“Não existe governo forte, nem regra fiscal estável, sem base política”

Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG Pactual

Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG Pactual, é o entrevistado do mês de Conjuntura Econômica de maio. Destacamos aqui alguns trechos dessa conversa, em que o titular da Secretaria do Tesouro Nacional de abril de 2018 a julho de 2020 demonstra preocupação com a capacidade do governo em dar mais previsibilidade para o ambiente econômico, e afirma: “Cumprir o teto já não é mais suficiente. É preciso recuperar arrecadação perdida”.

Como avalia a conjuntura do último mês, de instalação de CPI, tensão com o debate em torno do Orçamento e de gastos relacionados à pandemia, volta da inflação e desemprego alto?

Uma coisa interessante é que, apesar de o ano passado ter sido tão ruim em termos de pandemia, com queda de PIB, no início deste ano estávamos em um ritmo de recuperação muito forte. Tivemos que revisar para melhor os números do primeiro trimestre. No segundo tri, entretanto, esperamos uma queda mais forte de PIB, algo perto de 1%. Mas, sob a hipótese de que o cronograma de vacinação vá andar, esperamos entrar no segundo semestre com a economia se recuperando, e a gente ainda consiga um crescimento de 3% a 3,2% este ano.

Dito isso, o fundamental agora é olhar para o que vai acontecer ao longo dos próximos três meses, observar o que prevalecerá: um aumento do ritmo de vacinação, ou a evolução de novos casos e mortes com a redução de medidas de distanciamento social. Um bom resultado será importante para a recuperação da economia e também para o fiscal, porque todos os programas que o governo sinalizou até agora vão mais ou menos até o meio do ano. Então, se a gente chega em junho com números ainda muito ruins, poderá haver uma pressão para gastos adicionais no segundo semestre. Isso significa um buraco fiscal maior, dívida maior, e incerteza quanto ao ritmo de recuperação da economia, o que pode afetar ainda mais o crescimento deste ano. 

Depois de tanto tempo com restrição de mobilidade, as pessoas parecem estar dispostas a consumir, o que pode nos surpreender positivamente. Mas, para que essa recuperação seja saudável, é fundamental que venha acompanhada de aumento de investimento. E para que isso aconteça precisaremos de um pouco mais de previsibilidade, que foi algo que não tivemos no primeiro trimestre deste ano. Isso significa ter um mínimo de compromisso de que o governo vai continuar respeitando as regras fiscais, e tentando equacionar esse problema fiscal que a gente ainda tem no Brasil. Depois dessa confusão do orçamento, espero que não se coloque mais barulho do que já se colocou e que causou tanta incerteza, impactando preço de ativo, inflação e também a atividade. 

Sua estimativa é condicionada a que não haja surpresas no horizonte. Até agora, entretanto, o que menos temos visto é previsibilidade...

De fato, surpresas ocorrem todo dia. O governo tem uma forma de atuação que aumenta essa incerteza. Mas, do segundo semestre de 2020 para cá, ele conseguiu construir uma base política – e estamos falando de um governo que há um ano não tinha base política alguma. Elegeram-se presidentes da Câmara e do Senado que se dizem aliados do governo na pauta de reformas. Apesar disso tudo, o governo demonstrou imensa dificuldade em conversar com sua base política, o que causou incerteza no mercado. Foi o que aconteceu no episódio do orçamento, em que passamos 30 dias sem saber como aquilo seria resolvido, com câmbio desvalorizado e a curva de juros subindo. Ter um cenário de recuperação, com os fundamentos influenciando o câmbio muito mais do que os riscos, vai depender dos sinais que virão de Brasília e da pandemia, o que também está ligado um pouco a Brasília.

Não diria que estou otimista. Mas temos chance de que se voltem os sinais de dinamismo observados em janeiro e fevereiro, e de ter um segundo semestre muito melhor, com a economia se recuperando e as empresas se preparando para levantar capital e investir. Isso agora parou um pouco, teremos que observar se vai voltar.

Em recente entrevista ao Blog da Conjuntura Econômica, o cientista político Octavio Amorim afirmou não considerar a negociação do presidente com os demais partidos como formação de uma coalizão, e que a liberação de um alto valor em emendas de relator foi “colocar o carro na frente dos bois”. O que, por sua vez, aumentará o custo de apoio legislativo. Isso lhe preocupa?

Posso dizer que, desde a Constituição de 1988, no Brasil o governo constrói apoio de duas formas: levando para dentro do governo parte de sua base política, e executando emendas, programas de interesse parlamentar. O problema que o governo tem é um pouco de organizar a base. Olha o que foi o governo de Michel Temer. No último ano e meio de governo, seu índice de aprovação estava em torno de 10%. Era extremamente frágil, mas conseguiu se articular e obter vitórias no Congresso de forma muito eficiente, pois havia no Palácio do Planalto políticos tradicionais fazendo a articulação. Isso nunca foi muito o caso do governo Bolsonaro. Então, diria que essas coisas são fundamentais: você precisa da execução de emendas, de trazer pessoas para participar do governo, mas também que do lado do governo haja os interlocutores corretos, com experiência de Congresso, para fazer esse tipo de articulação. Na reforma da Previdência do governo Bolsonaro, ainda não havia essa base política, mas havia um político muito experiente dentro do governo, Rogério Marinho, que era secretário Especial da Previdência. Recentemente, o governo fez uma minirreforma ministerial que trouxe para dentro do Palácio do Planalto a deputada Flávia Arruda (PL-DF), que agora tentará fazer essa articulação com o Centrão. Vamos ver se funcionará melhor.

Hoje há um debate acalorado sobre a necessidade de reforma do atual conjunto de regras fiscais, com várias propostas. Qual sua posição sobre esse tema?  

Um primeiro ponto é que vejo muita gente criticar o teto de gastos. Se observar os parâmetros apresentados pelo governo para embasar a construção do projeto de leis orçamentárias de 2022, lá ele aponta que no ano que vem haverá mais tranquilidade para cumprir a regra fiscal e a despesa primária deve ir para algo como 18,3%, 18,5% do PIB – menor do que a de 2018. Isso significa que o governo Bolsonaro será o primeiro governo brasileiro pós-Constituição de 1988 que, em quatro anos de mandato, reduzirá a despesa primária do governo federal como proporção do PIB. No governo Temer a despesa já tinha caído, mas não foi um governo de ciclo completo. Para mim, isso mostra que o teto de gastos está surtindo efeito.

Há quem ache que a regra tem que ser mudada, mas o problema é que só cumprir o teto de gastos já não é mais suficiente. Será preciso recuperar arrecadação perdida. Samuel Pessôa, pesquisador associado do FGV IBRE, estima que quando a economia voltar a crescer e o hiato for fechado, nos próximos dois ou três anos, o governo deve recuperar toda a arrecadação que perdeu e teríamos um ajuste fiscal de R$ 250 bilhões, o que reduz o tamanho do ajuste pendente. Sou um pouco desconfiado dessa conta, pois não sei se termos recuperação tão forte da receita. E, se não tivermos, o governo terá que ir atrás da arrecadação com mudanças nos regimes especiais de tributação. Na PEC Emergencial aprovada tem um artigo que obriga o governo a enviar ao Congresso, ainda este ano, uma proposta de redução de renúncias tributárias. Acho que será importante.

Ainda há espaço para cortes, visto o alto comprometimento orçamentário com despesas obrigatórias?

Dado que 94% do orçamento do Brasil é carimbado, realmente não tem como se cortar rapidamente. Por isso o ajuste que se pensou com o teto de gasto era muito gradual. E, mesmo assim, o mercado aceitou. Lembrem-se que a taxa de juros de curto prazo há 5 anos, no início de 2016, era 14,25%. Hoje está em 2,75%. Mesmo com a normalização, estamos falando de uma Selic que no final deste governo pode ficar em 6,5%. É menos da metade do que era há cinco anos. Naquele momento, era muito difícil uma empresa de porte médio ou grande fazer uma captação direta, pois tinha que concorrer com o governo. Não é mais o caso. Agora, muita gente prefere comprar debêntures de uma empresa, que vai pagar um juro real de 4% ao ano por dez anos, do que um título do governo. É um contexto de financiamento muito melhor para as empresas, e esse cenário de mercado de capitais e queda de juros decorreu de um ajuste fiscal que foi prometido para ser feito de forma gradual. 

Dá para controlar a despesa, mas mudando regras. Um bom exemplo é a Previdência, cujas despesas chegaram a registrar crescimento real de 4% ao ano, com um crescimento real de 2,5% a 3% de novos beneficiários, somado a um crescimento real adicional decorrente da política de valorização do mínimo. Hoje, o crescimento real do gasto com Previdência tem ficado abaixo de 2%. A reforma da Previdência reduziu rapidamente o gasto? Não. Mas ao mudar a dinâmica do crescimento desse gasto, ela ajuda no ajuste fiscal. Tem agora o grande desafio que é a reforma administrativa e de despesa com pessoal.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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