“Mesmo sob escassez de recursos, há muito a ser feito para estimular a inovação empresarial”

Maurício Canêdo Pinheiro, economista, professor da Uerj e da FGV EPGE

Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Frente às inúmeras restrições provocadas pela pandemia, um dos verbos mais frequentes ouvidos da boca de empresários preocupados com a sobrevivência de seu negócio tem sido inovar. Da digitalização de processos que permitiu a extensão do home office a níveis até então impensados, a formas de garantir a manutenção de linhas de produção dentro de protocolos sanitários adequados, empresas tiveram de reformular suas operações para seguirem ativas.

Mesmo que hoje se reconheça que a saída da crise sanitária e econômica depende da adoção de novas tecnologias – seja na área da saúde, seja em outras atividades produtivas – inovar não é uma tarefa simples. Quando falamos de uma nova vacina, ou um novo produto, tratamos de um investimento financeiro de risco, que pode envolver altas cifras sem resultado garantido. “Inovação é mais propícia em países que contam com um mercado de crédito desenvolvido e ajuda do governo em seu fomento. Como nos Estados Unidos, onde se viu nascer um império tecnológico como o de Bill Gates”, ilustra Maurício Canêdo-Pinheiro, professor da UERJ e da FGV EPGE, especialista em política industrial.  

Não à toa, atividades que envolvem investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) são mais propensas a crescer junto com a economia do que servir de ferramenta contracíclica.  Os resultados da última Pesquisa de Inovação (Pintec), referentes ao período de 2015-17 e divulgados no ano passado, espelham essa realidade. Levantamento do Ipea aponta que no período analisado, que inclui dois anos de recessão, a taxa de inovação reduziu-se dos 36% registrados na Pintec de 2012-14 para 33,6%. No setor de serviços, essa queda foi de 32,4% para 32,0% e, na indústria, de 36,4% para 33,9%.

Melhorar esses números se torna cada vez mais importante para o Brasil, diz Canêdo. “Em um país com o nosso nível de renda, o crescimento de produtividade dado pelo acúmulo de fatores de produção (capital físico e humano) já encontrou seu limite, tornando a inovação – seja de produtos, de processos, ou mesmo organizacional – determinante para o aumento da produtividade da economia”, afirma. Ele lembra que, quando se trata de estatísticas agregadas de investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D), o percentual investido pelo Brasil em relação ao seu PIB não é dos menores. Porém, enquanto em países como Estados Unidos e Coreia do Sul esses gastos são feitos principalmente do setor privado, no Brasil a maior fatia é bancada pelo governo. “Impulso do setor público é sempre necessário. Mas é nas empresas que esse investimento se converte em ganhos de produtividade”, diz.

No Brasil, gasto público supera o privado
% do gasto em P&D em relação ao PIB – países selecionados 


Fonte: OCDE, dados de 2017.

Canêdo é autor de um estudo, juntamente com Filipe Lage de Sousa (BNDES e UFF), que analisa as principais dificuldades apontadas pelos empresários da indústria de transformação que já inovaram – de forma bem-sucedida ou não – ou são potenciais inovadores. O trabalho se concentrou em inovações de processo e produto, abarcando um grupo de 30,9 mil empresas. Os dados mostram que, apesar da prevalência do aspecto financeiro entre as questões mais problemáticas – como riscos econômicos excessivos, elevados custos de inovação e escassez de fontes apropriadas de financiamento –, outros fatores relacionados ao campo do conhecimento, especialmente a falta de pessoal qualificado, se mostraram tão relevantes quanto o primeiro. “Concluímos que um incremento de 10 pontos percentuais na probabilidade de uma empresa brasileira enfrentar barreiras financeiras reduz em 5,4 pontos percentuais, em média, a probabilidade de ela inovar. Já os obstáculos de conhecimento, na mesma comparação, levam a uma redução média de 4,58 pontos percentuais na propensão a inovar”, afirma Canêdo.

Ao observar a evolução das respostas no tempo percebe-se que, enquanto o peso do fator financiamento perde força de 2000 a 2014, com o aumento do apoio governamental nesse campo, os obstáculos de conhecimento ganharam peso, apresentando uma tendência de alta – amenizada em 2017, quando o percentual de empresas inovadoras também cai. “Desde o segundo período do governo Lula, observou-se um aumento substancial dos recursos públicos direcionados ao fomento de inovação em empresas privadas, com a entrada do BNDES, novas ferramentas de financiamento pela Finep, entre outros”, descreve Canêdo. “Com isso, o percentual de empresas que recebiam algum apoio do governo para inovar subiu de 6,4% em 2005 para 14,5% em 2014”, compara. Mas o economista destaca que mesmo essa melhora em um aspecto tão importante não gerou uma contrapartida à altura do lado das empresas. “O impacto em termos de quantidade de negócios inovadores foi abaixo do esperado para a quantidade de recursos mobilizada”, diz.

Dados da inovação nas empresas da indústria de transformação do Brasil
(% do total de empresas)


Fonte: Maurício Canêdo-Pinheiro e Filipe Lage, com dados da Pintec.

O que aconteceu? Para o economista, o fato de as políticas públicas de incentivo à inovação terem se concentrado no campo do financiamento, deixando de lado outros fatores importantes para esse tipo de investimento como a própria questão da qualificação profissional, pode ser parte da explicação. “Também é preciso lembrar que ninguém inova só porque é bonzinho ou gosta. É preciso que essa decisão fale no bolso, e isso acontece quando uma empresa está mais exposta à competição.” Especialmente, completa, Canêdo, se o ambiente de negócios é ruim, cobrando um sobrepreço por essa decisão. “Então, se não há preocupação com a concorrência, e tudo mais constante é caro e arriscado, como uma empresa irá convencer seu conselho de que é preciso inovar?”, diz.

Canêdo ressalta que essa parte da equação tem menos relação com o aspecto financeiro, continua vigente e abre uma ampla frente de trabalho pró-inovação que pode ser tocada mesmo em tempos de recursos públicos escassos e baixo crescimento. “Na agenda pós-Covid-19, a questão fiscal continuará presente. Mas isso não impede de se buscar melhorias nos demais campos. Por exemplo, na coordenação de parcerias entre empresas e universidades e institutos de pesquisa. Esse é um setor no qual todas as instâncias parecem ser feitas para atrapalhar”, acrescenta.

Nesta segunda-feira (20/03), o presidente Jair Bolsonaro editou uma medida provisória com mudanças legislativas voltadas à melhoria do ambiente de negócios. Do texto constam itens como simplificação de abertura de empresas, proteção de investidores minoritários e facilitação no comércio exterior de bens e serviços. Um passo nesse caminho sinalizado por Canêdo? “Ainda não analisei a MP com detalhes, mas se puder melhorar o ecossistema de financiamento e dos negócios em geral, também poderá ajudar a inovação”, diz.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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