Pandemia abre janela de oportunidade para valorização do SUS, defendem pesquisadores

Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Gonzalo Vecina, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, disse certa vez: “sem o SUS, era a barbárie”. Isso foi em 2019, pré-Covid-19. Com a pandemia, o diagnóstico do médico sanitarista ganhou força. “Se algumas respostas não aconteceram de forma adequada, isso ocorreu em função das escolhas dos gestores, e não devido ao SUS”, diz Mônica Viegas, coordenadora do Grupo de Estudos da Saúde e Criminalidade do Cedeplar/UFMG.

Em webinar realizado na sexta-feira passada (28/5) pelo Observatório do Federalismo Brasileiro do Governo do Ceará, moderado por Flavio Ataliba, secretário Executivo da Secretaria de Planejamento do estado, pesquisador associado do FGV IBRE, especialistas defenderam que a pandemia abre uma importante janela de oportunidade para a valorização do Sistema Único de Saúde. Um desafio que vai da ampliação de seu financiamento à revisão de modelos operacionais para ampliar a eficiência na atenção e tratamento de pacientes.

No evento, Mônica lembrou que o sistema híbrido de atenção à saúde instalado no Brasil, público e privado, trouxe pontos positivos, como reduzir a pressão do setor público, direcionando parte da demanda para a saúde suplementar. Mas que provocou uma fragmentação do cuidado que desequilibrou o sistema, além de induzir práticas que não necessariamente são as mais eficientes, como a incorporação de tecnologia não baseada em evidências, e um foco na atenção mais curativa que preventiva. Um desenho que, lembra Mônica, passa a não ser sustentável com a tendência de envelhecimento da população. 

A pesquisadora ressalta, entretanto, que a ampliação da telemedicina e da digitalização da digitalização no setor poderá trazer importantes benefícios, permitindo uma maior integração de ambos. Ela lembra que, até o ano passado, a telemedicina era permitida no país apenas em casos de emergência, laudos à distância e suporte diagnóstico e terapêutico entre médicos. “Em abril de 2020, entretanto, uma nova lei reconheceu o uso da telemedicina para consultas, atendimentos pré-clínicos, monitoramento”, diz. Mônica aponta que o aumento da saúde digital ajuda no fortalecimento da atenção primária como ordenadora do cuidado, e adotada de forma permanente poderá mitigar um dos defeitos do sistema, que é a alta busca pelos hospitais para tratar de problemas que poderiam ser resolvidos fora deles, de forma mais eficiente e barata. “No sistema privado, a adoção da telemedicina poderá abrir caminho até para um aumento da cobertura”, diz.

Outros elementos pró-eficiência com o aumento da digitalização da saúde são, por exemplo, melhor organização de filas de espera, colaborando para maior clareza e uma expectativa mais positiva do paciente quanto à execução de algum procedimento. Além de uma maior integração das operações pública e privada, abrindo caminho para o uso de um identificador único de pacientes nos dois sistemas, o que permite um melhor mapeamento de seu histórico e da utilização de serviços de saúde. Sobre os benefícios dessa integração, Mônica cita o caso do modelo unificado de regulação de leitos hospitalares de Belo Horizonte, que permite uma melhor alocação de pacientes pelo município. 

A professora da UFMG também ressaltou os desafios trazidos pela pandemia, como a alta dependência de insumos da indústria farmacêutica nacional, “que pode ser reduzida com políticas de inovação e geração de tecnologias e maior integração da universidade com a estrutura produtiva, pois o Brasil já mostrou capacidade para isso”, diz. Outro elemento citado por ela é a necessidade de se organizar a resposta a pandemias e epidemias, com melhoria do sistema de registros e notificações, maior controle de doenças infectocontagiosas e uma maior integração dos sistemas público e privado, como já referido.

E, não menos importante, repensar o financiamento do sistema. Mônica destaca que desde sua origem o SUS não possui fonte de financiamento definida, ficando dentro do orçamento da assistência social, levando ao subfinanciamento. “Já conseguimos refazer o pacto da Previdência, agora é importante fazer o mesmo com a saúde”, diz. 

Roberto Claudio, ex-prefeito de Fortaleza (pelo PDT), mestre em Saúde Pública, reforça o coro puxado por Mônica. “Frente à grave crise econômica fruto da pandemia, vários países de viés liberal, como os Estados Unidos, voltaram a destacar o papel do Estado com coordenador da economia. Hoje, não pensar no fortalecimento de políticas públicas não é opção, é omissão”, afirma, ressaltando que a atual conjuntura traz maior sensibilização do ambiente político para uma rediscussão orçamentária de áreas chave como a da saúde.

O economista cearense Dércio Chaves, estudante do Master of Research Economics na Universidade de Exeter, na Inglaterra, defendeu a importância dessa revisão citando o exemplo do Reino Unido – cujo sistema público de saúde (NHS) foi instaurado logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1948, tornando-se farol para as demais nações. “Lá, o financiamento público do sistema é crescente, sem importar a linha partidária do governo de turno”, diz, apontando que em 2018 a saúde representava 29,7% do orçamento do governo, contra 11,2% quando o NHS foi criado, em 1948. Chavez ainda destaca que essa ampliação de recursos não significou inchaço da infraestrutura. Ao contrário. “Hoje o Reino Unido dispõe de 120 mil leitos hospitalares. Em 1948, eram 480 mil”, compara, ressaltando que o investimento na expansão da atenção primária reduziu a demanda por leitos e colaborou para a eficiência do sistema. “O resultado desse investimento foi um aumento da expectativa de vida, que hoje é de 81 anos, e da mortalidade infantil, que está em 3,8 por mil nascimentos”, ilustrou.  

 


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