“Rápida resposta ao impacto da Covid no setor elétrico demonstra maturidade do setor”

Romário Batista, pesquisador do FGV Ceri

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

As restrições à circulação determinadas para a contenção da pandemia impactaram diversos serviços públicos concessionados, alguns dos quais ainda não equacionaram uma compensação pelas perdas referentes à queda de demanda. Entre estes, está o caso do transporte público urbano. De acordo à Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), a queda na demanda de passageiros pagantes entre março de 2020 e junho de 2021 resultou em um prejuízo de mais de R$ 16,7 bilhões para o setor.

Na outra ponta desses serviços está o exemplo do setor elétrico que, na avaliação de Romário Batista, ex-secretário de Parcerias em Energia, Petróleo, Gás e Mineração da Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimento (PPI) do Ministério da Economia, demonstrou tempestividade na busca por soluções, fruto da musculatura que essa indústria vem ganhando na gestão de seus contratos e outorgas.  “Hoje é possível reconhecer que, por sua estrutura e maturidade, o setor rapidamente se moveu e conseguiu garantir receita, enquanto a atividade estava em suspenso”, afirma Batista, que hoje atua como pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura (FGV Ceri).

A solução foi dada com a criação da Conta-Covid, através da MP 950, de abril de 2020, que garantiu uma operação financeira de R$ 15,3 bilhões para que as distribuidoras pudessem honrar seus contratos de energia junto às geradoras, mitigando o impacto financeiro com a redução de consumo e o aumento da inadimplência. “As receitas obtidas pelas distribuidoras são o pulmão do setor, pois é essa arrecadação que é redistribuída para os demais segmentos – por isso a importância de se preservar esse fluxo”, explica Batista.

O pesquisador lembra que a Conta-Covid foi inspirada em uma solução  anterior, a Conta ACR, adotada em 2014 para fazer frente aos aumentos de custo e de exposição contratual provocados pela MP 579.  A MP, de 2012, visou à renovação antecipada de concessões de geração e transmissão em troca de tarifas mais baratas de energia. “A princípio, não traria maior impacto para a distribuição – talvez até pudesse ter efeito positivo, com redução de inadimplência. Mas foi uma ideia engenhosa executada na forma e tempo errados”, define Batista, lembrando que a medida chegou no início de uma crise hídrica, dando um sinal de preços oposto ao adequado quando se precisa economizar energia. Para evitar um tarifaço, então, organizou-se então uma operação de socorro da qual participaram 13 bancos, com amortização dos financiamentos que durou até 2019.

Diogo Lisbona, também pesquisador do FGV Ceri, pondera, entretanto, que os arranjos observados no setor elétrico têm garantido o equilíbrio financeiros das operações pesando cada vez mais no bolso do consumidor. Este ano, em que a crise hídrica levou à criação de uma bandeira adicional para bancar o preço da geração termelétrica, a Conta-Covid também colaborou para a alta de preços da energia– somados, os reajustes de energia elétrica e gás nos 12 meses encerrados em novembro chegaram a 29,82% –, embutida nos reajustes aplicados pelas concessionárias. “Seria importante revisar a matriz de risco como um todo, para se obter mais flexibilidade e arranjos que não onerem tanto o consumidor final”, diz Lisbona. Recado que a diretora do Ceri, Joisa Dutra, também defendeu, no ano passado, em artigo da revista Conjuntura Econômica.

Batista cita outras medidas, que, ao longo dos anos, foram fortalecendo a capacidade do setor em equilibrar suas operações. Entre eles, as negociações com as representações de seguradoras para se garantir a execução das garantias apresentadas em contrato em caso de inadimplência, bem como mecanismos de incentivo à antecipação de prazos de conclusão de obras. “Há uma série de procedimentos que foram evoluindo e que hoje reduzem a discricionariedade no setor”, diz. Para ele, a evolução dessa maturidade agora estará concentrada no aumento da liberalização do mercado. “Hoje, cerca de 30% do mercado de energia é de livre comercialização. E como se deram as questões de reequilíbrio durante a pandemia? Através de negociações bilaterais, onde não houve problema, contribuindo para o enfrentamento da crise”, diz, reforçando a avaliação de um setor fortalecido. “O mercado reconhece isso. Tivemos leilões de transmissão ás vésperas de um impeachment, em 2016, com deságio médio de mais de 50%. Crises acontecem; a questão é como geri-las. E no setor elétrico temos exemplos de gestões muito eficientes para mostrar.”

 


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