“Reequilíbrio de contrato é parte da cultura de concessões, e Brasil está se adaptando a ela”

Fernando Marcato, secretário de Infraestrutura e Mobilidade de Minas Gerais

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Com 26 mil quilômetros de rodovias estaduais, mais da metade em situação ruim ou regular – de acordo a levantamento da Confederação Nacional de Transportes (CNT) –, e severas restrições fiscais, o governo de Minas Gerais quer concretizar um plano de concessão de rodovias totalizando 3,2 mil quilômetros e investimentos estimados em R$ 11 bilhões, além do projeto do Rodoanel da região metropolitana de Belo Horizonte. E, com o valor da outorga, investir nas demais rodovias, como já faz com o valor arrecadado na BR 135. Fernando Marcato, que assumiu a Secretaria de Infraestrutura e Mobilidade em agosto de 2020, afirma que esse trabalho passa por fortalecer a regulação e retomar o diálogo com concessionárias que já atuam no estado e tinham obras paradas por falta de pagamento das obrigações do governo. “Resolver o passado é uma questão de mostrar para o investidor que se pode investir aqui” diz Marcato, que também é professor da FGV Direito SP, e, também, atuou como secretário executivo de Novos Negócios da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), entre 2008 e 2011.

Como a pandemia afetou o equilíbrio das concessões de transporte do estado?

Na parte de rodovias, o impacto não foi relevante, já que a maior fatia da receita da BR 135 e da MG 050 vem do transporte de carga, cuja redução de circulação foi pequena, concentrada nos primeiros meses da pandemia.

Já o aeroporto Regional da Zona da Mata sofreu maior impacto com a queda de demanda. Mas é um contrato de parceria público-privada (PPP), em que a gente paga um valor fixo para a concessionária, portanto a demanda não é tão relevante no modelo econômico-financeiro. Ainda assim, promovemos um encontro de contas com algum reequilíbrio relacionado à demanda. O setor mais preocupante realmente foi o de transporte público urbano. Nesse caso, entretanto, o modelo de regulação é muito antigo, então temos discutido a atualização desse modelo para então tratar do desequilíbrio. Lançamos uma proposta de novo modelo de regulação de contrato, e agora estamos negociando com as empresas.

O estado agora prevê ampliar fortemente as concessões rodoviárias Além da pandemia e o histórico das concessões anteriores têm trazido de lição para a estruturação desses programas novos? 

Desde o início da gestão, assumimos contratos que estavam em situação muito ruim, por falta de gestão contratual ou falta de pagamento. E quando o governo deixa de fazer a sua parte, a empresa começa a ficar tão desacreditada que também para de cumprir sua obrigação. Levamos quase um ano para restabelecer o diálogo com os concessionários. Temos feito uma faxina regulatória, pegando os grandes problemas, fatiando e resolvendo pouco a pouco. E isso não acontece só no setor de transporte. No caso do estádio do Mineirão, por exemplo, há uma arbitragem em andamento. A parte da falta ou atraso de pagamento resolvemos; em contrapartida, as concessionárias abriram mão de alguns pleitos. No caso da MG 050, tinha muita obra atrasada. Essas obras só foram possíveis de serem retomadas porque dissemos: voltamos a fazer nossa parte, e esperamos e mesmo de vocês. Ou seja: volto a pagar, mas também volto a multar.  Resolver passado, para a gente, não é só uma questão de legalidade, mas também de mostrar para o investidor que Minas respeita o contrato, e que se pode investir aqui.

Além desse trabalho de retomada, quais os principais desafios de equilíbrio financeiro que esperam mitigar? 

Primeiramente, quero destacar que entendemos como fundamental o fortalecimento das instituições de regulação no estado. Nesse sentido, criamos, no âmbito da Secretaria, uma comissão de regulação de transportes. Ela é o embrião para a agência reguladora de transportes do estado, cujo projeto de lei já se encontra em consulta pública, e esperamos enviar a versão final da proposta para a Assembleia Legislativa até final do ano.

