“Perdemos a chance de mostrar para a população que educação é atividade essencial”

Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV (FGV Ceipe)

Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A experiência de um ano letivo praticamente inteiro longe das salas de aula deverá cobrar uma conta alta para a educação pública brasileira. Claudia Costin, que foi crítica da decisão de se manter as escolas fechadas por tanto tempo, falou à Conjuntura Econômica que o impacto para os alunos será dramático. E que, seja no orçamento o no currículo, gestores públicos de educação terão de saber eleger prioridades em 2021. Leia aqui alguns trechos dessa conversa, que foi destaque da edição de fevereiro:

Qual o seu balanço do impacto da crise sanitária na educação brasileira?

No Brasil,  demoramos muito para universalizar o acesso ao ensino fundamental, e temos um problema de desigualdade educacional muito grande. O que a pandemia vai fazer é interromper a insuportavelmente lenta solução para esse problema, e agravá-lo ainda mais. É importante lembrar que 81,7% dos alunos de educação básica brasileira estão em escolas públicas.

Trata-se da grande maioria da população estudantil. E de fato a logística para garantir alguma aprendizagem em casa é muito mais desafiadora numa rede de escolas públicas do que em escolas particulares. Primeiro porque estas últimas são isoladas. Basta reunir aqueles professores, dar as diretrizes, definir junto – não digo que é fácil, mas é mais fácil do que para uma rede, como a de São Paulo, de cerca de 3 milhões de alunos espalhados pelo estado todo, em negociação com sindicato, sabendo que a conectividade é um desafio.

Surpreendentemente, a resposta educacional nas escolas públicas foi muito melhor do que a gente teria antecipado. Porque como nós – digo, a rede pública – fizemos isso um pouco depois da Europa, pudemos nos beneficiar com um pouco do que eles aprenderam nesse processo. Sem nenhuma coordenação do Ministério da Educação – que em 90% do tempo esteve ausente da coordenação da resposta educacional à Covid-19 – combinamos diferentes mídias para a aprendizagem dos alunos, televisão, rádio, cadernos pedagógicos enviados às casas dos alunos, plataformas digitais também. Até grupos de WhatsApp. Foi usado de tudo para garantir alguma aprendizagem em casa. Inclusive várias redes fizeram visitas às famílias mais vulneráveis. Houve exemplos muito bonitos de esforço, seja de redes municipais inteiras, seja de professores que individualmente fizeram esse trabalho.

Evidentemente, isso não é a mesma coisa que ter aulas presenciais. No caso de alunos sem conectividade, por mais que se mandaram cadernos para as casas, por mais que se tinha programa na tevê ou no rádio, os pais dessas crianças e jovens estavam ausentes de casa buscando uma fonte de renda, e alguns desses alunos inclusive se juntaram ao trabalho infantil. A resposta educacional à Covid-19 foi limitada em sua possibilidade de impacto também por essa forma mais limitada, sem planejamento, sem formação dos professores para isso. E até porque no Brasil, diferentemente da Europa ou da África, achamos que podíamos ficar um ano letivo inteiro fora da escola. Quando se descobriu, já em abril, que criança se contaminava menos, e a Europa inteira levou as crianças de volta para a escola, decidimos não fazer isso, criando uma narrativa de que as escolas brasileiras têm uma infraestrutura inadequada, de que seria um completo desastre, de que nossa cultura é de abraço e beijo, e não adiantaria pensar nessa volta.  Não gosto de ser portadora de más notícias, mas o que vai acontecer é terrível. A juventude tem uma questão adicional é que em tempo de quarta revolução industrial, se eles abandonarem os estudos, as chances de entrarem para a economia paralela, para a informalidade, são enormes, porque não ter sequer um ensino médio completo, vai trazer uma preparação facilmente substituível por máquinas, por inteligência artificial.

Vários estados marcaram o início das aulas para fevereiro, ainda sob pressão da pandemia e, em alguns casos, dos professores, de pais e da Justiça. Estamos preparados para iniciar um modelo híbrido de ensino?  

A maior parte dos alunos ficou um ano letivo fora da sala de aula. Está na hora de começar a voltar. De forma escalonada, algumas turmas antes que outras, com diminuição do tamanho de turmas. Foi uma ideia que a Alemanha trouxe, de dividir as classes em bolhas, não só para o efeito das aulas dentro das salas, em que você tem revezamento de alunos, mas também para outros momentos, como o horário de entrada, o recreio. Então haverá turmas tendo aulas na escola em alguns  dias da semana e em casa nos outros dias, e com a escola aberta é muito mais fácil organizar o acesso a equipamentos, tablets, computadores. Vai ser muito importante também fazer processos de capacitação dos professores, não só para o ensino híbrido, mas para o uso, dentro do ensino híbrido, de metodologias ativas de ensino. Porque se o aluno ficar parte da semana em casa, há duas alternativas: irradiar para as casas a aula que você está dando na escola, ou fazer o conceito de sala de aula invertida. Ou seja, em casa ele aprende a teoria, com aulas para as quais o professor pode fazer uma curadoria de vídeos, ou gravá-los ele mesmo. E na aula ele aprende a aplicar aqueles conceitos que viu na teoria em problemas da realidade, que é onde a educação brasileira é mais frágil. Os relatórios do Pisa, que é um teste internacional de qualidade da educação que permite comparar países, apontam que uma das partes em que nos saímos pior é aplicar conceitos aprendidos em ciências, por exemplo, em soluções de problemas da realidade. É como se soubéssemos decorar a tabela periódica, mas não o que fazer com ela na realidade. Ou mesmo pensar matematicamente. Aprendemos um algoritmo, fazemos 40 exercícios mudando os números, mas não sabemos para que serve o que aprendemos.

Então o conceito de aula invertida seria uma forma interessante de trabalhar o professor no seu melhor, que é ensinar a pensar usando as ferramentas daquela disciplina. Isso pode ser muito importante, mas teremos que fazer escolhas.

Dar prioridade de vacinação dos profissionais de educação ajudaria a reforçar esse convencimento da importância da volta às aulas entre pais e professores?

Sim, alguns países como a Rússia fizeram isso, colocando-os no primeiro grupo, porque consideram a educação atividade essencial. No nosso caso, perdemos a chance de mostrar para a população que a educação é atividade essencial quando decidimos manter as escolas fechadas por tanto tempo. Para mim, foi um erro horrível.

No ano passado, o FGV IBRE promoveu webinares com a participação de vários secretários estaduais de Fazenda, que apontaram a educação como um elemento preocupante para 2021, devido à demanda de recursos para implementar o ensino híbrido de forma adequada. Também identifica essa preocupação em suas mentorias a secretarias de Educação?

Sem dúvida. A situação deste ano será de insuficiência de recursos para se fazer os investimentos necessários. Isso vai desafiar os secretários a serem bem mais focados. Educação de qualidade custa caro. Muitas vezes se ouve: “Ah, educação já tem recursos suficientes, o problema é de gestão”. Eu adoraria que fosse só um problema de gestão. Na verdade, é tanto de recursos como de gestão. O que acaba acontecendo com a educação é que, como esta tem um orçamento carimbado, muitas vezes os prefeitos, para terem outras atuações, jogam para a educação atividades que não necessariamente são dessa pasta. São iniciativas bacanas, se tiver dinheiro para fazer, ótimo, mas uma coisa em que eu tenho trabalhado muito nas mentorias é olhar o orçamento e entender item por item o que pode ser deixado para mais tarde, e o que é fundamental que aconteça este ano. Esse mesmo trabalho as redes estão fazendo com o próprio currículo. Não vai dar tempo de cobrir o currículo de 2020/21 se você não for seletivo no desenvolvimento daquelas competências que realmente são base para a construção de outras. O processo de aprendizagem é sequencial: se eu não aprendi divisão, não vou entender fração, para dar um exemplo simples. Então teremos que olhar para o orçamento dessa maneira: discutir onde e como voltam às atividades, e se é momento de priorizar atividade pós-escola não vinculada à recuperação de aprendizagem. Se não tiver dinheiro para outras coisas, paciência, temos que trabalhar com prioridades. Todos os secretários têm que estar atentos a essa questão da boa gestão dos recursos insuficientes que estão à disposição deles, avaliando o que pode eventualmente ser deixado para mais tarde.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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