Previdência dos militares: gaúchos avançam na reforma

Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Na semana passada, o governo do Rio Grande do Sul conseguiu avançar em sua lista de reformas para o ajuste fiscal, aprovando o projeto que altera a previdência dos militares do estado. A reforma focou-se na ampliação da base de cálculo e fixação de alíquotas progressivas. Com essa mudança, o governo espera ampliar a arrecadação anual em R$ 200 milhões, mitigando parte do desequilíbrio no financiamento da aposentadoria do funcionalismo.

O texto aprovado prevê a adoção de alíquotas que variam de 7,5% (alíquota nominal para ativos que recebem até um salário mínimo) a 22% (alíquota nominal para ativos e inativos com salários acima de R$ 42,9 mil).  “Pela tabela progressiva que passa a vigorar, que é exatamente igual aos civis, boa parte dos servidores ativos (96%) contribuirá com uma alíquota efetiva inferior a 14%, que é a atualmente vigente. Assim, como um todo, há redução das contribuições dos ativos, mas isso é amplamente compensado pelo aumento das contribuições dos inativos”, diz Marco Aurélio Cardoso, secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul. Ele explica que, atualmente, entre os inativos os 14% são cobrados somente sobre os rendimentos que excedem o teto do INSS (R$ 6.433,57), enquanto a nova tabela progressiva incidirá sobre todos os rendimentos acima do salário mínimo (R$ 1.100). “Por isso, a exemplo dos civis, o resultado será de redução do déficit previdenciário pelo aumento das receitas de contribuição totais, ainda que com menor participação dos ativos”, diz.

Essa reforma já tinha sido apresentada à assembleia legislativa gaúcha em 2019, mas na época foi considerada inconstitucional. No ano passado, entretanto, o estado conseguiu parecer favorável do Supremo Tribunal Federal à competência estadual para fixação da alíquota de contribuição previdenciária dos militares. Isso possibilitou ao estado aumentar a alíquota dos militares para 14% – ante os 9,5% definido pela reforma federal –, posteriormente pleiteada também por Mato Grosso e Ceará. “Graças a esse reconhecimento, conseguimos agora aprovar nossa reforma – lembrando que foram mantidas integralmente as condições para concessão da aposentadoria aos militares, como a paridade, integralidade, não observância de idade mínima e os tempos de contribuição iguais às Forças Armadas”, diz Cardoso.

No Rio Grande do Sul, os militares – leia-se brigada militar e bombeiros – representam 16% do total de servidores inativos e pensionistas do estado. Suas despesas, entretanto, somam 30% do total. Em 2020, foram de R$ 5,2 bilhões, contra R$ 11,8 bilhões dos civis. Vilma Pinto, pesquisadora licenciada do FGV IBRE, destaca a relação negativa de inativos e pensionistas por ativo registrada no estado em relação à média brasileira. “Entre todos os estados, os servidores ativos representam 57,3% do total, contra 29% de aposentados e 13,7% de pensionistas. No Rio Grande do Sul, aposentados e pensionistas já superam a proporção de ativos”, diz. “De qualquer forma, considero que a medida gaúcha pode criar um impulso para reformas em outros estados, principalmente naqueles que estejam em situação fiscal mais fragilizada. Mas é importante ponderar que outros fatores devem ser levados em consideração – estados são diferentes, com necessidades e questões políticas diferentes”, diz.

Levantamento realizado pelo Ipea com dados de 2016 reitera o levantamento de Vilma, apontando que essa relação de dependência no Rio Grande do Sul é, disparada, maior que a dos demais estados. O pesquisador do Ipea Claudio Hamilton dos Santos destaca, entretanto, que desde 2015 observa-se um aumento de pedido de aposentadorias entre servidores em todo o país. O que, no caso dos militares estaduais, fez com que a despesa com inativos passasse a superar o gasto com ativos a partir de 2017. “O caso dos servidores militares é o exemplo extremo de uma situação extrema”, diz. Ele lembra que esses servidores costumam iniciar a carreira jovens e não têm idade mínima para aposentar. “O aumento do tempo de serviço previsto na reforma de 2019, de 30 para 35 anos, significa dizer que agora deverão se aposentar com 54, 53 anos. Ainda é uma idade baixa. E isso só vale para as pessoas que entraram no serviço militar a partir da reforma. As que já estavam na ativa devem pagar um pedágio de 17% – o que mitiga parte do problema, mas não o sana”, diz. No estudo realizado por Santos e mais dois pesquisadores do Ipea, a medida do pedágio de 17% somada à mudança na idade mínima de serviço e na idade expulsória poderá significar um impacto de R$ 29 bilhões em dez anos.

Gasto com servidores militares no Brasil (2006-2020)
Em R$ bilhões de fev/2021

Fonte: Siconfi. Elaboração Claudio Hamilton dos Santos – Ipea.

Santos aponta que a realidade do Rio Grande do Sul hoje é espelho para os demais estados, que deverão registrar forte crescimento da despesa com inativos militares. “A crise das finanças públicas desses entes está longe de acabar, então vejo com naturalidade que eles busquem arrumar o lado da receita. Não me surpreenderia que outros entes sigam na mesma direção.” Mas o pesquisador do Ipea alerta que conter essa despesa não passa somente por controlar alíquotas, e sim em equilibrar a pressão por aumento salarial dos ativos, em um sistema que garante paridade aos inativos. Levantamento da Associação de Cabos e Soldados da Política Militar do Estado de São Paulo em 2019 demonstrou uma expressiva diferença no salário inicial de policiais militares em cada estado. Entre os mais altos estavam os de Goiás (R$ 5,7 mil) e Distrito Federal (R$ 5,2 mil); no extremo oposto estavam Pernambuco, com R$ 2,8 mil, e Espírito Santo, com R$ 2,7 mil. Em São Paulo e Rio de Janeiro esses valores eram, respectivamente, de R$ 3,1 mil e R$ 3,4 mil.

Ajuste e pandemia

No Rio Grande do Sul, a reforma da previdência dos militares do estado se somou a outros projetos considerados importantes pelo governo para o prosseguimento do ajuste fiscal, “em especial por incluírem a atualização da lei estadual do Regime de Recuperação Fiscal, medida imprescindível para a sustentabilidade da dívida pública, e a atualização da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2021, atualizando as metas fiscais à luz da trajetória econômica desde sua proposição em 2020”, enumera Cardoso. “A rápida aprovação pela Assembleia de todos os sete projetos indica a qualidade do diálogo que os Poderes do Estado têm mantido ao longo da atual gestão.”

O secretário ressalta a importância desse avanço especialmente frente aos desafios que a pandemia ainda traz para a economia em 2021. “A arrecadação nos primeiros dois meses do ano cresceu em média 3% real sobre 2020, mas, a partir de março, com o agravamento da pandemia e as necessárias restrições de movimentação, já se identifica reversão desse crescimento. O governo já anunciou alguns adiamentos do vencimento do ICMS para o comércio não essencial e para as empresas do Simples ao longo dos próximos três meses, dentro do fôlego financeiro fruto do ajuste fiscal feito pelo Estado”, afirma.

Razão de dependência
Inativos e pensionistas militares estaduais para cada ativo

Fonte: Secretaria da Previdência, dados de 2016. Elaborado pelo Ipea.

 

Gastos com  pessoal militar, por estado
Dados a preços de fevereiro de 2021

Fonte: Siconfi. Elaboração Claudio Hamilton dos Santos – Ipea.

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