“Programa de concessões do governo é corretamente ambicioso, e vai além do mês de abril”

Claudio Frischtak, presidente da Consultoria Inter.B

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Como avalia a série de leilões que o governo federal lidera esta semana? (o resultado do primeiro leilão, anunciado depois da realização desta entrevista, foi a concessão de 22 terminais aeroportuários, que renderam R$ 3,3 bilhões em pagamentos de outorga)

Temos um programa corretamente ambicioso, pois necessitamos disso, e que vai muito além do mês de abril. Temos um excesso de demanda por investimento em infraestrutura, e nos últimos 20 anos o país investiu relativamente pouco, em torno de 2% do PIB na média anual, quando precisaria investir entre 4% e 5%. Nos últimos anos, esse investimento foi ainda menor, em torno de 1,8% do PIB. A possibilidade de que o setor público possa preencher parte considerável dessa brecha é muito baixa. Hoje, em realidade, é praticamente nula, pois entramos na pandemia já fragilizados do ponto de vista fiscal, e no ano que vem deveremos sair dela em condições ainda piores. Então, o espaço para investimento público em infraestrutura é muito limitado, o que nos imprime a necessidade de mobilizar recursos privados para investir em diversos segmentos, pois não há nenhum que esteja bem.

Especificamente no setor de transportes, que é a grande ênfase dos leilões desta semana, investimos algo em torno de 0,6% do PIB ao ano, quando deveríamos estar investindo 2%. São três vezes menos. Portanto, a lógica dos leilões é incontestável, para todos os segmentos: aeroportos, ferrovias, rodovias, portos, mobilidade urbana. E como nos posicionamos para segui-la? De um lado, temos experiências positivas como a das rodovias. Se unimos as esferas estadual e federal, temos o programa de concessões rodoviárias maior do mundo, o que é fantástico. De outro lado, entretanto, vivemos um ambiente macroeconômico de alta incerteza e fragilidade fiscal, pois até agora não temos um programa consistente que sinalize que o Brasil não chegará ao ponto de insolvência nos próximos anos. Além de uma incerteza política aguçada pela má condução da pandemia, levando a consequências dramáticas para a população brasileira. Isso gera uma crise de imagem e de reputação de primeira grandeza em nosso país que conspira contra o lado positivo que temos a mostrar.

De qualquer forma, os leilões são extremamente importantes, e hoje apresentam modelagens bem-feitas. No caso dos aeroportos, por exemplo, a intenção de reduzir barreiras de entrada eliminando a exigência de que os operadores dos terminais façam parte do consórcio concorrente foi positiva. Temos que desmistificar temas como esse. O conhecimento de operação se pode adquirir no mercado. E ninguém entra em um negócio para queimar dinheiro. Pode já ter entrado para queimar dinheiro do governo, ou ter perdido dinheiro por erro de cálculo. Mas o que vejo hoje são investidores sérios, fazendo conta no centavo.

A Infra Week poderá iniciar um ciclo positivo para a atração de investimentos?

Como disse, é necessário fazê-lo. E o programa de privatização, de concessões, não envolve apenas o setor de transportes, ainda que seja um setor relevante. Temos que lembrar de outro setor importante, que é o de saneamento básico. A aprovação do novo marco legal, com a sustentação no Congresso dos vetos tecnicamente corretos do presidente Jair Bolsonaro (entre eles, a permissão de prorrogar por 30 anos contratos com empresas estaduais fechados sem licitação) é um alento muito grande ao setor e aguçou o interesse dos agentes privados.

Espero que não haja obstáculos ao leilão da Cedae, marcado para o dia 30 (hoje, 8/4, está prevista a votação, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, de um projeto para adiar esse leilão). É um processo extremamente importante para o estado, para o bem-estar da população, que hoje infelizmente é muito mal servida pela empresa. Prevê investimentos de R$ 30 bilhões, mais uma outorga de R$ 10,6 bilhões para o governo estadual e os municípios. E para o qual o BNDES teve um papel essencial. Eu, como carioca e fluminense, estou torcendo para que seja um processo bem-sucedido.

O que falta para a regulamentação do marco do saneamento?