Minas tem concessões e PPPs em diversos segmentos – estádio, a primeira PPP de um complexo presidiário do Brasil (de Ribeirão das Neves), de serviço ao público como o Poupatempo –, e entendemos que nossos modelos têm evoluído junto com o setor. E uma das experiências que levamos é a de contratualizar mais as regras, como procedimento para pleitear o reequilíbrio, taxa de retorno a ser utilizada.

Então, as duas principais frentes de trabalho estão em deixar tudo muito claro no contrato, para ter regulação forte, e ao mesmo tempo criar a agência reguladora para que se possa aplicar as regras do contrato de forma equânime.

Eu chamaria a atenção para o fato de que também estamos fortalecendo a fiscalização, através de verificadores independentes. Isso está sendo incluído nos contratos. São figuras, por vezes pagas pelo concessionário, que trabalham para ambos os lados como uma espécie de mediador, dando a palavra final técnica nos reequilíbrios contratuais. Já temos esses verificadores nos contratos do Mineirão e do complexo penal. E outra dimensão é a mediação e arbitragem, com a composição de painéis técnicos em caso de conflito, para se buscar uma solução sem ter de judicializar. Isso também traz segurança ao investidor, em especial nos processos de reequilíbrio econômico-financeiro, que são muito técnicos.

Quais os fatores mais complexos para se chegar a um reequilíbrio de contrato?

Veja, um contrato de 30 anos sempre terá desequilíbrio. É inevitável. Mas isso é uma questão cultural própria desses instrumentos, à qual o Brasil aos poucos está se adaptando. Antes, havia medos de aditivos contratuais e de obras, como se fossem um gargalo de corrupção – que de fato já foi e, em certos casos, ainda trazem esse risco. Entretanto, aditivos são quase parte integrante de uma concessão.

Os temas que discutimos são variados. Para mim, o problema está em não ter uma relação saudável e séria entre o público e o privado. Durante muito tempo, tivemos o problema de o público não pagar as prestações para o privado. Em processos como esse, os reequilíbrios se tornam mais complexos, pois falta confiança prévia entre as partes. E isso é ruim, pois, como disse, desequilíbrios sempre existirão. Lógico que quando você entra numa discussão de contratos imperfeitos e incompletos, sem fórmulas para revisão do contrato, inicialmente fica mais difícil. Um problema clássico de incompletude de contrato é quando existe um atraso de obra que impede a cobrança de pedágio, gerando frustração de receita para a concessionária. Mesmo reconhecendo o direito de reequilíbrio, pode ficar a dúvida se para o cálculo se deve usar a demanda verificada ou a projetada no contrato.  Mas, depois que se faz a primeira revisão, concorda-se na fórmula de reequilibrar, e esta passa a valer para as próximas negociações. Então, é importante estabelecer com clareza os parâmetros de cálculo. Com isso, a expectativa é que se reduzam eventuais discordâncias entre concedentes e concessionárias. Mas, como já disse, se falta o compromisso, por parte do governo, de respeitar o contrato, apoiar licenciamento ambiental, fazer revisão de reajuste tarifário, a concessionária puxa o freio.

Considera que, mesmo com as atuais negociações de regularização dos contratos, o histórico de atrasos possa interferir nos resultados esperados?

Veja, no caso do aeroporto de Pampulha, tivemos uma concorrência boa, com um ágio de 205%. Isso para um aeroporto que estava parado, sem investimento, cujo uso era mais para saúde e dos bombeiros. Há uma restrição imposta pelo Ministério da Infraestrutura para voos comerciais interestaduais, então optamos por fazer a concessão para explorar a aviação executiva. Amanhã ou depois, se voos comerciais forem permitidos, isso já está previsto em contrato.

Acreditamos no modelo, achamos que infraestrutura se desenvolve por meio de concessão e PPP. Costumo dizer que o tripé da infraestrutura é planejamento, regulação e gestão. Isso é o que tem orientado nossa atuação, e consideramos que assim atrairemos o investimento privado.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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