“PIB do segundo trimestre comparado ao último de 2019 ainda indica recuperação desigual. É preciso dosar otimismo”

Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A edição de julho do Boletim Macro do FGV IBRE vem com uma boa notícia: a atividade econômica segue dando sinais positivos, suficientes para que os pesquisadores do IBRE revisassem para cima a estimativa de crescimento do PIB em 2021, de 4,8% para 5,2%. De acordo ao Boletim, o aumento da mobilidade verificado no segundo trimestre, se aproximando ao nível pré-pandemia, possibilitou uma melhora das projeções para comércio e transportes, revertendo a expectativa de queda nesse trimestre, de 0,3% e 1,9% na comparação com o período anterior para, respectivamente, expansão de 0,3% e 1,9%. No agregado, entretanto, não houve mudança no resultado esperado para o segundo tri: de 0,1% ante o primeiro tri, e de 12,7% na comparação com o segundo trimestre de 2020, devido à revisão para baixo dos serviços públicos e a manutenção da expectativa de retração da indústria, de -1,8% em relação ao primeiro tri, entre outros fatores, pela alta de custos e dificuldade de obtenção de insumos.

“O avanço da vacinação e a redução do número de casos e mortes observado nas últimas semanas traz mais segurança para consumir e transitar mais, o que vai abrindo caminho para uma maior recuperação do setor de serviços”, diz Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE, lembrando que a estimativa para o agregado dos serviços para o segundo tri é de expansão de 0,9% em relação ao período anterior. A economista lembra, entretanto, que essa virada de semestre marca apenas o começo do processo de recalibragem do crescimento – em que se espera uma redução da demanda por bens duráveis e semiduráveis em detrimento do aumento do consumo de serviços, até então eclipsados pelas medidas de isolamento. “Ainda temos setores que se encontram muito aquém do nível de atividade observado no fim de 2019”, diz. No Boletim Macro os pesquisadores do IBRE citam o caso dos serviços prestados às famílias, que em maio ainda se encontravam 29,1% abaixo do nível pré-crise.

Em outra ilustração desse descompasso ainda presente, Silvia compara o crescimento setorial estimado para o segundo trimestre em relação ao último trimestre de 2019, com o verificado no primeiro tri. “No primeiro trimestre, o segmento de outros serviços registrava queda de 9,5% em relação ao quarto trimestre de 2019; no segundo tri, esse resultado melhorou, mais ainda timidamente, para uma retração de 8,8%”, diz. A mesma comparação corrobora a reação do setor de transporte ao aumento da mobilidade da população, com um resultado 4,6 pontos percentuais acima do verificado no primeiro trimestre, passando a superar o nível verificado no fim de 2019. Em contrapartida, setores como a indústria de transformação, que no primeiro trimestre do ano registraram um resultado 4,4% superior ao fim de 2019, perderam metade desse fôlego no segundo trimestre, registrando um resultado 2,2% acima do quarto tri do referido ano.

Crescimento em relação ao Quarto Trimestre de 2019


Fonte: FGV IBRE.

“Estamos no caminho da recuperação, mas ainda é preciso dosar tanto otimismo quanto pessimismo”, alerta Silvia. Os motivos são os frequentemente apontados pela coordenadora do Boletim: lenta recuperação do mercado de trabalho; tendência de piora no mercado de crédito, em contrapartida ao aumento do endividamento das famílias; e a pressão inflacionária. “Esse contexto poderá frear a recuperação da demanda – algo que as Sondagens do IBRE têm apontado, refletindo um consumidor ainda receoso e pouco confiante”, ressalta. Em recente conversa com o Blog da Conjuntura Econômica, Aloisio Campelo, superintendente de estatísticas do FGV IBRE, mostrou que a confiança do consumidor brasileiro não apenas fica atrás da empresarial como está significativamente abaixo da média mundial.

No campo da inflação, Silvia lembra que as estimativas atualizadas apontam um IPCA no fim de 2021 ao redor dos 7%. A prévia da inflação de julho divulgada na semana passada pelo IBGE (IPCA-15) mostra que, ainda que a energia elétrica tenha puxado boa parte da alta de 0,72%, os serviços já começam a registrar aceleração em 12 meses – o que pode sinalizar um início de recomposição de preços acompanhada da retomada das atividades –, e também há sinais de uma nova reação dos alimentos. “Caso esse cenário se confirme, veremos uma redução das diferenças entre a inflação da população de baixa renda – até agora mais afetada devido a uma cesta de consumo com mais peso em alimentos e menos em serviços, por exemplo – e a da alta renda não por bons motivos”, diz, indicando a tendência de uma nivelação em um nível alto.

Já para o mercado de trabalho, ainda que se espere uma melhora gradual do emprego, e com isso uma retomada mais consistente do consumo, Silvia lembra que a forma como se dará essa recuperação ainda traz muitas interrogações – não só no Brasil, mas no mundo. Ela cita recente estudo do Banco Mundial que aponta que os efeitos de crises econômicas no emprego e nos salários podem perdurar por até 9 anos, como já observado no Brasil. No Boletim Macro de julho, o pesquisador do FGV IBRE Paulo Peruchetti detalhou a evolução dos dados de mercado de trabalho no Brasil desde o início da pandemia, corroborando, entre outros dados, o maior impacto da crise sanitária em setores mais empregadores e com maior nível de informalidade. Peruchetti mostra que, nos setores de construção, transporte e outros serviços, a queda no nível de emprego esteve alinhada ao nível de atividade econômica registrado em 2020, com queda, respectivamente, de 7%, 9,2% e 12,1%. No caso do emprego informal, que em recessões anteriores foi o primeiro a reagir, Peruchetti aponta que em abril deste ano ele ainda se encontrava 10,2% abaixo do nível observado no período pré-pandemia, enquanto no emprego formal esse percentual era de 6,6%. Esse resultado corrobora a constatação de que, no choque sanitário, setores menos produtivos foram os mais atingidos em 2020, bem como as ocupações de escolaridade mais baixa – redução de 17,1% e 14,8%, respectivamente, nas ocupações de pessoas sem instrução a ensino fundamental incompleto e de ensino fundamental completo a médio incompleto, contra um aumento de 5,5% no emprego de pessoas com ensino superior completo. Tendência que poderá, em parte, persistir, dada a aceleração da digitalização de diversas atividades em função da pandemia, colocando mais um desafio para o mercado de trabalho brasileiro.

Taxa de crescimento da população ocupada e alocação setorial do emprego
Setores selecionados


Fonte: Elaborado por FGV IBRE com dados da PNAD Contínua (dados mensalizados).

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir