“Ninguém quer um novo tenentismo nascendo nas Forças Armadas”

Murillo de Aragão, CEO da Arko Advice

Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Na entrevista do mês da revista Conjuntura Econômica de abril, o analista político Murillo de Aragão faz um balanço da reforma ministerial relâmpago operada pelo governo federal no final de março e do cenário eleitoral para 2022. Leia, em primeira mão, trechos dessa conversa.

Os últimos dias de março foram marcados por um vendaval na cúpula do Executivo que resultou na mudança de vários ministros, incluindo as Forças Armadas. Em sua opinião, esse movimento beneficia ou prejudica o presidente Jair Bolsonaro?

Temos que entender que os eventos têm conexão, mas também têm vias paralelas. A saída do ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo é um episódio que não se insere no movimento de reforma ministerial. Ali não houve uma pressão política para ocupar o cargo. Houve, sim, o questionamento à figura de Araújo, que se desgastou imensamente no Senado e que já causava imenso desagrado a setores importantes do governo. O evento seguinte é a saída do ministro da Defesa Fernando Azevedo. Ele vinha sendo alvo de críticas do Palácio do Planalto em relação a algumas condutas, aos quais se juntam vários motivos que não sei se são verdadeiros ou não. Um deles era a questão da entrevista do general Paulo Sérgio, autoridade máxima da área de saúde no Exército, em que falava da preocupação com uma terceira onda da pandemia (entrevista publicada em 28/3 pelo Correio Braziliense). Entendeu-se que essa entrevista afrontava as orientações do governo a respeito de política sanitária, que não devia ter acontecido sem o Planalto saber, e aí a cadeia de comando vai bater no ministro da Defesa. O fato é que, quando Bolsonaro tira Azevedo do cargo, ele quer ter um homem da sua confiança, e chama o general Walter Braga Netto. E, quando faz esse movimento, ele propicia a chegada do Centrão ao Palácio do Planalto, em um momento que a relação entre ambos tinha entrado em turbulência.

Nas lives que promovo com clientes, sempre digo que esse negócio de relação de base com governo nunca é um voo tranquilo. Tem turbulência a cada meia hora. Aí tem que botar cinto de segurança, não pode ir no banheiro, tem que ficar quietinho no lugar. E quando começou a atual turbulência? Na escolha do ministro da Saúde. Ali gerou uma insatisfação que desembocou numa crise com relação à própria condução da pandemia. E nesse crescente se chega a uma situação que também era de reclamo do Centrão, que era de controlar a coordenação de política. O movimento da última semana fortaleceu a relação política e a presença política do Centrão dentro do governo. Como efeito colateral, tiveram essas outras mudanças na Advocacia Geral da União (AGU), no Ministério da Justiça, que são periféricos. E o Ministério da Justiça continuou na esfera de Bolsonaro, como ele sempre quis.

E quanto à substituição dos comandantes das três Forças Armadas?

Essa é a parte mais saborosa, principalmente para nós, de cabelos brancos, que ficamos pensado: será que é, será que, não é? Aí me lembro do pensamento do T.S. Eliot: “Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento? Onde está o conhecimento que perdemos na informação? ” A gente aqui fica doido. Mas o fato é que o ministro Azevedo estava desgastado e pediu demissão, e há uma reação dos três comandantes de força, que reagem em diferentes tons. Mas vamos ao que interessa: isso significa insatisfação nas Forças Armadas? Sim. Mas essa insatisfação é sistêmica e pode gerar um distúrbio institucional? Não acho. Não vejo interesse nenhum das Forças Armadas em desviar seu papel institucional. Inclusive, parte da insatisfação se deve justamente à proximidade das Forças Armadas com o governo. Os constitucionalistas prefeririam um afastamento maior. Havia insatisfação com a forma com que o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello foi tratado, um general da ativa. Tanto no episódio em que foi desautorizado com relação às vacinas quanto em sua substituição. Mas não significa que exista ou existirá uma ruptura, porque dentro das Forças Armadas o espírito é hierárquico. Eles também sabem, passaram décadas estudando, sobre o desgaste que sofreram com exposição política. Ninguém quer um novo tenentismo nascendo nas Forças Armadas, que mova para iniciativas do tipo Jacareacanga (revolta de militares aeronáutica contrários à posse de Juscelino Kubitschek, em 1956), e outras coisas do passado. Então, limitaria esse episódio a ruídos infra institucionais, mas que não ameaçam a institucionalidade brasileira.

Então, considera que hoje não há ameaça institucional?

Vou fazer aqui uma nota de pé de página. A atual situação de certa forma lembra quando o general Golberi Couto e Silva permitiu que o PT fosse registrado como partido (em 1979, quando era ministro da Casa Civil do presidente João Figueiredo). Ele dizia: faço isso porque, dessa forma, estou incluindo dentro do processo político pessoas que poderiam agir fora do processo político. Como de fato estavam agindo. Onde quero chegar? A que, da mesma fora que a esquerda teve de se adaptar às regras do jogo político, a extrema direita também terá de fazê-lo. No início, lembrem-se, a narrativa do PT era dúbia. O partido se negou a assinar a Constituição, alegando que não queriam se comprometer com a letra da burguesia. E com o passar dos anos essas posturas foram amainadas. Então, quando digo que não haverá um distúrbio institucional, é porque a tendência predominante é a de adaptação. Pode haver algum distúrbio pontual? Pode, algum grupo de malucos fazer alguma coisa. Mas o que eu não vejo é uma existência sistêmica, nem contra nem a favor de Bolsonaro, com força suficiente para desestabilizar as instituições.

Leia a íntegra desta entrevista na Conjuntura Econômica de abril

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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