No caminho da retomada, inflação e pobreza serão desafios para o governo em 2022, dizem pesquisadores

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A heterogeneidade da recuperação econômica registrada pelo país no primeiro trimestre do ano – quando, no agregado, o PIB retomou o nível do quarto trimestre de 2019, pré-pandemia –, aponta vários desafios que o Brasil terá de superar para colocar a economia nos eixos. E, ainda que tudo aponte para que em 2022 questões como a contenção da pandemia e impacto de medidas de isolamento não sejam preocupações predominantes na agenda, ainda restarão ao governo duas questões que desafiarão sua popularidade: a pobreza e a inflação.

Para os pesquisadores do FGV IBRE reunidos no II Seminário de Análise Conjuntural, promovido em parceria com O Estado de S. Paulo, moderado pela repórter especial e colunista do jornal Adriana Fernandes, essa tendência deverá conduzir a uma aceleração da normalização da política monetária pelo Banco Central, por um lado, e de outro um maior gasto em políticas sociais, aproveitando a maior margem fiscal estimada para 2022.

Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE, afirmou no evento online que o fraco desempenho do consumo das famílias no resultado do primeiro trimestre – com queda de 0,1% em relação ao trimestre anterior – é um ponto de preocupação no radar. “Quando olhamos o bom desempenho da indústria, vemos que parte dele se deveu a recomposição de estoques, o que levou à possibilidade de, do lado da oferta, ter um desempenho de bens industriais melhor do que a desaceleração da demanda permitiria, mantendo o crescimento mais forte no curto prazo”, afirmou. 

Silvia ainda ressaltou a diferença no desempenho entre as atividades do setor serviços – com a atividade dos serviços prestados às famílias ainda 44,4% abaixo do registrado em fevereiro de 2020, enquanto serviços da informação registraram resultado 21,3% acima, por exemplo. “Sabemos que a melhor política para a retomada é a vacinação, que permite a normalização das atividades, mas a inflação também é um fator negativo para essa recuperação, já que corrói o poder de compra das famílias”, diz. A atual estimativa do IBRE é de um IPCA de 6,2% no fechamento do ano, e PIB de 4,6% em 2021. “Para o ano que vem, nossa visão é mais pessimista (PIB de 1,6%), levando em conta o impacto da inflação no crescimento”, diz.

Armando Castelar, pesquisador associado do FGV IBRE, considerou no evento que a pressão inflacionária acima do esperado levará o Banco Central a abandonar o conceito de “normalização parcial” da política monetária, acelerando o processo de aproximação da taxa de juros básica ao nível de neutralidade. A estimativa de Castelar é de que a Selic feche o ano em 6,5%. Para ele, o governo se esforçará em tirar a inflação do debate político em 2022. “Todas as forças se combinam nessa direção, e não vejo por que isso não deva acontecer: o câmbio, por exemplo, já está voltando, e a subida de juros ajudará a que ele retroceda ainda mais”, disse.

José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV IBRE, ressalta que a incerteza sobre a trajetória da inflação é gigante. “O Banco Central sustenta que parte dessa pressão é fruto de choques temporários, provocados por desvios de demanda, e espera-se que ele reaja para combater os efeitos secundários desses choques”, afirmou, elogiando a postura do BC na condução do aumento da Selic. “Quando iniciou o ciclo de alta (de 75 pontos), a melhor decisão foi sinalizar o que projetava para a próxima reunião. Semana que vem tem nova reunião do Copom, e o provável é que sinalize mais 75 pontos para agosto. Diante da incerteza da inflação IPCA, isso se torna ainda mais relevante”, afirmou.

Um horizonte de juros mais altos, com inflação ainda forte no campo dos preços administrados, entretanto, continuará impactando a capacidade de recuperação das famílias, ressalta Silvia, sinalizando que a tendência para 2022 é de aumento de políticas voltadas para o apoio à camada da população que ainda não terá se recuperado dos efeitos da pandemia em seu bolso. A dúvida, entretanto, é como isso será feito.  Para a economista do IBRE, o caminho correto será aprimorar a política social, tornando-a mais customizada. “Precisamos discutir como melhorar o Bolsa Família, pensar em um seguro que apoie os informais e momentos de alta volatilidade de renda, como apresentado na proposta da Lei de Responsabilidade Social que tramita no Senado”, diz. Silvia também defende priorizar o cuidado com as demandas educacionais, para mitigar os efeitos de mais de um ano de afastamento das salas de aula, que são críticos, conforme indica a coluna Em Foco desta semana. ”Para uma mudança na proteção social que seja sustentável, é preciso reformas as atuais políticas e reduzir gastos obrigatórios”, completou, ressaltando que a PEC Emergencial aprovada este ano não previu nenhuma revisão de gastos. “Essa é uma pressão que vai continuar independentemente da recuperação da economia, pois o que vemos até agora é uma retomada desfavorável para os menos escolarizados e informais”, completou.

Cenário externo

No webinar, os pesquisadores também destacaram que, no front externo, os sinais permanecem favoráveis para a recuperação brasileira. Senna afirmou que o aumento das taxas longas de juros da economia dos Estados Unidos, em sua opinião, reflete mais um crescimento robusto do que uma inflação permanentemente alta. “O país está entrando em uma fase de expansão que claramente tem a ver com vacinação e estímulos monetários e fiscais, mas também com a ajuda da alta do preço de ativos”, disse, indicando que esse efeito riqueza tende a reduzir a tendência à poupança precaucional, incentivando as famílias a consumir mais. Senna também afirmou que com o avanço da vacinação e da normalização da economia as pessoas tenderão a buscar mais emprego, reduzindo a pressão salarial hoje observada em função de uma oferta ainda reduzida.

Castelar, por sua vez, indicou a importância de se observar para onde os sinais dados pelo presidente Joe Biden e a secretária do Tesouro dos EUA Janet Yellen tendem a apontar. “Ambos parecem ter uma visão de modelo econômico diferente da que prevaleceu nos últimos 40 anos, mais tolerante com a inflação, pois esperar 2% de inflação cinco anos à frente é efetivamente outro padrão”, disse, apontando que, mais à frente, isso deverá significar uma política monetária bem menos expansionista. “O que significará despesa do governo com juros. Vale lembrar que a dívida americana aumentou consideravelmente. Um pacote fiscal de 25% do PIB não é pouco”, afirmou. Castelar também inclui nessa lista de pontos que definirão o quão novo será o futuro normal dos Estados Unidos quais serão os desdobramentos das declarações do FED de não querer somente taxa de desemprego baixa, mais que a população de baixa renda seja incluída na economia. 

Para o Brasil, Senna lembra que o dinamismo da economia dos EUA é farol de alta demanda por commodities, traçando um cenário externo favorável para o Brasil por mais algum tempo. “Temos uma lista de coisas boas acontecendo: a discussão sobre o fiscal arrefeceu – não vemos mais propostas como tirar Bolsa Família do teto de gastos –; o câmbio cedeu; a bolsa está subindo; há um grande volume de captação de recursos via emissão de papéis no mercado financeiro; o spread de juros caiu; o risco dos emergentes caiu. Há um conjunto de coisas que realmente traz um ambiente financeiro mais favorável”, afirmou. Alertando, entretanto, que as boas notícias de hoje não devem trazer uma falsa segurança de que a recuperação econômica esteja garantida.

Reveja o II Seminário de Análise Conjuntural:

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir