“PIB de 2020 diz pouco sobre o custo desse resultado e o fôlego curto da recuperação”

Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O resultado do PIB de 2020 divulgado pelo IBGE nesta quarta-feira (3/3), de -4,1%, confirma uma retração da atividade bem menor do que se esperava no segundo trimestre do ano passado, que concentrou as restrições mais duras no combate à pandemia. A herança desse saldo para 2021, entretanto, não é animadora. À exceção de um carregamento estatístico alto, de 3,6%, o custo fiscal desse resultado e a falta de planejamento para lidar com a persistência da crise sanitária deixaram a economia sem esteio, diz Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV IBRE. “Faltou gerenciamento para termos políticas engatilhadas para enfrentar reveses em 2021, tanto do ponto de vista fiscal quanto de saúde. Ambos deveriam andar juntos nessa crise, mas o que vemos são mundos desconectados”, afirma.

Sobre a atividade em 2020, além da forte recuperação da indústria que cresceu 1,9% no quarto trimestre em relação ao trimestre anterior e fechou 2020 com retração de 3,5%, Silvia destaca a reação de serviços no final do ano, com expansão de 2,7% do quarto trimestre na mesma comparação, fechando ao ano com queda de 4,5%. “O desempenho desse setor apresenta uma heterogeneidade muito grande, o que aponta a um cenário desafiador, especialmente com o agravamento da pandemia e as novas medidas de isolamento para conter o aumento do contágio”, diz Silvia, lembrando que na rubrica “outras atividades de serviços”, por exemplo, a queda no ano foi de 12,1%. “É uma situação complexa, especialmente se a comparamos a outras recessões, em que o setor estava entre os mais resilientes”, afirma. Esse resultado também se reflete no consumo das famílias, que retraiu 5,5%, indicando que a transferência de parte da demanda desse grupo ao segmento de bens não foi suficiente para compensar as restrições à oferta de serviços – que representam, em média, 50% do total do consumo das famílias, como indica a equipe do Monitor do FGV IBRE. Outro ponto observado pela economista é o resultado dos investimentos, com expansão de 0,8% no ano. Ela ressalta que, além de ser um resultado inflado pelo negócio com plataformas de petróleo – “a partir dos indicadores de comércio exterior do IBRE, calculamos que sem estas a queda dos investimentos seria de 8%”, diz – o resultado também reflete uma recuperação mais rápida da construção civil, diferentemente da recessão anterior.

Mas Silvia lembra que a recuperação observada no segundo semestre de 2020 já começou a dar sinais de esgotamento antes mesmo de fechar o ano, e que o cenário de um início de 2021 em forte desaceleração – entre outros fatores, pelo fim do auxílio emergencial e o alto nível de desemprego – tem se agravado, provocando a correção para baixo do crescimento da atividade econômica para este ano. A mais recente revisão feita pela equipe do Boletim Macro aponta a um PIB de 3,2% em 2021, abaixo do carregamento estatístico de 3,6%, o que já implica um recuo na margem. “Além do agravamento da pandemia, temos uma aceleração inflacionária que corrói o poder de compra das pessoas, e sem a contrapartida de uma recuperação do mercado de trabalho, já que os segmentos mais intensivos em trabalho tendem a ser os mais prejudicados pelas medidas de restrição”, diz Silvia. Ela aponta que a nova etapa do auxílio emergencial – que pelo projeto do governo deve variar entre R$ 150 e R$ 375 – não será capaz de compensar a queda de renda das famílias. “Gastamos muito num primeiro momento, sem se planejar para uma crise que claramente duraria mais. E estamos atrasados no processo de vacinação, observando o contágio aumentar, sem capacidade de medir quão devastadora essa próxima onda será”, lamenta Silvia. “Nossa esperança é avançar mais rapidamente na imunização, e que o aumento do desconforto da população não incentive novas medidas populistas – que trazem alívio de curto prazo, mas cujo fim já conhecemos bem”, conclui.

PIB e subsetores
Taxa(%) acumulada no ano em relação ao mesmo período do ano anterior

Fonte: IBGE.

 


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