Retomada

Economistas debatem ritmo da recuperação em 2021, em webinar do FGV IBRE e Folha de S. Paulo

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A recuperação gradual da economia brasileira no segundo semestre, refletida em quase todas as atividades à exceção de serviços, é um alívio momentâneo que ainda fala pouco sobre o ritmo de retomada que se poderá observar a partir de 2021. A necessidade simultânea do governo de operar um ajuste fiscal que faça o déficit primário cair cerca de 9 pontos percentuais em relação a este ano, e atender aos segmentos que ainda poderão sofrer dificuldades de se levantar do impacto da pandemia, traz muitas dúvidas sobre como a economia se comportará no ano que vem, e cobra diretrizes mais claras sobre como se pretende operar na busca desse equilíbrio.

Entre as não poucas questões que formam esse quadro está em que medida a demanda privada irá crescer para compensar a redução dos estímulos injetados pelo governo este ano, lembrou Armando Castelar, coordenador da Economia Aplicada do FGV IBRE, no webinar “Os caminhos da recuperação”, promovido dia 17/9 pelo IBRE em parceria com a Folha de S. Paulo. Castelar ressaltou que o aumento significativo da poupança durante a pandemia – no segundo trimestre deste ano, a taxa de poupança do país cresceu quase 2 pontos percentuais como proporção do PIB em relação a igual período de 2019 – pode ser um indicativo positivo nessa direção. “Para dar vasão ao desejo de consumir das famílias para além de alimentos e eletrodomésticos e chegar no setor de serviços, entretanto, é preciso dar coragem e condições para que elas voltem aos restaurantes, médicos e escolas”, disse.  Manoel Pires, pesquisador associado do FGV IBRE, reforçou que a efetividade no controle da pandemia é chave nesse processo. “Ainda não demonstramos ter esse controle, o que pode atrasar o processo de recuperação, atrapalhando a segurança que as pessoas precisam para retomar suas atividades”, disse. Outro elemento apontado por Pires é em que medida a pandemia mudará os hábitos de consumo de forma permanente, demandando uma readequação da estrutura de oferta da economia.

No evento, moderado pelo repórter especial da Folha Fernando Canzian, tanto Castelar quanto Pires apontaram a necessidade de readequação das políticas de apoio orquestradas pelo governo até agora, defendendo que a efetividade destas não se trata apenas de uma questão quantitativa, mas qualitativa. “Relatório recente da OCDE enfatizou essa necessidade de mudança da natureza dos estímulos. Por exemplo, separando empresas que estão passando por momento transitório e poderão voltar daquelas que não vão voltar”, afirmou Castelar. Pires, por sua vez, ressaltou o fato de que, no Brasil, o pacote de ajuda emergencial se concentrou muito mais nas transferências de renda às pessoas em detrimento da ajuda às empresas, indo na direção contrária da maior parte dos países que contou com gordos pacotes de ajuda. “Não conseguimos ser muito eficientes nesse campo, e isso poderá impactar no processo de recuperação. Considero que daqui para frente seja necessário retirar um pouco mais rapidamente os estímulos de transferência de renda, mas permanecer um pouco mais com as medidas de crédito para as empresas se capitalizarem”, afirmou, ressaltando a importância da boa saúde do setor produtivo na recuperação do emprego. “De certa forma governo já está fazendo isso, reduzindo o valor e a abrangência do benefício emergencial – veremos como o Congresso vai aprovar – apontando alguma intenção quanto à estratégia de saída dessa política. Mas as questões relacionadas ao crédito considero que devem ficar por mais tempo”, reafirmou. Para o economista, o governo terá que demonstrar habilidade em operar um caminho do meio, que mitigue os riscos tanto de retirar os estímulos de maneira prematura, quanto o de comprometer o fiscal. “Será preciso alguma retirada que não seja muito abrupta, mas desmontando o arcabouço fiscal de pandemia que o governo criou. Ainda que gere pressão de dívida no próximo ano, já se sinaliza uma estratégia de retirar, criando um caminho de consolidação mais à frente, que vai ensejar novas reformas, novas medidas estruturais que focarão na sustentabilidade fiscal.”

Nilson Teixeira, sócio-fundador da Macro Capital, ressaltou que a sustentabilidade da dívida pública não passa apenas pelo controle de gastos, mas por fazer o país crescer mais. “Pelo que vemos hoje, entretanto, a tendência é crescer menos, a partir de um patamar que já está aquém de outros emergentes”, disse. Teixeira lembrou que o desafio de aumentar o PIB potencial do país é mais antigo que a pandemia, e agora ganha contornos mais urgentes. “Observando os estudos sobre produtividade feitos pelo IBRE, vemos que os ganhos obtidos na década de 1980 vieram por incorporação de mão de obra, e que hoje precisamos de outros elementos para ampliá-la. Veja o caso da educação: temos um grande problema de acesso entre os jovens da rede pública durante a pandemia, e sabemos que cada ano de escolaridade faz diferença não só para o salário futuro desses jovens, como no crescimento potencial do país”, disse.

Para Teixeira, a partir de agora será necessário que o governo deixe mais claro qual seu plano de retomada, e os instrumentos que pretende usar para isso. “Temos a percepção e que falta dinheiro, mas acho que não é assim. Há muito dinheiro, mas é preciso saber onde ocupa-lo”, afirmou, citando diferentes propostas de realocação de recursos, do fim de desonerações à reformulação de programas assistenciais e a reforma administrativa. “O presidente já disse claramente o que não quer: reduzir abono salarial, congelar aposentadorias. Mas agora precisa dizer o que quer”, disse, referindo-se especialmente à ampliação de um programa de transferência de renda, seja dentro do Bolsa Família, seja com o Renda Brasil.

Castelar lembrou que a existência do teto de gastos força a que essas decisões não sejam jogadas para baixo do tapete, mas considera que sua resolução não acontecerá no curto prazo. “Nesse sentido, acho que a emenda constitucional que possibilita a implementação dos gatilhos é algo em que se poderia avançar rapidamente, e ajudaria bastante. Até agora muita proposta foi feita pelo governo, e fica-se com a sensação de que não há prioridade clara. E essa deveria ser uma prioridade”, afirmou. 

 

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