Perspectivas

Especialistas da FGV debatem desafios políticos e econômicos para este semestre em evento do IBRE com a Folha de S. Paulo

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O debate entre os cientistas políticos Octavio Amorim Neto e Carlos Pereira, ambos da FGV Ebape, com o pesquisador associado do FGV IBRE Samuel Pessôa, no webinar promovido dia 16/7 pelo IBRE em parceria com o jornal Folha de S. Paulo, foi espelho de uma das célebres frases do escritor Millôr Fernandes: se você não tem dúvidas, é porque está mal informado. No evento online, moderado pelo repórter especial da Folha Fernando Canzian, os especialistas elencaram diversos fatores em desenvolvimento neste semestre que, conforme sua combinação, determinarão a robustez da ponte que levará o país à saída da crise sanitária e econômica.

O primeiro deles, gerador de incerteza no Brasil e no mundo, é o futuro da pandemia da Covid-19.  Além do número de mortes, da recessão e do impacto fiscal provocados pelo choque do novo coronavírus, Octavio Amorim lembrou que o início da pandemia marcou um posicionamento do presidente Bolsonaro de ataque permanente às instituições que impactou negativamente sua popularidade, moderado a partir da prisão de Fabricio Queiroz e do avanço de investigações envolvendo seu núcleo, como a das fakenews. “Mas ainda não sabemos se essa pausa é tática ou estratégica”, afirmou. Para Carlos Pereira, a escolha do presidente de aumentar a polarização, menosprezar a pandemia e valorizar as consequências econômicas dela foi comprometida conforme o número de vítimas de Covid-19 aumentou. “Com isso, os eleitores de Bolsonaro em 2018 não-identitários, que votaram com o objetivo de evitar o PT, não mais o apoiam”, disse. Pereira ressaltou que várias frentes de investigação podem aumentar a vulnerabilidade do governo, minando ainda mais o seu apoio e aumentando seus custos de governabilidade. Entre outros elementos fora do controle do presidente, ainda mencionaram-se as eleições americanas, onde uma derrota o presidente Trump à reeleição poderá significar um isolamento grave do Brasil na arena internacional.

Para Amorim, a melhor alternativa seria que o presidente aceitasse continuar seu mandato como “um governo normal de centro-direita conservadora, dentro dos moldes normais da democracia”. Para isso, entretanto, apontou dois desafios ao mandatário: recuperar a credibilidade perdida no último semestre – o que implica, entre outros, conter sua tendência à radicalização –, e transformar o apoio de partidos angariado nesse período em uma coalizão de fato, “distribuindo ministérios, fazendo concessões programáticas para partidos majoritários ao centro”, e reduzindo a influência da ala mais radical do bolsonarismo. Amorim cita a decisão sobre o futuro do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde como uma das bússolas no curto prazo para confirmar essa mudança de direção. “Se o presidente Bolsonaro optar por substitui-lo por um médico com visão científica da pandemia, será um sinal de que procura marchar para a normalização”, afirmou – algo, entretanto, que ainda não ocorreu. Outro sinal nesse sentido, para Samuel Pessôa, será a indicação do nome que substituirá Celso de Mello, que se aposenta em novembro deste ano, como ministro do STF. “Teremos que observar como o presidente vai se comportar na indicação dessa pessoa, e como o Senado vai se pronunciar.”

Para Amorim, outro elemento-chave nessa equação de governabilidade serão as eleições municipais. Apesar de historicamente não serem fator de influência na arena presidencial, a atual conjuntura deverá romper esse molde. “Minha sensação é de que nas grandes cidades, onde há uma opinião pública mais dinâmica e vigorosa, deverá haver uma nacionalização”, afirmou, o que colocará à prova a estratégia de Bolsonaro de responsabilizar os governadores pelos efeitos da pandemia. “Essa tem sido uma marca distintiva do governo Bolsonaro. Tal qual na reforma da previdência, só que agora em maior grau, ele abdica da liderança e passa a transferir o custo das grandes decisões o tempo inteiro para outros atores”, afirmou. “Nesse sentido, se o governador de São Paulo, que faz oposição direta com o presidente, tiver seu candidato para prefeito da capital derrotado, isso será bom para Bolsonaro”, exemplificou.

No evento online, Pessôa demonstrou preocupação com o encaminhamento da agenda de reformas necessária para equilibrar a trajetória da dívida pública e impulsionar o potencial de crescimento da economia. “Até agora, as reformas que andaram, andaram apesar do presidente. Ele privilegiou a relação direta com sua base eleitoral, tocando uma agenda de costumes que foi sistematicamente barrada no Congresso Nacional e no Supremo, com pouco apoio à agenda mais econômica.” Para o pesquisador do IBRE, projetos como o da reforma tributária que tramita no Congresso – à qual deverá se somar, na semana que vem, o projeto do governo – não deverá andar sem a liderança do Executivo. Também será importante para esse trabalho contar com o mesmo envolvimento do Congresso da agenda de ajustes como o verificado no ano passado, e que poderá ser testado nos próximos meses, com a votação do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA). “Esse é o grande tema, que vai determinar para o ano que vem se vamos recolocar o gasto público na rota determinada pelo teto de gastos”, disse. A aposta de Pessôa é positiva. “Minha impressão é de que desde o resultado das eleições de 2018, quando houve uma renovação de mais de 50% na Câmara, os deputados passaram a avaliar que a responsabilidade pela estabilidade macroeconômica – que em geral é atribuída ao Poder Executivo, cabendo aos deputados a tarefa de levar bens públicos e melhoras para a sua base eleitoral –, começou a ser compartilhada com o Legislativo”, disse. “Isso me faz ter certo otimismo de que o Congresso Nacional vai votar um PLOA recolocando o gasto público na trajetória compatível com a Emenda Constitucional 95 –, o que será um enorme esforço, mas que garantirá alguma governabilidade e estabilidade econômica para que cheguemos até 2022”, concluiu.

Clique aqui para acessar o vídeo completo do evento

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir