O caminho do futuro

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Bem antes da pandemia da COVID-19 desmontar todas as estruturas produtivas, o mundo já havia ingressado em profundas transformações geradas pela avalanche digital, com mudanças radicais nos modos de produção, interação entre as pessoas, acesso em tempo real ao que acontece em quase qualquer parte do mundo, redução de custos e aumento de produtividade, entre outros. São tantas as mudanças que tornaram o mundo mais acessível a quase todos os mortais com acesso à internet.

A pandemia, onde as escolas brasileiras já acumulam quase um ano sem aulas regulares – especialmente as da rede pública, o que trará consequências catastróficas para as futuras gerações, com impactos terríveis sobre a formação de mão de obra mais qualificada e a produtividade do país –, acirrou as disparidades sociais e regionais, ampliando o fosso entre países ricos e pobres. No caso da vacinação, por exemplo, 80% dos imunizantes produzidos e que serão fabricados já foram comprados pelas grandes potências.

O avanço da economia digital e a pandemia, em certa medida, criaram a necessidade de se repensar os modelos tradicionais vigentes num passado recente, que começaram a mudar com a globalização, levando a mudanças na geopolítica mundial, com o novo papel da China que caminha a passos largos para se tornar a principal economia do planeta. O que tem levado o governo dos Estados Unidos a buscar fortalecer sua posição em temas que ganham relevância nesse novo mundo, como a sustentabilidade. Não foi à toa que Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, no meio de uma pandemia, organizou a Cúpula do Clima, reunindo os principais chefes de Estados do mundo, já que a China vinha ganhando espaço nessa questão, embora seja uma das nações mais poluentes do mundo, já que a base de sua matriz energética é o carvão. O que os chineses estão procurando reduzir.

O economista Fernando Rezende, consultor nas áreas de finanças públicas e política fiscal, em artigo na revista Conjuntura Econômica de maio, explica que o avanço digital, levou o governo britânico a adotar uma nova estratégia para reposicionar o país nesse novo mundo, após seu desligamento da União Europeia, detalhando revisões a serem implantadas nas políticas de segurança pública, defesa e ajuda externa, consolidadas no documento “Global Britain in a Competitive Age, segundo noticiou a revista The Economista de março último.

No artigo, Rezende informa que “ciência e tecnologia são os pilares dessa estratégia que aspira o reconhecimento da Grã-Bretanha como um superpoder nesses campos em 2030. Para tanto, os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (R&D) deverão subir do nível atual de 1,7% do PIB para 2,4% em 2027, com o aporte de 15 bilhões de libras. Os investimentos nessa área deverão ter como foco introduzir mudanças tecnológicas que concorram para a produtividade da economia e para a proteção do meio ambiente, com maior controle das mudanças climáticas e inovações que contribuam para o aproveitamento da biodiversidade, sem agredir o meio ambiente”

Na contramão do que vem sendo visto por aqui. Em abril último, o desmatamento na região Amazônia bateu recordes. Segundo medição do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), até o dia 29 daquele mês a área sobre alerta de desmatamento na Amazônia Legal, que corresponde à 59% do território brasileiro, englobando os estados do Amazonas, Acre, Amapá, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, além de parte do Maranhão, foi a maior para o mês desde 2016: 581 quilômetros quadrados.

Outra medição, feita pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), apontou que uma área de 778 quilômetros quadrados foi devastada em abril, 45% maior do que a de igual mês de 2020.

Na última quarta-feira (19), a Polícia Federal desencadeou uma operação contra a exportação ilegal de madeira para os Estados Unidos e Europa, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A operação batizada de Akuanduba, investiga possíveis desvios de conduta de servidores públicos do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama, O ministro Ricardo Salles também foi alvo de busca e apreensão.

Akuanduda, nome da operação, é uma divindade dos índios Araras, do Pará. Segundo a lenda, se alguém cometesse algum excesso, contrariando as normas, a divindade soaria uma pequena flauta, restabelecendo a ordem.

Área sob alerta de desmatamento na Amazônia Legal
(em quilômetros quadrados)

Fonte: Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter)/Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). *Até 29/4.

 Se as coisas não iam bem no país, com economia anêmica, desemprego, fragilidade fiscal, insegurança político-institucional, a pandemia piorou ainda mais o quadro. Como diz Rezende em seu artigo “O caminho do futuro”, “não é a primeira vez que o Brasil enfrenta uma crise de grandes proporções como a deste momento, mas o desafio para nós é muito maior. É a primeira vez em que se dissemina na sociedade brasileira uma sensação de crescente insegurança com respeito ao futuro e de desconfiança na capacidade do governo para liderar a saída da crise. Os índices de desemprego não param de crescer e devolvem boa parte da população brasileira às condições de pobreza de onde acreditavam haver saído para sempre.  As alavancas do crescimento foram desmontadas e com elas diminuem as esperanças de que a saída da crise será rápida. O desalento toma conta de grande parte do povo e repercute no ambiente político, que é sacudido pela falta de confiança na capacidade de as instituições vigentes encontrarem um caminho diferente para enfrentar os desafios do momento”

São tempos difíceis, com o país sem conseguir vacinar sua população por falta de insumos – não mais do que 11% de toda a população brasileira receberam duas doses de vacina -, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga as omissões do governo no combate à pandemia, tensionamento da corda pelo presidente Bolsonaro, em briga aberta com os demais poderes, em especial com o STF.

Para Rezende, a situação que vivemos deve-se ao “enfraquecimento do Estado.  O desequilíbrio e os conflitos entre os poderes do Estado são os elementos que debilitam sua capacidade de agir. Com frequência, o noticiário registra a interferência de um poder sobre o outro, ignorando o princípio de autonomia dos poderes que rege a organização do moderno Estado democrático”.

E prossegue: “a força do Estado se sustenta na confiança que ele inspira na população e isso depende de ele estar sempre à frente dos acontecimentos. Isto é ele precisa se antecipar aos fatos para agir preventivamente com vistas a amenizar os impactos de crises externas e atuar pró-ativamente para capitalizar os ganhos internos em momentos favoráveis.  Para tanto, é necessário que as ações do Estado sejam pautadas por um planejamento de médio e longo prazos. Um planejamento que oriente a formulação de estratégias, a formulação das políticas púbicas e o estabelecimento de metas a serem estabelecidas para cada caso” sentencia.

No que estamos a léguas de distância.

Ver íntegra do artigo.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir