Reforma trabalhista: caminho é avançar, defendem especialistas

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A reforma trabalhista aprovada no governo de Michel Temer, cuja sanção completará 5 anos no mês de julho, entrou no foco das atenções desde que o PT e demais partidos da federação que apoia a candidatura de Lula à Presidência passaram a defender sua revisão/revogação. Diante do perfil de recuperação do mercado de trabalho brasileiro, marcado pela informalidade, subocupação e queda do rendimento do trabalho, não é difícil jogar a reforma na lista de fatores que poderiam justificar tal debilidade. Especialistas reunidos em webinar promovido pela FGV EESP na semana passada, entretanto, somaram vozes para defender a direção oposta: de que essa legislação não só tende a promover uma relação ganha-ganha entre empregador e trabalhador, colaborando para a manutenção de vagas e a criação de outras em momentos de turbulência, como pode tornar a economia mais produtiva como um todo. 

Além do fato de a reforma ainda ser jovem, Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do FGV IBRE, lembra que seus poucos anos de vida foram marcados por uma recuperação econômica incompleta da recessão de 2014-16, interrompida por um novo choque, com a pandemia de Covid-19, o que dificulta uma análise acurada de seus efeitos até agora. “Não tivemos a atividade funcionando de forma normal, e isso se soma ao problema da solvência da dívida do Brasil, que não foi solucionado de forma permanente, afetando o crescimento”, diz, reforçando a defesa de que a geração de empregos de fato só acontece com crescimento econômico, feita em entrevista à Conjuntura Econômica em 2021. “O que uma mudança na legislação faz é reduzir algum custo relativo do trabalho e favorecer a formalização, colaborando para a redução do desemprego de longo prazo. Nesse sentido, uma vez que a economia volte a operar na normalidade, acho que a reforma pode reduzir o desemprego de longo prazo em 1% a 2%”, afirma Barbosa. 

Mesmo que o cenário macroeconômico brasileiro no geral ainda não favoreça um movimento mais virtuoso do mercado de trabalho, José Pastore, professor da USP, que mediou o evento online, afirma que já existem evidências significativas de mudança no ambiente de contratação, reduzindo a insegurança jurídica que muitas vezes inibe o empregador em sua decisão de contratação. ”Depois da reforma, houve uma redução de 46% das ações trabalhistas no Brasil”, cita, fruto de rescisões amigáveis para quitações definitivas de contratos. Dados do Caged apontam que de 2017 a 2021 registrou-se cerca de 750 mil rescisões desse tipo no Brasil, evitando litígios. “Costumávamos dizer que os contratos de trabalho no Brasil eram fake, porque quando um empregado era demitido entrava na Justiça do Trabalho e acabava negociando uma série de direitos que supostamente eram inegociáveis”, lembra José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio, reforçando a importância do princípio que rege a reforma, de sobrepor o negociado sobre o legislado. E que também vale para promover maior flexibilização de carga horária e de salários - o que, para Camargo, atuou favoravelmente para a reação do mercado de trabalho quando a atividade foi se recuperando dos efeitos da pandemia. “Depois da paralisação provocada em 2020, em 2021 foram gerados quase 10 milhões de postos de trabalho. O rendimento real médio dos trabalhadores caiu, mas com uma taxa de desemprego de 14,9% da força de trabalho, era de se esperar que nas negociações esse rendimento sofresse queda. A taxa de desemprego, entretanto, já está menor, em 11,1% no último trimestre do ano passado - a maior recuperação em um ano da série histórica da PNAD Contínua, e na margem nos dois últimos trimestres o rendimento real médio da força de trabalho brasileira já está começando a subir”, afirma Camargo. 

Barbosa lembra que, como medida de contenção dos efeitos da pandemia, a flexibilização de carga horária e salários foi potencializada com o Benefício para a Manutenção de Emprego e Renda (BEM) - programa que sozinho colaborou para preservar cerca de 10 milhões de empregos formais em 2020 e 2,6 milhões em 2021, de acordo ao governo federal -, e que tê-la prevista na legislação trabalhista traz ganho potencial de produtividade. “Essa mudança permite vínculos mais longos de trabalho, porque há margem de ajuste.” A avaliação é reforçada por André Portela, professor da FGV EESP, organizador do evento. “Quando um contrato é muito rígido, como antes da reforma, frente a qualquer choque negativo na economia os empregadores acabam ficando com poucas opções de saída a não ser demitir. Ao se permitir ajustar jornada e salário, reduz-se o impacto nos custos e ao mesmo tempo permite garantia do emprego para o trabalhador”, diz. Para Barbosa, o potencial aumento de produtividade vem do estímulo das empresas a investir na capacitação de seu empregado, já que em momentos de crise terá condições de negociar outros arranjos que não a demissão. “Em geral, esse ganho de produtividade é de 3% a cada ano adicional de vínculo em um trabalho”, descreve.  “Favorecer vínculos mais duradouros permite maior disposição de investimento da empresa para capacitar o trabalhador. Sabemos que no mundo inteiro que trabalhadores tornam-se mais produtivos ao empreender habilidades e competências específicas, e nesse sentido é total interesse da empresa colaborar para isso”, completa Portela. 

Além do princípio de privilegiar o negociado sobre o legislado, outro elemento elogiado pelos especialistas foi a eliminação da dicotomia entre terceirização em atividade meio ou fim. “Com a liberalização da terceirização, observamos muita ocupação por conta própria com CNPJ, mostrando que os empresários preferem contratar conta-própria formalmente, e trabalhadores preferem ser formais”, destaca Camargo. Barbosa, por sua vez, também ressaltou a liberação de novas modalidades de contratação, intermitente e por tempo parcial, lembrando que estes já somam 9% do total dos empregos do Caged, o que representa cerca de 380 mil contratos. Em entrevista ao Blog em fevereiro, o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) Paulo Solmucci, havia destacado a importância da formalização do trabalho intermitente para o setor, que muitas vezes precisa adaptar a equipe conforme as oscilações de demanda - como regiões turísticas em alta temporada. “Trabalharemos muito, enquanto empresários, para sensibilizar a sociedade de que não podemos retroceder com a figura do intermitente”, afirmou. 

No evento, os especialistas foram unânimes em defender que a direção correta para a reforma trabalhista daqui adiante é avançar nos pontos que ainda não estão cobertos. “A primeira é a necessidade de uma melhoria na legislação para contemplar os trabalhadores de aplicativos, modelo novo que tende a se tornar cada vez mais comum e que não se encaixa numa legislação antiga”, cita Portela. José Marcio Camargo ressalta o papel-chave dos negócios de aplicativos ao compatibilizar oferta e demanda - por exemplo, a necessidade de deslocamento de um indivíduo com um motorista disposto a transportá-lo no trajeto desejado -, defendendo, entretanto, que essa intermediação não deve ser vista como uma relação de subordinação tal qual a existente em um contrato tradicional de trabalho. “O apoio que é preciso garantir a esse trabalhador não está nas relações de trabalho. Ele é muito mais ligado ao campo da proteção e seguridade social”, diz. Para Barbosa, do FGV IBRE, uma solução possível seria a criação de um fundo ao qual esse trabalhador autônomo, muitas vezes microempreendedor individual (MEI), pudesse ter acesso em momento de variação brusca de renda. “Esse fundo poderia contar com algum grau de subsídio, em que essa pessoa contribua para ter acesso sob determinadas condições de perda de renda”, cita, lembrando que a figura do MEI já dá direito a auxílio doença e possibilidade de alterar a alíquota de contribuição previdenciária para aumentar seu benefício. “O importante é que a solução não está em criar vínculo empregatício. Há um intermediário muito valioso nesse caso - usando o mesmo exemplo, várias corridas de carro não seriam realizadas hoje na ausência de aplicativo. Se criarmos um imposto ou vínculo, esse programa deixará de existir e o serviço deixará de ser prestado. Em resumo, resultará em redução de emprego e de serviço para os usuários”, afirma, reforçando a importância dessas alternativas de renda em momentos de crise. 

Outro elemento destacado tanto por Barbosa quanto por Portela para essa agenda pendente é como tornar a legislação trabalhista mais efetiva para combater o problema histórico da informalidade. “Desde que temos dados (1976, PNAD), metade do mercado é informal. No ápice da formalidade no Brasil, por volta de 2014/15, chegamos a 60%. Há algo muito sério que ainda precisa ser resolvido, e nossa legislação faz parte dessa solução, buscando novas formas de proteção”, diz Portela. Para Barbosa, combater essa alta participação da informalidade passa por mexer no que classifica como “vaca sagrada” dos direitos trabalhistas. “Se são direitos que atendem a apenas 40% da população empregada, precisam ser discutidos. Somente com uma discussão no Congresso para reduzir o diferencial de custos entre o emprego formal e o informal é que poderemos atacar essa chaga histórica”, defende. 

Consolidação em xeque

O evento da FGV EESP também contou com um painel de juristas, que apontaram preocupação com possíveis retrocessos na reforma. Ives Gandra, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), citou o tema 1406, que tramita no Supremo, e trata da possível limitação de direitos trabalhistas não assegurados constitucionalmente, enfraquecendo o poder do negociado sobre o legislado em acordo ou convenção. Rodrigo Dias Fonseca, juiz do TRT de Goiás, por sua vez, citou a ADIN 5766, que trata do pagamentos de honorários de sucumbência por aqueles trabalhadores que são beneficiários da justiça gratuita, sob a alegação de que isso poderia impedir o acesso à Justiça do Trabalho por empregados considerados hipossuficientes. “Vejo efeitos perniciosos da decisão do Supremo (de outubro de 2021), porque alguns advogados já começam a se aperceber de que, na prática, não há maior risco no ajuizamento da ação trabalhista, voltando ao ambiente pré-reforma. Embora seja patente a intenção do legislador reformista conferir maior segurança jurídica às relações trabalhistas, tão importante e até mais efetivo a se alcançar esse objetivo é a interpretação que tribunais conferem a essas normas”, diz. Essa tendência também foi identificada por Otavio Calvet, juiz do TRT do Rio de Janeiro. “Estamos vendo o retorno de pedidos que não têm muita base, repetindo a prática anterior à reforma apoiada no princípio de ‘o não eu já tenho’”, afirma. Com isso, apontam os juristas, a reforma poderá perder uma de suas valiosas vantagens, que foi conceder mais racionalização às ações trabalhistas.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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