Mudanças na estrutura do trabalho intensificadas pela pandemia podem beneficiar mulheres

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O impacto da pandemia no mercado de trabalho em 2020 foi intenso, e identificar as características e os limites em sua recomposição com a gradual normalização da economia tem  desafiado os pesquisadores. Um ponto de partida para essa análise, presente no mundo todo, é que o desemprego foi mais forte entre os trabalhadores com menor grau de escolaridade. No caso brasileiro, em 2020, o recuo da população ocupada foi maior entre pessoas sem instrução e fundamental incompleto (17,1%) e fundamental completo e ensino médio incompleto (-14,8%), de acordo à PNAD Contínua do IBGE, enquanto entre o grupo com superior completo essa taxa chegou até aumentar, em 5,5%. Esse resultado está alinhado ao maior impacto do isolamento entre os trabalhadores informais, entre os quais a taxa de ocupação caiu 12,6% em 2020 no Brasil, contra -4,2% entre formais.

Levando em conta que entre os trabalhadores que puderam migrar sua atividade para dentro de casa no período de isolamento observa-se uma volta incompleta para o sistema presencial, com a adoção de arranjos híbridos, e que a digitalização da economia que está contida nessa mudança beneficia trabalhadores com maior nível de instrução, uma consolidação dessa tendência poderá beneficiar a empregabilidade das mulheres, aponta Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do FGV IBRE.

O primeiro fator que joga em favor desse grupo é que, em geral, as mulheres tendem a acumular mais anos de estudo. Não é uma característica única brasileira, como aponta levantamento da OCDE de 2019, que mostra que o maior percentual de mulheres com ensino superior  em relação aos homens é uma realidade tanto entre os países do grupo, quanto entre as economias que formam o G20. Estudo da professora Hildete Pereira de Melo, da Universidade Federal Fluminense, aponta que o nível de escolaridade médio das mulheres no Brasil ultrapassou o dos homens a partir de 1991.

Em média, escolaridade das mulheres é maior
% por gênero, entre 24-35 anos


Fonte: Education at a Glance 2019 – OCDE.

Outro elemento que beneficia as mulheres, referido por Barbosa em entrevista à Conjuntura Econômica de setembro, é a própria expansão do modelo híbrido de trabalho. Devido a muitas vezes terem de duplicar sua jornada, acumulando afazeres domésticos e cuidados com os filhos, é comum, lembra Barbosa, que esse grupo encontre alternativas de geração de renda entre os conta-própria sem carteira, que permitem maior margem de conciliação das múltiplas tarefas. "Com o modelo híbrido de trabalho, que mescla atividades presenciais com home office, abre-se a possibilidade de mais mulheres irem em busca de uma vaga no mercado formal", diz Barbosa.

Paulo Peruchetti, pesquisador do FGV IBRE, ressalta que a tendência observada nos últimos anos pré-pandemia era de aumento na participação das mulheres no total da população ocupada. "Entre 2017 e 2019, o aumento da ocupação nesse grupo foi quase o dobro em relação ao homens", compara. Em 2020, entretanto, a queda do emprego entre as mulheres também foi maior, 1,8 ponto porcentual acima do grupo masculino. No primeiro semestre deste ano, a distância observada no nível de ocupação por gênero em relação ao mesmo período de 2019 também era menor entre os homens. "Ambos os resultados, entretanto, podem ter estreita relação com o maior impacto da pandemia no setor de serviços, onde a participação das mulheres é maior", ressalta Peruchetti.

Participação das mulheres no mercado de trabalho
(total da PO, em %)


Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Elaboração: FGV IBRE com dados da Contas Nacionais Trimestrais e da PNAD.

 

Variação do emprego no Brasil, por gênero


FONTE: Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Elaboração: FGV IBRE com dados da Contas Nacionais Trimestrais e da PNAD.

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