrido na última recessão”, comparou, apontando a queda de -6,9% em 2016, na mesma base de comparação. “Entre os projetos do Programa de Parceira de Investimentos (PPI) do governo federal, havia 23 concessões de aeroportos, que provavelmente também terão de ser repensados”, completou.

No caso do setor elétrico, Castelar lembrou da forte correlação que este tem com a evolução do PIB – que, pela última projeção do FGV IBRE, deverá registrar queda de 5,5% em 2020. “Antes da pandemia, esperava-se que em 2021 o PIB finalmente ultrapassasse o pico anterior de 2014. Agora projeta-se que isso só acontecerá em 2024. A projeção é de que em 2024 o PIB esteja 7,2% abaixo de onde se projetava ao final de 2019”, declarou. Essa perda se reflete nas estimativas do setor, que somando as revisões de consumo realizadas pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), deverá observar uma queda de 6,5% este ano, evoluindo nos próximos a partir de um patamar mais baixo do que o previsto antes da pandemia.

Ainda que essa perda pareça suave quando comparada ao setor aéreo, Vera Monteiro, professora da escola de Direito da FGV SP, lembra que se trata de uma cadeia de alta complexidade que, em primeira instância, depende da sustentabilidade da relação entre o consumidor e a distribuidora, responsável pela contratação da geração e transmissão de energia para que esta chegue na ponta. Para Vera, o caso do setor elétrico é exemplar na contenção do impacto de curto prazo, com a criação da Conta-Covid, para garantir o fluxo de caixa das distribuidoras frente a queda de consumo, aumento de inadimplência e perdas não-técnicas (com aumento de gatos). “Essa solução foi uma mostra da maturidade adquirida pelo setor, que envolve uma grande quantidade de agentes setoriais e institucionais e que já enfrentou grandes crises”, disse. “A Conta-Covid é uma tentativa de evitar que despesas do sistema sejam incluídas no reajuste de tarifas no curto prazo. E também se incluiu a isenção de pagamento a certas categorias de usuários, com possibilidade de aporte de recursos do tesouro na Conta de Desenvolvimento Energético para dar subsídio à Tarifa Social”, afirmou. Nesse conjunto de medidas, também se inclui a ação da Aneel impedindo o corte de energia a inadimplentes residenciais e de serviços essenciais por um período determinado, posto que o usuário final também sofre o impacto da pandemia. Em artigo publicado na Conjuntura Econômica de junho, Joisa Dutra, diretora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura (FGV Ceri), e Edson Gonçalves, pesquisador do FGV Ceri, ressaltaram, entretanto, que esse arranjo só foi possível porque garante o deslocamento desses custos para o consumidor final no futuro, e que serão “raríssimos são os investidores e empresas que poderão contar com tratamento análogo.

Mesmo reconhecendo que essa conta chegará, ainda que tarde, na mão dos usuários, Vera reforçou a celeridade ao encontrar uma saída que evitasse dificuldades no curto prazo, garantindo “empréstimos de melhor qualidade às distribuidoras, com amortização de cinco anos”, e uma margem de tempo para se discutir o reequilíbrio econômico-financeiro do setor.  “Em geral, o direito não convive com decisões provisórias, mas em um evento como o que vivemos é preciso trabalhar com a ideia de que se pode, sim, busca-las”, reforçou, no evento, o professor de Direito Econômico da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Egon Bockmann.

Vera defendeu que a busca pelo reequilíbrio econômico-financeiro de contratos deverá ser negociada caso a caso, a partir de várias respostas que ainda não estão definidas, como o real impacto no consumo – lembrando o caso de regiões que, em função da Tarifa Social, podem estar se beneficiando de um aumento da demanda residencial –; a perda econômica; e o impacto no nível de endividamento das empresas. Para Castelar, um ponto a favor do setor elétrico é que, diferentemente de atividades cuja retomada ainda dependerá de maior segurança sanitária, o setor elétrico deverá retomar sua atividade mais rapidamente, em um padrão superior ao do PIB. “A perda do setor elétrico deverá ser bem localizada ao longo do primeiro semestre. Uma das razões é que em setores de consumo mais intensivo de energia elétrica, como a indústria, o setor de alumínio e de extração de minério, a tendência é de recuperação mais rápida”, diz. Outro ponto que deve ser levado em consideração nessa conta de reequilíbrio, ressaltou é a queda relevante do custo de financiamento de capital próprio. “Vemos as bolsas subindo, a Nasdaq já quebrou recordes anteriores. A realização de IPOs, ofertas secundárias, voltou a ser barato, e isso é uma boa notícia”, afirmou.

 


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