O ministro do Desenvolvimento Regional mencionou que o decreto do Executivo seria apresentado 20 dias após a votação dos vetos (que ocorreu em 17 de março), então deve estar para sair. Esse decreto definirá as condições, requisitos econômico-financeiros que as empresas deverão apresentar para comprovar que podem cumprir com as metas de universalização de água e esgoto até 2033. As empresas que não conseguirem demonstrá-lo terão que abrir mão de seus contratos de concessão.

Outro aspecto regulatório que é chave nesse processo é o que está por ser apresentado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). A Ana terá um papel muito importante nos próximos meses, e anos, porque é dela que virão as normas de caráter universal, e como se dará a interlocução com as demais agências de saneamento, especialmente estaduais, para garantir a integridade regulatória do setor. Então, temos um caminho a ser percorrido.

Hoje (8/4) será a vez do leilão do trecho da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), entre Ilhéus e Caetité, na Bahia. Em março, outro projeto, o Ferrogrão, que liga o Mato Grosso ao Pará, foi suspenso pelo ministro do Supremo Alexandre Moraes, por questões ambientais. Considera que esse episódio possa comprometer o resultado da Fiol?

No caso da Fiol, o mais provável é que haja apenas um competidor. Que seria o consórcio liderado pela brasileira Bamin, produtora de minério de ferro. É uma outorga relativamente pequena, de R$ 37,2 milhões, mas tem investimentos significativos, estimados pelo governo em R$ 3,3 bilhões. É possível que o projeto enfrente obstáculos de natureza ambiental, certa resistência de grupos da sociedade civil, e não sei como isso poderá ser equacionado.

Mas cada caso é um. Quanto à Ferrogrão, já expressei em artigo do jornal Valor Econômico (acesso restrito a assinantes), que é um projeto que, conforme foi apresentado, não fica em pé do ponto de vista econômico-financeiro. Não tem valores de Capex que sejam confiáveis, e foi submetido ao Tribunal de Contas da União (TCU) com números pouco críveis. Como cidadão, analista, considero que foi um erro submeter um projeto dessa complexidade com tantos problemas inerentes ao desenho e números que na minha perspectiva têm baixa credibilidade. No caso da decisão do Supremo, é uma decisão técnico-jurídica, sobre a qual não tenho condição de opinar. Mas existe um trabalho do Climate Policy Initiative (CPI), da PUC-Rio que aponta que o projeto também tem problemas socioambientais. Pela minha perspectiva, digo que esse projeto andou mais por inércia do que por méritos. 

Cabe aqui esclarecer um ponto. Não tenho a menor dúvida de que a região Centro-Oeste necessita de investimentos em infraestrutura logística. E que todos os modais, seja ferrovia, hidrovia, são extremamente relevantes, dentro de uma solução logística integrada. A questão é que a Ferrogrão não é uma solução boa. Veja o que ocorreu com a BR163 (paralela ao traçado da Ferrogrão). O governo decidiu licitá-la, o que é correto, mas o fez num prazo de dez anos, com extensão de dois anos, quando uma rodovia como essa deveria ser concessionada por um prazo de ao menos 25 anos. E por quê? Para não competir com a Ferrogrão, quando esta estiver pronta. Isso é uma distorção. Se a Ferrogrão não se sustenta com competição rodoviária, então não é viável. Enviesar uma licitação rodoviária não faz sentido algum.

Acho que a melhor alternativa – que já expressei ao Ministério da Infraestrutura – é tornar a BR163 um projeto modelo do ponto de vista socioambiental, com apoio de instituições internacionais de primeira linha como BID, IFC. Um projeto que tenha uma dimensão de caráter de fronteira, no sentido de melhor prática. E isso é perfeitamente possível. É uma rodovia que já está construída, asfaltada. Basta melhorar sua qualidade.

Ainda se tratando do Centro-Oeste, vale mencionar a excelente solução dada para a Fico (Ferrovia de Integração do Centro-Oeste, entre Mara Rosa, em Goiás, e Água Boa, no Mato Grosso). Foi um arranjo muito criativo, de pegar parte da outorga paga pela Vale (na prorrogação dos contratos de concessão da Estrada de Ferro Vitória-Minas e da Estrada de Ferro Carajás, em 2020) e negociar seu investimento na construção da Fico, que depois será licitada. Não sabemos quem ganhará essa licitação no futuro, mas pelo menos a execução do investimento foi feita por uma empresa de primeiro nível, com enorme experiência em executar projetos ferroviários.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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