Os desafios dos planos de saúde para sair da pandemia de forma equilibrada

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

No ano da chegada da pandemia ao Brasil, os planos de saúde viram seu número de beneficiários crescer 1,2%, e seu faturamento, 5,6%. Mesmo com o aumento do desemprego, que significa perda de benefícios ligados ao trabalho formal, e a consequente queda de renda, o medo da Covid-19 em seu quadro grave levou muitas pessoas a buscar segurança frente à eventual necessidade de assistência hospitalar. “Por isso, empresas não mediram esforços para manter seus planos, e pessoas buscaram proteger suas famílias”, disse José Cechin, ex-ministro da Previdência, presidente do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), em recente webinar promovido pela Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).

Evolução da adesão a planos de saúde na pandemia
Número de usuários


Fonte: IESS

Esses números, entretanto, acontecem em um momento atípico para o setor, o que ainda lança desafios para uma saída da pandemia de forma equilibrada. De um lado, se a crise sanitária permitiu aos planos criar uma poupança financeira com a queda de procedimentos eletivos, postergados pelos usuários preocupados com o risco de exposição ao vírus, para os prestadores desses serviços significou queda de faturamento, penalizando seus negócios. Além disso, quando a situação normalizar, o retorno das pessoas a seus tratamentos ou exames de rotina poderão acontecer sob um quadro clínico agravado, demandando tratamentos mais custosos. “Efetivamente houve perda de receita para os prestadores de serviços, hospitais e clínicas, mas esperamos que essa pandemia não dure uma eternidade e, com exceção de algumas empresas menores, acho que esses prestadores não terão maiores dificuldades”, diz Cechin. “No final do ano passado, já se vinha observando recuperação de procedimentos adiados e, assim que a onda de contágios arrefecer novamente, eles serão retomados. Isso vai gerar receita para os prestadores, e a folga financeira do lado das operadoras rapidamente será consumida.”

Outro elemento a ser observado nesse cenário é a questão do reajuste dos planos. Esta semana, a ANS deverá definir o aumento para planos individuais, que representam 20% do mercado. Este poderá ficar próximo de zero, em função da redução de custos do setor. No webinar da Abramge, André Braz, coordenador de índices de preços do FGV IBRE, mostrou que a participação de medicamentos e planos de saúde na inflação média anualizada flutuou de 10% em março de 2020 para 25% em maio - “quando o nível de inflação em 12 meses estava em torno de 1,8%”, ressalta -, voltando a recuar no decorrer do ano, até chegar nos atuais 8%. Essa queda se deveu, por um lado, ao adiamento dos reajustes dos planos em 2020, em torno de 8,14%, que só foram aplicados a partir de janeiro deste ano. E, de outro, ao aumento da participação de outros itens na inflação agregada, como alimentos.  “Ainda não está claro o teto de reajustes para planos este ano, e sua contribuição para o aumento da expectativa de inflação de 2021. No caso dos medicamentos, os reajustes permitidos a partir do final de março, de em média 2,7%, já tiveram um reflexo importante no IPCA, contribuindo de forma permanente para a pressão de preços”, diz. Braz ressaltou que o IPCA do final de 2021 deve chegar em 5,8%, acima da meta de 3,75%, bem como do intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima.

O ponto sensível de um reajuste zero para planos individuais é que,além de provocar pressão sobre a negociação de contratos coletivos, poderá trazer dificuldades para alguns operadores. “Será algo negativo, mas eles saberão encontrar seus caminhos caso a decisão for essa. O que não pode é se alimentar um desequilíbrio sistemático ano a ano”, di Cechin, ressaltando o contexto de atuação dos planos de saúde, de custos cuja tendência é de crescimento acima da inflação, devido, entre outros fatores, ao envelhecimento da população e à incorporação de novas tecnologias que ampliam as frentes de tratamento de doenças. “Cada tecnologia que é lançada envolve custos adicionais, até porque é preciso capacitar pessoas para operá-la, e com o tempo ela barateia. Mas se considerarmos que hoje 90% da tecnologia usada não existia há 20 anos, percebemos que o ritmo de incorporação de inovação tecnológica é alto para que esse barateamento gradual compense os custos das novidades que vão sendo introduzidas”, diz.

Pedro Costa Ferreira, superintendente de Inovação e Mercados do FGV IBRE, ressaltou no evento online a importância de o setor buscar aprimoramentos contínuos para equilibrar a oferta adequada de serviços de saúde à sustentabilidade do sistema, que vão da eficiência no uso da rede aos modelos de remuneração. “A questão da evolução de preços da saúde em relação ao IPCA não é convergente, e precisa de soluções criativas para que esse custo suba menos”, diz. “É um desafio que implica múltiplas medidas”, reforça Cechin. “Espero que não se invente nada  para impedir que as pessoas envelheçam”, brinca, “mas há outros tipos de medidas importantes, como adotar a atenção primária em mais larga escala, focando a atenção hospitalar para os casos em que realmente ela é necessária. Dados da Abramge apontam que 90% das consultas por telemedicina realizadas no último ano solucionaram os casos no primeiro contato”, diz, acrescentando ainda a essa lista o incentivo à medicina preventiva.

No caso do aprimoramento da política de reajuste, Braz destaca a importância de que essa seja feita de forma transparente. “Todo debate precisa ser sustentado por informação. Quanto mais visibilidade dos dados, melhor será para encontrar soluções que garantam tanto o equilíbrio econômico-financeiro para os planos quanto sustentabilidade e atenção adequada aos beneficiários”, conclui.

 


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