“No longo prazo, potencial brasileiro de crescimento acima de média latino-americana dependerá de reformas macro e microeconômicas”

Aloisio Campelo Jr, superintendente de Estatísticas Públicas do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro.

Recentemente, o The Conference Board (TCB), instituição independente de pesquisa global parceira do FGV IBRE na produção do Indicador Antecedente Composto da Economia (Iace), apresentou suas perspectivas para a atividade econômica da América Latina. No curto prazo, os dados são alentadores, com vários países superando, em crescimento agregado do PIB, as perdas registradas em 2020 – as principais exceções são Peru, México e Argentina, que terão um pedaço de recuperação agendado para 2022. No agregado, Ataman Ozyildirim, diretor de pesquisa do TCB, aponta que a região crescerá 5,8%, acima da média prevista para o total dos emergentes (5,3%) – cuja atividade, preveem, ganhará impulso especialmente a partir deste segundo semestre. Na perspectiva de mais longo prazo, entretanto, o TCB observa a tendência de os principais países da região voltarem a uma dinâmica de baixo crescimento entre 2024 e 2030, com uma média anual que vai de 2,5% para Colômbia e Peru, a menos de 1,5% no caso do Brasil.

No longo prazo, perspectiva de baixo crescimento
PIB, média anual de crescimento, em %


Fonte: The Conference Board Global Economic Outlook, julho 2021. *Previsões **Projeções.

“Nas projeções econômicas de mais longo prazo, o futuro tende a repetir o passado, e essa perspectiva apontada para o Brasil reflete o desempenho do país nos últimos anos”, analisa Aloisio Campelo, superintendente de Estatísticas Públicas do FGV IBRE. Campelo lembra que, enquanto o crescimento médio anual dos países latino-americanos sem o Brasil entre 2014-2019 foi de 2%, o do Brasil, que registrou uma recessão nesse intervalo, foi de -0,3%. De 2005 a 2013, o desempenho brasileiro foi ligeiramente melhor – média anual de 3,8%, contra 3,6% na América Latina exceto Brasil. “Esse resultado é fruto especialmente do desempenho brasileiro entre 2007-2010, quando o desempenho brasileiro foi bem superior à média dos países da região”, descreve.

Para Campelo, apesar da ainda alta incerteza presente hoje na economia brasileira, e de que o horizonte de eleições em 2022 promete manter a tensão nos mercados, 2024 ainda é um horizonte relativamente distante para se cravar, de imediato, uma perspectiva de baixo crescimento. “Há tempo suficiente para reverter essa tendência. Está em nossas mãos”, afirma, levando em conta a possibilidade de aprovação de reformas no âmbito micro e macroeconômico que façam diferença na capacidade de crescimento do Brasil. “Olhando gestões passadas, há vários exemplos nesse sentido, como o ordenamento das finanças públicas realizado por Fernando Henrique Cardoso, ou medidas no governo Lula que impulsionaram a expansão do crédito, como o crédito consignado”, cita – ressaltando, por outro lado, desafios adicionais como a redução acelerada da taxa de crescimento demográfico brasileira – entre as maiores do continente latino-americano – que ampliam o papel da produtividade na ampliação do crescimento.

Outro elemento, não menor, dessa equação é a forma como o Brasil sairá da pandemia, e quais sequelas poderá deixar para a sustentabilidade da retomada – tema que será abordado amanhã (21/7) em webinar do FGV IBRE com a Folha de S. Paulo (Inscrições).  Campelo ressalta que, mesmo com o setor produtivo recuperando gradualmente o otimismo nos negócios, a confiança do consumidor brasileiro ainda se encontra significativamente abaixo da confiança empresarial – e muito abaixo da confiança do consumidor observada no restante do mundo. “Isso se deve, em parte, ao fato de que tivemos crise idiossincrática, de ermos vindo de uma recuperação ainda incompleta da recessão passada, com uma taxa de desemprego que já era alta”, ressalta Campelo. O economista lembra que o pacote emergencial lançado pelo governo, que incluiu o programa de manutenção de emprego e renda (BEm) e o auxílio emergencial para desempregados e informais, que os permitiu sair da força de trabalho por um tempo, fez com que o impacto no mercado de trabalho não tenha sido tão severo na margem. “Agora, entretanto, as pessoas voltarão a buscar trabalho, o que manterá a taxa de desocupação alta. E sob um cenário de inflação que tem castigado especialmente as famílias de mais baixa renda, o que tende a manter parte desse descompasso entre confiança empresarial e do consumidor.”

Confiança do consumidor: muito aquém
Confiança da indústria

 

Confiança do consumidor


Fonte: FGV IBRE e OCDE.

Na América Latina, a confiança do consumidor também tem registrado um movimento de recuperação errante, provocado pelo desemprego, inflação, mas também pela evolução da pandemia. “Mesmo no Chile, em que temos um bom ritmo de vacinação e boa adesão às normas de isolamento, o aumento do contágio verificado no segundo trimestre, que obrigou um novo aperto nas restrições de circulação, se refletiu diretamente na confiança das pessoas”, afirmou Vivianne Blanlot, membro do conselho das empresas CMPC (de celulose) e Colbun (de energia), no Chile, em webinar do TCB sobre a América Latina do qual Campelo participou. “Apesar de o isolamento ter sido novamente flexibilizado, e a confiança ter se recuperado em junho, a sensação que fica é de que o futuro próximo ainda é incerto”, diz.

Essa sensação também está presente no radar das empresas, lembra Campelo, ressaltando o resultado da Sondagem da América Latina do segundo trimestre do ano, em que a crise sanitária se mantém como principal fator de preocupação entre os empresários. “Outro elemento que chama a atenção em vários países é a falta de confiança na política econômica, ou no quadro político em geral, ampliando o panorama de incerteza”, diz Campelo. Do lado positivo, o economista do FGV IBRE lembra que o bom momento de demanda e preço das commodities exportadas pelos países da região tendem a ajudar os países a se recompor este ano, enquanto a situação de curto prazo se decanta. “No caso do Brasil, ainda não sabemos quanto da poupança financeira de empresas e das economias das famílias se transformarão em investimento e consumo daqui para frente. Mas o preço de nossas exportações em dólar sobre o preço das importações ainda é um driver certo”, diz, lembrando que os teremos de troca são uma das variáveis no Indicador Antecedente Composto da Economia (Iace). “Apesar de as pessoas estarem prevendo um movimento para baixo das commodities, acho que elas continuarão nos ajudando ainda por um tempo. Além disso, o Brasil leva a vantagem de estar mais bem-calibrado que os demais latino-americanos em relação às soft commodities (agropecuárias) e hard commodities (metálicas)”, diz. “Além do minério de ferro, nossas exportações estão crescendo também em petróleo. Ainda que haja alguma desaceleração no ritmo de exportações de commodities no ano que vem – que no caso do agro, teria um lado positivo de reduzir a pressão inflacionária doméstica – , mas não há perspectiva de debacle. Os preços devem continuar relativamente altos, ajudando a economia a crescer.”

Pandemia e política econômica são temas sensíveis na América Latina
países selecionados


Fonte: Sondagem Econômica da América Latina 2º Trimestre de 2021 – FGV IBRE.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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