“No Chile, migração permanente para o trabalho remoto deverá ser bem menor do que se estimava em 2020”

Juan Bravo, diretor do Observatório do Contexto Econômico da Universidade Diego Portales (UDP)

Luna Bratti, pesquisadora do Observatório do Contexto Econômico da Universidade Diego Portales (UDP)

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A ideia de que a pandemia foi motor de uma revolução no mercado de trabalho, e de que a adaptação de trabalhadores e empresas ao home office tornaria o modelo remoto ou híbrido uma opção definitiva na maior parte das atividades que migraram para esse sistema tem se mostrado menos real do que o esperado no Chile. Levantamento realizado pelo Observatório do Contexto Econômico da Universidade Diego Portales indica que no trimestre de junho a agosto deste ano o percentual de trabalhadores assalariados que realizavam suas atividades principalmente de suas casas foi de 9,6%, metade do pico registrado no país, de 20,2% no mesmo período de 2020. No Brasil, o maior nível de adesão foi de 10,4%, segundo dados do IBGE, em junho do ano passado.

“O discurso de uma mudança radical ainda permanece vivo nos comerciais de tevê, em declarações das autoridades, mas os números não têm respaldado essa tendência. Da forma como está evoluindo, muito provavelmente o home office continuará para menos de 5% dos trabalhadores assalariados - sem dúvida uma mudança em relação ao pré-pandemia, quando esse modelo de trabalho praticamente não existia, mas aquém da transformação que se imaginou”, afirma Juan Bravo, diretor do Observatório. Bravo exemplifica o caso chileno com outro dado. Ele mostra que, de acordo à última informação oficial disponível, de maio, havia no Chile 67 mil contratos de trabalho à distância vigentes. Nessa mesma época, o número de trabalhadores em home office superava 800 mil, diferença que também pode indicar a intenção de transitoriedade. 

Percentual de trabalhadores chilenos assalariados que realizam suas tarefas principalmente de casa


Fonte: Elaborado pelos pesquisadores, com dados da ENE.

Estudo realizado por Bravo e pela pesquisadora Luna Bratti, também do Observatório da UDP,  apontou algumas características que influenciaram na probabilidade de se trabalhar sob o regime de home office no Chile durante os dois períodos de restrições mais intensas, em 2020 e 2021 . Eles apontam que a maior adoção do teletrabalho se deu entre pessoas com ensino superior completo, que no trimestre de junho a agosto deste ano representaram 80,1% do total. Antiguidade na empresa em que trabalha, ter contrato de jornada completa e estar empregado na capital também foram características que agiram positivamente. O fator gênero também exerceu forte influência para essa adoção, apontam. Do início da pandemia até agosto deste ano, a adesão de mulheres ao teletrabalho foi o dobro da observada entre homens, chegando a 13 pontos percentuais no trimestre móvel de julho a setembro de 2020 - de 27,5% do total das mulheres assalariadas contra 14,1% dos homens assalariados.

Luna indica que, entre as ocupações em que o teletrabalho foi mais frequente, as com mais chances de se manterem sob um sistema remoto ou híbrido de forma estável estão nos setores de informação e comunicação e de serviços financeiros. “Outras atividades em que também houve alta adesão, como no segmento educacional e em atividades criativas, a interação continua sendo fator importante para o resultado do trabalho”, completa Bravo.

Estudo realizado pela Universidade Católica do Chile apontou que o potencial de teletrabalho no país chega a 26% - similar ao potencial brasileiro, calculado pelo FGV IBRE em 25,5%, mas que se reduz a 17,8% se levado em conta as condições dos trabalhadores para exercer sua atividade de casa, como a disponibilidade de energia elétrica contínua, internet e computador. Talvez pela melhor infraestrutura disponível, a distância entre o potencial e a adoção efetiva de home office no Chile durante a pandemia tenha sido menor do que a observada no Brasil. Luna afirma que um dos principais entraves para equiparar o potencial do país ao de economias como os Estados Unidos, com cerca de 37%, é a estrutura produtiva. “O peso das atividades extrativas e de indústrias processadoras relacionadas a elas, em que predomina a atividade presencial, é alto”, afirma.

Ainda que a adoção do teletrabalho na pandemia tenha privilegiado um grupo específico de trabalhadores, ajudando a preservar o emprego daqueles com maior escolaridade, Bravo considera que a volta mais acentuada dos trabalhadores aos escritórios reduz a possibilidade de o home office induzir uma maior desigualdade no mercado de trabalho. No Chile, registrou-se uma perda de 1,8 milhão de vagas de trabalho pela pandemia, das quais foram recuperadas 1 milhão. Bravo aponta que um dos focos de preocupação para a recuperação dessas 800 mil vagas que restam é a condição das mulheres, que ainda têm de conciliar emprego e cuidado com as crianças. “Em muitos casos, a volta ao trabalho presencial das que estavam em home office aconteceu antes da normalização das atividades nas escolas - muitas das quais ainda não retomaram o ensino 100% presencial”, diz. Outro grupo de atenção são os trabalhadores mais velhos que perderam seu emprego na pandemia e, diz Bravo, terão mais dificuldade em conseguir um novo posto para completar seu tempo de atividade até a aposentadoria. “O maior desafio de todos, entretanto, é recuperar um bom ritmo de crescimento econômico”, afirma. “A experiência nos mostra que períodos em que o país cresceu pouco, em torno de 2%, coincidem com a criação de empregos de mais baixa qualidade, especialmente informais conta própria”, afirma. No Chile, a informalidade hoje representa 30% do mercado de trabalho. “Sem capacidade de crescer mais, será mais difícil gerar emprego, especialmente de boa qualidade, que ofereça bons salários.”

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir