“A questão não é quem vai ser o presidente da Câmara, mas o que será o governo em 2021 e 2022”

Felipe Rigoni, deputado federal (PSB-ES)

Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Frente à grave situação de Manaus, bem como às indefinições quanto à vacinação, o Congresso não deveria suspender o recesso e ter uma ação mais categórica?

Concordo que o Legislativo está se omitindo em relação ao que aconteceu com as vacinas. Em relação ao ano passado, acho que fomos não só muito produtivos, como tudo o que foi necessário para a pandemia aprovamos com muita rapidez. Quanto às vacinas, eu tanto concordo com que houve uma omissão do Legislativo que assinei, junto com o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) um requerimento de convocação do Congresso Nacional, justamente para a gente tratar deste assunto em específico, que é um plano de vacinação em massa no Brasil, que está muito malfeito.

Quando o parlamento entra em recesso, há também a possibilidade de chamar uma comissão temporária que pode representar o Congresso nesse período – a convocação da Comissão Representativa do Congresso Nacional foi solicitada por Rodrigo Maia (DEM-RJ) a Davi Alcolumbre (DEM-AP) dia 15/1. O Brasil podia ter começado a vacinação há 30 dias, e quanta gente poderia não ter morrido por conta disso. Mas ele não se planejou. Poderia estar com 70 milhões de doses da Pfizer, que foram oferecidas ao governo federal em agosto, já aplicadas ou aplicando. Com isso, poderíamos estar boa parte da população de risco vacinada.

A eleição à presidência da Câmara dos Deputados e do Senado tem sido vista por parte dos analistas com um divisor de águas. Há quem considere que uma vitória de Arthur Lira (PP-AL) na Câmara, que tem o apoio do presidente Bolsonaro, significaria a volta de pautas engavetadas, como as relativas a porte de armas, à questão fundiária, e à agenda de costumes. Identifica esse risco?

Ainda não tenho uma decisão sobre meu voto, até porque surgiram outros candidatos agora, e é importante avaliar como todo mundo está se colocando. Há uma disputa clara entre Baleia Rossi (MDB-SP) e Arthur Lira. Quanto à volta dessas pautas, acho difícil. Primeiro porque, pelo que conheço de Arthur Lira, ele não me parece ser pau mandado de ninguém, e não vai ser simplesmente um cara que toma ordens e obedece. Isso para mim é claro. Agora, com certeza existe um alinhamento mais forte com o governo. E, para mim, o governo nunca foi reformista, haverá pautas que com certeza não seriam as mais estratégicas. Dessas mencionadas, a única que considero que temos que enfrentar e resolver é a da questão fundiária. Tem que dar uma solução adequada para essa situação, porque é complicada. As restantes, acho difícil vir à tona.

Por outro lado, Baleia Rossi me parece ter compromisso com as reformas e com o controle democrático do país, que considero extremamente importante. Não tive essa conversa com o Arthur, mas tive com o Baleia, de que acho que não dá para a gente aturar coisas que não são aturáveis de um chefe de poder. Como é o caso dessa negligência em relação às vacinas. Estou assinando o segundo pedido de CPI sobre esse tema. Tem que ter uma CPI sobre isso, assim como sobre o que aconteceu em Manaus. O fato é que essa disputa está disputada, e só saberemos mesmo o resultado no dia 2.

Em entrevista à Conjuntura Econômica, o cientista político Jairo Nicolau (FGV/ CPDOC) afirmou que o presidente só será derrotado em 2022 se houver um acordo político amplo de centro. Acha que há condições de se articular esse nome de consenso?

Acho que Bolsonaro é um intervalo na história brasileira, e espero que seja breve. Tem muita gente de que gosto e me apoia que adora o Bolsonaro. Mas ele é ruim. Falo não no sentido de ser uma pessoa má – o que talvez ele também seja, mas não posso dizer porque não o conheço pessoalmente –, mas é ruim de competência mesmo. Ele não consegue liderar um governo. Só tem dois ministérios que funcionam, que são o da Infraestrutura e o da Agricultura, e funcionam muito bem, para ser sincero. Mas o resto não funciona. Veja o que está acontecendo na Saúde, na Educação. O Enem foi um fiasco. Entre várias outras coisas que estão acontecendo por aí. Ele não está sabendo liderar um Executivo para enfrentar os desafios do Brasil. Fora toda a polarização, fruto das coisas que ele faz e fala, que é muito ruim. Acho que será preciso ter essa união que o Jairo Nicolau mencionou. Se está acontecendo esse movimento, todo mundo se conversa, no fim das contas, porque não há como não fazê-lo. Você precisa de forças políticas de relevância para conseguir enfrentar um cara também relevante como o Bolsonaro. Agora, se vai ter esse nome ou não é muito difícil dizer. Tem vários candidatos possíveis, uns que abrem mão, outros não. Mas tudo vai depender se a gente consegue um programa que todos concordem, e que seja um outro meio de transição, para melhor, para um país mais crente na ciência, e mais civilizado. De qualquer forma, esse movimento sempre existe.

