Reforma administrativa

“Deve-se preservar o serviço público de um aumento do poder arbitrário de gestores”, diz Daniel Duque, do FGV IBRE, em webinar

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Diferentemente da reforma da Previdência, que com uma PEC conseguiu abarcar a maior parte das diretrizes para a mudança do sistema, a reforma administrativa que passou a ser debatida com a apresentação da proposta do governo federal ao Congresso no início de setembro é o início de um processo que demandará esforços adicionais à aprovação de uma emenda constitucional. Especialistas reunidos em webinar do jornal O Globo dia 24/9 defenderam que, além do arcabouço legislativo, será necessário promover uma forte mudança na cultura administrativa do serviço público no Brasil. “Mais importante será mudar o comportamento das lideranças, gestores e cidadãos ao encarar a relação do estado com a sociedade”, afirmou  o senador Antonio Anastasia (PSD-MG), integrante da frente parlamentar da reforma administrativa do Congresso.

Daniel Duque, pesquisador do FGV IBRE, lembrou que o texto apresentado pelo governo deixa em aberto a definição de vários mecanismos, como o de avaliação de desempenho para fins de demissão e o de seleção simplificada de profissionais. “Esse diálogo deverá ser feito com o Legislativo e demandará estudos, pois são regras que também implicam riscos”, afirmou. “Por exemplo, a seleção simplificada pode gerar mais flexibilidade, permitir a contratação de empregados mais apropriados para uma função. E a avaliação de desempenho pode ajudar tanto a incentivar servidores que fazem um bom trabalho como identificar e tirar os que não entregam o que foi contratado. Por outro lado, não podemos permitir um aumento do poder arbitrário de determinados gestores”, apontou, ressaltando que brechas a comportamentos discricionários podem levar a resultados opostos ao que se espera com essa reforma.

A importância de que o debate sobre a reforma administrativa se converta em uma mudança política comportamental ampla também foi ressaltada por Paulo Uebel, ex-secretário Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, que lembrou que alguns mecanismos previstos, como o de avaliação de desempenho, já existem há 20 anos e nunca foi regulamentado. “Já existe no poder público políticas de bônus por resultados, mas um levantamento no âmbito do governo federal mostrou que, da parcela de servidores candidatas a esses bônus, uma ampla maioria recebe o teto da bonificação. “Dessa forma, não é um mecanismo de meritocracia. Avançaremos se conseguirmos acabar com promoções e progressões automáticas por tempo de carreira e criarmos uma efetiva progressão mérito”, disse.

Ana Carla Abrão, head da Oliver Wyman no Brasil, defendeu no evento que a questão de mudança no sistema de promoção na carreira pública precisará contemplar também os servidores atuais, o que no momento não está contemplado na proposta. “Na questão de estabilidade, está bem que não se falem dos servidores atuais. Hoje o crescimento vegetativo da folha de salários de servidores estaduais e municipais está muito relacionada ao dispositivo de promoções e progressões automáticas, não dá para esperar. Além disso, a coexistência de dois modelos distintos de carreira poderá trazer risco jurídico e comprometer a adoção de um novo modelo”, defendeu. “Imagine se dois servidores públicos coma mesma função que entram na máquina pública com uma diferença três, quatro anos, um no regime antigo, outro no novo, como a evolução na carreira e a trajetória financeira serão diferentes ao longo de duas décadas. Contaminaremos a possibilidade de modernização do sistema.”

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