Reforma tributária

“Conflito de competência só será sanado com unificação de ISS e ICMS”, diz Leonel Cesarino Pessôa, co-organizador de livro que trata de distorções sobre a tributação do consumo 

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Da experiência como juiz do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) em São Paulo, última instância administrativa para o julgamento de conflitos que envolvem tributos estaduais, o advogado Leonel Cesarino Pessôa, da FGV Direito SP, guarda a lembrança da tensão de empresários em meio ao embate entre estados e municípios sobre a classificação de seus produtos e serviços, e a respectiva cobrança de imposto. “No limite, há donos de empresas, como de software, que decidem fechar e se instalar em outro país. Querem pagar, mas precisam de uma definição quanto à regra do jogo para seguir em frente”, diz. O conflito de competência, comum na área tecnológica, não é exclusivo desse setor, tampouco é o único problema envolvendo a tributação sobre o consumo. Por isso, diante dos vários projetos que hoje se apresentam para a reforma tributária, Pessôa não titubeia em defender prioridade na mudança de impostos com essa base de incidência, e especialmente uma unificação de ISS e ICMS, “seja com a criação de um único IVA que some impostos federais, estaduais e municipais, seja com a instauração de um IVA dual, como propõe o Ipea, sendo um no âmbito federal e outro estadual”.

Esse é o ponto mais sensível, diz Pessôa,  quando se trata de adequar o sistema tributário ao avanço da economia digital. Ele conta que avanços tecnológicos não são difíceis de serem alcançados por um IVA, mas geram contínuos problemas na disputa ICMS x ISS. “Tomemos novamente o caso do software. Uma decisão do STF de certa forma tinha organizado essa questão, definindo que em software de prateleira incide o ICMS e, se era customizado, o ISS. Mas hoje o mais comum é assinar um contrato e obter o direito de se usar um software na nuvem. E aí a briga voltou”, diz, apontando que em economias que têm IVA a preocupação não se dá no campo do consumo, mas do imposto de renda, especialmente quando se trata de empresas sem presença física no país, mas que geram receita, por exemplo, com publicidade, escapando da tributação.  “No caso da proposta do Simplifica Já, que mantêm os impostos em suas atuais esferas de governo, cita-se a criação de um tribunal específico para ordenar esse tema. Mas depois o contribuinte ou o fisco do estado ou município que perderem podem entrar com recurso no Supremo. E aí são temas que levam anos para se resolver”, diz.

Pessôa ainda lembra que a não-unificação desses dois impostos pode alimentar práticas ruins para a atividade de alguns setores, citando a construção civil. “Um construtor que opta por produzir no local da obra recolhe uma alíquota de 2% a 5% de ISS. Se escolhe usar produtos industrializados, pré-fabricados, tem que pagar 18% de ICMS. Com isso, a tendência na construção civil brasileira é a de não se modernizar e ser menos produtiva”, diz.

Para ampliar o conhecimento e o debate sobre esse e outros os impactos negativos gerados pelo atual sistema, o advogado organizou, juntamente com o pesquisador associado do FGV IBRE Samuel Pessôa, seu primo, o livro Razões para a Reforma Tributária: distorções sobre a tributação do consumo no Brasil, que será lançado dia 16/10, em São Paulo. Os textos reunidos na obra são de autores ligados ao programa de Mestrado Profissional da Escola de Direito da FGV SP, e abordam o tema a partir de três problemas mais comuns: além do conflito de competência entre ISS e ICMS, a guerra fiscal e a substituição tributária. 

“Buscamos apresentar a discussão de casos de forma clara, ilustrando para não-tributaristas os problemas que eles acarretam para a atividade produtiva no país”, conta. E que têm em comum o impacto na produtividade das empresas, e da economia como um todo. “No caso da guerra fiscal, tomamos como um exemplo centros de distribuição distantes tanto do produtor quanto dos varejistas ao qual se destinam os produtos, devido a incentivos tributários gigantescos dados por alguns estados, a ponto de compensar as idas e voltas dos produtos pelo país”, afirma, o que ainda alimenta a judicialização por estados perdedores. “São benefícios julgados inconstitucionais, pois teriam que ser autorizados pelo Confaz, e não são. E aí, o que muitas vezes acontece é que o estado que cedeu o benefício muitas vezes desiste da lei e promulga outra, perpetuando a questão.” No caso da substituição tributária, o princípio é semelhante. Para escapar da obrigação de pagar de antemão os tributos de toda a cadeia quando vende ao atacadista, o fabricante busca desviar seu produto para estados com os quais o seu não tem convênio para regular as transações interestaduais - especialmente aos que também oferecem incentivos fiscais. “E, com isso, as mercadorias passam por uma viagem irracional pelo país para chegar ao consumidor que muitas vezes estão do lado do fabricante, numa operação nada eficiente, alimentando uma série de atividades que não geram valor”, diz. 

Webinar de lançamento do livro: Razões para a Reforma Tributária: distorções sobre a tributação do consumo no Brasil

Data: 16/10, às 10h

Inscrições: https://evento.fgv.br/reformatributaria_/

Participarão do evento:

Mario Engler – coordenador do programa de Mestrado Profissional da FGV Direito SP

Samuel Pessôa – Pesquisador do FGV IBRE

William do Val Junior – Mestrando em Direito Tributário pela FGV Direito SP 

Marco Aurelio Ramos de Carvalho Junior – Mestrando em Direito Tributário pela FGV Direito SP

Rodrigo Frota Silveira – Mestre em Administração pela FEA (USP) e auditor fiscal no Estado de São Paulo

Eurico de Santi – Professor da FGV Direito SP

Melina Rocha Lukic – Diretora de cursos da York University/Canadá, uma das autoras do projeto de reforma tributária do IPEA.

Leonel Cesarino Pessôa – Professor da FGV Direito SP

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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