Pensando que ainda estamos enfrentando uma pandemia, e que no segundo semestre já começa uma contagem regressiva para as eleições de 2022, é possível contar com a aprovação de reformas estruturais este ano?

Isso é um dos grandes fatores que vai definir meu voto à presidência da Câmara. Acho que são três as principais reformas estruturantes: a tributária, a administrativa e a dos gastos obrigatórios. Neste último caso, há vários caminhos – a PEC Emergencial, a do Pacto Federativo –, que no fim das contas convergem a uma reforma de gastos obrigatórios do Governo Federal. As três são muito difíceis de serem enfrentadas, cada uma por razões diferentes. Acho que, independentemente de quem lidere a Câmara e o Senado, a tributária vai, pois considero a mais consensuada. A grande questão é de mérito. Todos querem uma reforma tributária, mas cada um quer uma reforma tributária diferente. Eu sou a favor da PEC 45, com pequenas mudanças. O governo não é. Se conseguirmos vota-la, será maravilhoso. Vamos ver. De qualquer forma, acho que há grandes chances de se votar alguma reforma tributária.

Considera que, se a votação se limitar à unificação dos impostos sobre o consumo da esfera federal, como defende o governo, já se abriria caminho para uma mudança gradual do sistema?

O grande problema do nosso sistema é que ele é horrível. Sou da opinião que ou se muda tudo de uma vez, ou nunca muda. Porque cada cordinha que você puxa aperta uma área diferente. Então, o correto é refazer a teia. Daria para optar pelo gradualismo? Daria, se o governo tivesse uma coordenação muito clara, com todas as propostas na mesa. Mas ele não tem. E sem coordenação do governo, é muito difícil que uma reforma gradual dê certo no final. Por isso acho que tem que mudar de uma vez, especialmente a tributação sobre o consumo. Aí depois se encaixa renda, patrimônio, folha, tudo mais.

O senhor chegou a conversar com o deputado Arthur Lira sobre a reforma tributária?

Sim. Com ele e com o Baleia. Acho que todos farão um esforço grande para pautar a reforma tributária, talvez cada um com um mérito diferente. Quanto à reforma administrativa e a de gastos obrigatórios, aí acho que é uma questão para além do presidente da Câmara. Ou o governo encampa 100% ou não anda. A reforma de gastos obrigatórios mexe com desindexação, desvinculação, redução de subsídios tributários, talvez redução de salários, redução temporária de proventos de servidor. Isso não se faz sem o governo comprar a ideia. No caso da administrativa é a mesma coisa, mesmo que só mude para os futuros servidores. A questão aqui não é quem vai ser o presidente da Câmara, mas o que vai ser o governo durante 2021 e 2022. Se o governo quiser, seja com Baleia, seja com Arthur, dará certo.

Além da reforma tributária, que outras pautas estão entre suas prioridades?

Divido o meu mandato em vários eixos, que acabam se concretizando nas grandes reformas. Há uma série de mudanças que precisamos fazer para a competitividade econômica. Aí entra a questão do marco do saneamento, que a gente fez, da Lei do Gás, que a gente fez, acho que o marco de ferrovias precisa andar no Senado e a gente precisa andar com ele na Câmara, bem como a questão do marco legal de transporte interestadual, que veio para a Câmara agora. Também tem toda uma pauta de melhoria regulatória que se iniciou com a Lei de Liberdade Econômica, mas que restam algumas etapas a se fazer. A próxima tem que ser PL 4888, de regramento regulatório, dos deputados Eduardo Cury (PSDB-SP) e Alessandro Molon (PSB-RJ). Tem o marco legal do setor elétrico, temos que fazer um novo marco legal para o setor de mineração que o presidente Temer tentou fazer mas caiu, parece que as mineradoras não gostaram. Tem muitas coisas que a gente tem que fazer nesse campo regulatório, que vão dar mais clareza, liberdade e competitividade para a economia. Isso é uma das coisas em que eu mais vou focar.

Naturalmente, também precisamos trabalhar em um programa de proteção social, ou mais de um. Obviamente não vai ter como fazer auxílio emergencial, porque o Brasil não aguenta pagar. Mas a gente pode seguir o modelo da Agenda para o Desenvolvimento Social (pacote de projetos lançado no final de 2019 por um grupo de parlamentares liderado por Rigoni e pela deputada Tábata Amaral (PDT-SP), ou o da Lei de Responsabilidade Social, inspirada no projeto desenvolvido pelo Centro de Debates de Políticas Públicas CDPP (que tem entre seus autores os pesquisadores do FGV IBRE Fernando Veloso e Vinícius Botelho). Em ambos os casos, são propostas que vão além da simples transferência de renda. Mas temos que tocar isso agora, e tem que ser urgente. Faz do tamanho que dá, e a partir do momento em que conseguirmos uma reforma de gastos obrigatórios, aumentamos o programa. Porque a fome não espera.

E, obviamente, temos toda a pauta de educação. Sou coordenador da Comissão Externa de Educação que avalia o MEC, e estamos entregando, junto com a Frente Parlamentar Mista da Educação, da qual também faço parte, uma carta para todos os candidatos à presidência da Câmara e do Senado, colocando quais são os projetos que a educação precisa votar nesses próximos dois anos.

A educação é de particular preocupação dos pesquisadores do IBRE vinculados ao Observatório da Produtividade,  já que uma das razões da baixa produtividade da economia brasileira é a qualidade da formação das crianças e jovens, que com a pandemia tende a ser ainda mais prejudicada...

Sim. Aqui acho que vale reforçar alguns pontos. Uma das maiores conquistas que temos é o Novo Fundeb. Refiro-me a um pedaço dele, preconizado por mim e pela Tábata Amaral, pelo qual lutei muito para que se mantivesse intacto na regulamentação, com sucesso. Esse pedaço é o Valor Aluno/Ano Resultado (VAAR). Ele prevê um repasse maior para aqueles gestores, prefeitos ou governadores, que conseguem evoluir em indicadores de atendimento e aprendizado, com redução de desigualdade de aprendizado. Com isso, estamos buscando elevar o piso da educação, ou seja, melhorando não só a média geral, mas também o desempenho de quem está mais embaixo. Isso para mim terá um efeito engrandecedor, daqui três ou quatro anos.

Além disso, tratamos de um dos eixos que mais se conecta com produtividade, que é o da educação profissional e técnica. Para mim, é um dos maiores erros do Brasil em termos econômicos e sociais não ter a educação profissional e técnica avançada. Sobre isso temos dois projetos de lei, um que corrige distorções e outro que cria um novo estatuto do aprendiz – cuja característica central é permitir que a educação profissional e técnica seja feita dentro da empresa, conectada ao aprendiz. Aí o jovem sai do ensino médio já tendo trabalhado por dois, três anos, com capacidade de ter uma profissão vinculada à demanda local. Pois uma problemática que a gente tem no Brasil é que você oferece um curso de mecatrônica no interior do país onde não tem nada da mecatrônica, mas tem agricultura. Então, buscamos algo bem conectado com a demanda local.

Além de uma maior demanda por proteção social, também precisaremos de recursos para atender à saúde, ao programa de imunização. O orçamento, entretanto, é limitado. Considera viável a manutenção do teto de gastos este ano?

Claro. Mas não é fácil, e essa é a questão. Tem muita gente que fala: “Vamos revisar o teto, colocar inflação mais metade do crescimento do PIB”. Não vai adiantar. Porque os gastos obrigatórios crescem mais rápido do que isso. Mesmo se eu fizesse uma regra diferente, não teria o espaço que as pessoas consideram que vai dar. E tem outro problema, que para mim é o maior de todos, e que já está acontecendo: o dólar está a R$ 5,30, chegou a R$ 5,50 esses dias, a inflação está alta por conta da incerteza econômica. E se chegarmos num ponto em que a inflação bata 6%, 8%, 10% de novo, não adianta fazer programa social, pois vai corroer o poder de compra da pessoa. O Bolsa Família só foi possível porque a gente tinha uma moeda estável. Se fosse lá no início dos anos 1990, quando tinha aquela inflação maluca, não adiantava ter Bolsa Família, porque de um dia para o outro o dinheiro perdia valor. Então, precisamos fazer as duas coisas juntas, harmonizadas: reformas estruturantes, e melhoria dos programas sociais. É por isso que fico tão angustiado com essa parada por conta do recesso. Temos que discutir isso logo, para ter espaço orçamentário. Se a gente aprova o orçamento, vamos supor em março, sem ter aprovado uma PEC de redução de gastos, o programa social vai ter um tamanho possível. Se aprovarmos o orçamento já com uma PEC de redução de gastos, vai ter outro tamanho, e vai ser naturalmente melhor para o Brasil. Mas para mim não existe possibilidade de rever o teto neste momento. Porque o problema não é o teto, e as pessoas têm que entender isso. O teto é só um indicador que se utilizou para travar o gasto. O problema é que os gastos obrigatórios no Brasil crescem enlouquecidamente e, com exceção da reforma da Previdência, não se está fazendo nada para mudar isso.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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