“Precisamos priorizar a educação com ações práticas”

Renan Ferreirinha, secretário Municipal de Educação do Rio de Janeiro

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Hoje a Secretaria Municipal de Educação do Rio conta com 97,5% da rede com ensino presencial. Qual seu balanço do processo de organização do sistema até aqui?

Temos a maior rede municipal de ensino da América Latina em número de escolas. São 1.543, que este ano englobam 644 mil alunos e 53 mil profissionais da educação, dos quais 39 mil são professores. Assim que assumimos, em janeiro, começamos a elaborar um grande plano de volta às aulas, tanto presenciais quanto remotas, pois precisamos reconhecer que hoje a realidade é híbrida. Então, organizamos a oferta de mais de 10 horas de aulas diárias pela TV (no canal TV Escola), atividades pelo aplicativo Rio Educa em Casa, e apostilas impressas. No caso do aplicativo, disponibilizamos acesso gratuito à internet para a rede de alunos e professores. A partir do momento que estes entram no Rio Educa em Casa, com seu login e senha, o uso de dados de internet passa a ser bancado pela Prefeitura.

Para a volta do ensino presencial, o primeiro passo foi desenvolver junto à Secretaria da Saúde um protocolo sanitário e outro de contingência – prevendo as situações que poderiam ocorrer –, tendo como referência os principais documentos norteadores da Unicef, Unesco, estudos de universidades ao redor do mundo, bem como a experiência dos países que já tinham retornado com as aulas. E validamos esse plano com um comitê científico da prefeitura, formado por especialistas de diferentes instituições, que vem assessorando o governo em todas as decisões relacionadas à pandemia. Conseguimos fazer esse processo de validação no final de janeiro, e começamos a retomada das aulas presenciais em 24 de fevereiro, depois de quase um ano de escolas fechadas. Começamos com 38 escolas. Tivemos uma decisão judicial que nos colocou dificuldades por uma semana, mas isso foi vencido.  Hoje temos 1.502 unidades funcionando com aulas presenciais. Temos urgência com a educação, mas não abrimos mão da responsabilidade que se requer neste momento de pandemia. Estamos trabalhando para que ainda, em junho, passemos a 98% de escolas abertas, e aí ficariam faltando cerca de 20 escolas, que estão sendo adaptadas, para que tenhamos funcionamento presencial pleno. Para que sejam liberadas, todas as escolas passam por um checklist de infraestrutura que vai desde  condições de ventilação, dispensadores de álcool gel e adequações nas salas de aula e no refeitório, à retomada de serviços essenciais como o de internet – que quando assumimos estava suspenso em toda a rede, por falta de pagamento –, de limpeza e alimentação.

Que percentual das classes pode participar de cada aula presencial?

Essa medida não é feita por percentual, mas pelo que o distanciamento das carteiras e o tamanho que cada sala permite. Até o começo de junho, essa distância era de 1,5 metro. Agora, a OMS já alterou essa recomendação para 1 metro. Dessa forma, em classes em que já havia procura grande pela aula presencial, e que tivemos que dividir em três ou quatro grupamentos, agora poderemos garantir que a divisão máxima seja em dois grupamentos.

Como tem sido a adesão dos alunos às aulas presenciais?

Buscamos consultar os pais ao menos a cada bimestre, e em nossa última consulta – ainda em um período de mais restrições à circulação – o interesse pelas aulas presenciais chegou a 78%. É uma procura significativa que tende a aumentar, com maior flexibilização das medidas de isolamento, e também porque a partir de junho passamos a ampliar os horários de aulas presenciais: de 3 para 4 horas nas escolas com dois turnos, faltando apenas meia hora para completar a carga horária original; e de 3 para 6 horas nas escolas de turno único, em que em condições normais os alunos ficariam 7 horas.

Quais as principais dificuldades que os professores têm expressado neste período de volta às aulas presenciais?

É preciso destacar a tragédia silenciosa que está acontecendo no Brasil não só do ponto de vista sanitário, mas pelo fato de as crianças não estarem recebendo a educação devida nesse período. Precisamos priorizar a educação com ações práticas, oferecendo as condições necessárias para isso. E, às vezes, fazendo escolhas difíceis. Aqui no Rio, todos os profissionais de educação já tiveram a opção de se vacinar, e graças a Deus os que não o fizeram são um número residual.

Entre os professores, os relatos desses meses são inúmeros. Tivemos situações muito tristes, como de crianças entrando na criminalidade, perdendo suas vidas por trilharem caminhos que certamente a frequência na escola ajudaria a evitar. Observo empiricamente, em minhas visitas às escolas, gravidez precoce de alunas do primário – estamos falando até o 5º ano, em torno dos 11 anos de idade. É uma situação difícil. Também nos preocupa a evasão escolar, atingindo uma faixa etária, de 6 a 10 anos de idade, em que a permanência na escola estava consolidada. Pesquisa da Unicef indica que, no Brasil, 40% da evasão escolar registrada nesse período de pandemia está nessa faixa etária. E isso acontece por diversas razões, entre as quais a necessidade da presença da família no apoio escolar quando o ensino é remoto. Outra questão a que temos nos focado é o retrocesso na aprendizagem. Para quem está perto do período da alfabetização, ele é grande. Por outro lado, é impressionante observar como em uma, duas semanas na escola, essas crianças dão um salto. O cérebro nessa idade é uma esponja, consegue multiplicar e evoluir de forma célere.

Como se tem tratado a programação curricular e a avaliação dos alunos?

De 2020 para este ano não houve repetição. Não entrarei no mérito dessa escolha, mas conceitualmente existe uma justificativa para isso, pois estamos vivendo um contínuo curricular. Então, trabalhamos como se fossem dois anos em um. Até porque é muito injusto você penalizar o aluno em 2020 por situações que lhe privaram do acesso ao conhecimento. Mas em 2021 temos que virar esse jogo. Quanto à avaliação, retomamos um tripé pedagógicode currículo, formação e avaliação. Voltamos a avaliar os alunos no final do bimestre, e fizemos uma atividade diagnóstica na rede que alcançou uma participação de 80%. Estamos no processo de tabulação, com ajuda da Fundação Caed, e pretendemos apresentar os resultados antes do recesso escolar, no bimestre considerando julho. Além disso, como nossas escolas foram retomando a atividade em momentos diferentes desde fevereiro, e todos os alunos foram automaticamente matriculados para este ano, consideramos que a partir do segundo semestre é que teremos mais clareza sobre frequência, para nos dedicar a uma busca ativa dos que abandonaram os estudos. A Unicef vem nos assessorando para isso.

Como vocês têm equacionado a operação do sistema – que envolve gastos com adequação de espaços, custo de internet para professores e alunos, alimentação – com as restrições fiscais do município?

Enquanto gestor público da educação, respondo sobre as decisões que estamos tomando sem esquecer que temos desafios históricos. Mas também temos metas ambiciosas, que serão divulgadas em breve com a divulgação do planejamento estratégico da Prefeitura. Veja, temos um parque de 1.543 unidades educacionais que precisam de um grande banho de loja, para deixá-las nas condições que nossos profissionais precisam, que as crianças necessitam para a aprendizagem, para que os pais entrem nas escolas e vejam coisas de primeira qualidade. Modéstia à parte, se entrar em um Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI), ou em uma de nossas creches, verá que são boas em termos de infraestrutura. Estamos focados em olhar que tipo de inovação podemos fazer, olhar para a parte mais tecnológica, mais digital, que complemente e assessore o trabalho dos professores, e em uma gestão voltada para resultados na aprendizagem.

A Secretaria já está discutindo a migração do Cartão Alimentação (R$ 54,25 mensais) para a volta plena dos refeitórios – o que, de acordo a dados da Prefeitura divulgados na mídia, reduziria o investimento nesse serviço de R$ 420 milhões ao ano para R$ 190 milhões. No caso do Programa Conectados, que garante o acesso à internet, pode-se esperar que seja de mais longo prazo?

Quanto à parte de alimentação escolar, temos defendido o serviço nas escolas de forma integral porque entendemos que é de extrema qualidade, pois o Rio é referência nesse campo. É uma política de Estado mantida pelos últimos governos. E falo isso por experiência própria, pois almoço pelo menos dois dias da semana nas escolas, onde às vezes chego de surpresa. Quanto ao Programa Conectados, trabalhamos em fases. A primeira situação que tínhamos que garantir era a da própria conexão,do acesso durante o uso do aplicativo para ensino remoto online. Nesse momento, quem paga pela internet que o aluno ou o professor estão consumindo somos nós. E a gente faz isso sem distribuir um chip sequer. Os custos com esse serviço são variáveis, porque se paga conforme o consumo dos alunos. Mas temos um orçamento que pode chegar a R$ 80 milhões ao ano.

Em um futuro próximo, esperamos atuar também na parte de equipamentos. Nesse ponto, acho que o melhor investimento é estruturar nossas escolas no que chamamos de ilhas de conexão. Pegar o famoso laboratório de informática e torná-lo muito mais útil, colocando um wi-fi de qualidade, máquinas boas, funcionando com a excelência necessária. Nossa meta de ilhas de conexão é bem arrojada, e contamos com parceiros para isso. Por exemplo, a Cidade das Artes vem nos ajudando. O Museu de Arte do Rio (MAR) é outro exemplo, de lugar que os alunos podem frequentar, se conectar e ter acesso à educação remota.

Consideram o ensino híbrido algo permanente no planejamento da educação pública daqui em diante?

Acho que o ensino híbrido veio para ficar. Para mim, nada substitui o que sabemos fazer, que é ensinar as crianças nas escolas, de forma presencial. Mas é preciso reconhecer que a parte remota tem muito a acrescentar, e precisamos fazer com que ela tenha efetividade – seja pela TV, seja pelo aplicativo ou qualquer outro canal remoto, oferecendo mais ferramentas.

A oferta de creches é um elemento fundamental para a inserção da mulher no mercado de trabalho. A Secretaria tem planos para expansão da rede?

O Rio é uma das capitais mais avançadas na cobertura de creches do Brasil. Temos hoje 60 mil crianças em creches da Prefeitura, outras 23 mil em creches conveniadas, mas ainda restam 22 mil vagas não atendidas. Ou seja, cerca de 20% da demanda. Queremos chegar o mais próximo possível dos 100%, seja com redes parcerias, seja na própria rede, para que as mães ganhem condições de mobilidade, trabalho, tendo a certeza que suas crianças estão em lugares seguros e de qualidade.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir