“Não é hora de experimentalismos no campo fiscal”

Gabriel Barros – economista-chefe da RPS

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro 

Apesar da tensão do mercado financeiro sobre como o Brasil adequará seu orçamento para 2021, e os riscos reais de estouro do teto de gastos no ano que vem, Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da RPS, ex-pesquisador do FGV IBRE, defende que o país deve embarcar no otimismo da perspectiva de uma vacina em 2021 e retomar a agenda de reformas que reorganizem os gastos públicos. “Não é hora de experimentalismos, nem de soluções criativas”, afirma, reiterando que as alternativas para liberar recursos, e mesmo readequar os programas sociais, já estavam à mesa antes mesmo da pandemia precisam ser priorizadas.

Ele dá como exemplo a PEC dos Fundos, parte da tríade de projetos de emenda constitucional apresentada no final do ano passado pelo governo – junto à PEC Emergencial e à do Pacto Federativo –, cuja aprovação poderia desvincular cerca de R$ 200 bilhões hoje congelados na Conta Única do Tesouro. “O uso desse recurso é restrito à rolagem da dívida. Mas seria importante para reforçar o colchão de liquidez do Tesouro, liberando-o de ir a mercado para fazer grandes emissões no momento em que a incerteza fiscal está cobrando um alto preço”, diz. Barros lembra que este ano o deputado federal Mauro Benevides (PDT-CE) também apresentou uma proposta de liberação de recursos de fundos infraconstitucionais através de projeto de lei complementar (PLP 137/20), de mais fácil aprovação, que envolveria R$ 177 bilhões de 29 fundos setoriais, para ser usados no combate à pandemia e mitigação dos efeitos econômicos do novo coronavírus. “Esse não é um tema sensível, que mexe com grupos de interesse organizados, mas mesmo assim não avança”, lamenta.

Relatório da RPS lançado nesta sexta-feira (4/12) ressalta que a falta de clareza sobre a retomada dessa agenda tem colaborado para a deterioração do perfil da dívida pública tanto em seu prazo médio, que recuou para menos de 2,5 anos, quanto em sua composição, mostrando que hoje mais da metade da dívida é indexada à Selic, e que 30% do total da dívida pública federal vencerá nos próximos 12 meses. O texto também aponta que, mesmo  retomando a agenda de ajustes, o país ainda levará vários anos para equilibrar seus gastos. Só deverá registrar superávit primário em 2027, cumprindo 13 anos de déficit. E a dívida bruta, em um cenário de crescimento médio de 2,5% ao ano, ainda superaria os 105% do PIB e se estabilizaria apenas em 2027/28, “assumindo que não haja grandes privatizações e nenhuma elevação da carga tributária”, indica o relatório.

Dinâmica do gasto discricionário, projetado vs mínimo

(R$ bilhões)

Fonte: Ministério da Economia e RPS Capital

O mais importante no curto prazo, defende Barros, é garantir o cumprimento do teto de gastos em 2021 – o que, nas projeções da RPS, demandará um corte de despesas obrigatórias em torno de R$ 26 bilhões. Entre os elementos que colaboram para esse estouro, Barros ressalta o descasamento entre a taxa de inflação usada para a correção do teto (IPCA do ano anterior até junho, que fechou em 2,13%), e o INPC do final do ano – que com a bandeira vermelha definida pela Aneel para reajuste da tarifa de energia elétrica, poderá chegar a 5,15%. “O INPC e o salário mínimo impactam 55% das despesas obrigatórias, por conta da indexação. É mais que o dobro do índice que reajustou o teto”, compara. No relatório, Barros também cita a expansão de gastos com militares (R$ 7 bilhões) e gastos com precatórios e sentenças judiciais, de aproximadamente R$ 50 bilhões.

Para nortear a agenda de ajustes, o relatório traz três opções de pacotes de medidas (ver tabela), entre reorganização de políticas e corte de gastos. A primeira, que soma R$ 217 bilhões, foca-se na melhora de eficiência alocativa das políticas sociais, onde Barros indentifica ao menos R$ 100 bilhões com potencial de realocação, equivalentes às transferências de renda do governo federal para as famílias, excetuadas aposentadorias e pensões rurais. Um segundo grupo de medidas alternativas, de menor compexidade política e impacto de até R$ 31,5 bilhões, inclui a antecipação da MP das Fraudes (871/19) e a retomada do pente fino e auditoria nos gastos previdenciários e assistenciais, que juntos poderiam somar R$ 10 bilhões. O relatório ainda cita o grupo de propostas relativas ao congelamento de despesas previdenciárias, assistenciais, trabalhistas, de saúde e educação, somadas à redução de salário e jornada de servidores com remuneração acima de três salarios mínimos, com ganho aproximado de R$ 50 bilhões. Barros aponta que um "second best" desse conjunto de medidas equivaleria ao congelamento de benefícios do RGPS acima de 1 salário-mínimo e a redução de salário/carga horária de servidores públicos, e teria metade do impacto (R$ 26 bi). “O espaço para novos gastos só deverá ocorrer após uma comprovação clara da aceleração da pandemia ou de uma segunda onda, o que geraria precedente para o uso de crédito extraordinário, previsto na regra do teto. No mais, devemos retomar a agenda de consolidação e evitar o ônus e os efeitos deletérios que uma desancoragem fiscal podem causar”, defende.

Alternativas emergenciais de redução do gasto

Público federal e maior eficiência alocativa (r$ bilhões)

Fonte: Ministério da Economia e RPS Capital

 


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