“Leilão da Cedae mostra caminho possível para a universalização do saneamento”

Juliana Smiderle – pesquisadora do FGV CERI

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro 

O setor de saneamento é uma das provas de que, em meio a um 2020 difícil, foi possível garimpar boas notícias no país. Após a promulgação de um novo marco legal em julho, o setor fechou o ano com a publicação do edital para a concessão da companhia estadual de saneamento do Rio de Janeiro, a Cedae, com leilão previsto para o dia 30 de abril. A Cedae será a terceira concessão a ser licitada através do programa de estruturação de projetos de saneamento do BNDES. As primeiras foram o serviço da região metropolitana da Maceió (AL) e o de Cariacica, no Espírito Santo. Enquanto a soma de ambas representa uma cobertura de 1,9 milhão de pessoas e R$ 3,2 bilhões em investimentos, a da Cedae envolve 12,8 milhões de pessoas e cerca de R$ 30 bilhões em investimentos. Além de ao menos R$ 10,6 bilhões em pagamento de outorgas, dos quais 80% ficam para o caixa do estado, 15% para os municípios e 5% para um fundo de desenvolvimento da região metropolitana.

Juliana Smiderle, pesquisadora do Centro de Regulação em Infraestrutura da FGV (FGV Ceri), articulista da revista Conjuntura Econômica, considera que o sucesso desse leilão poderá representar um passo concreto ao tão sonhado plano de universalização do saneamento no país. Além da reestruturação de uma companhia problemática, como pode descrever na edição de março de 2020. O edital de concessão da Cedae prevê que a universalização dos serviços de água e esgoto nas áreas concedidas seja alcançada nos 12 primeiros anos de contrato (de um total de 35), período em que se espera a maior fatia de investimento, em torno de R$ 23 bilhões. “De acordos aos montantes previstos, a média anual de investimento nos 12 primeiros anos seria de R$ 1,9 bilhão. Isso representa mais de seis vezes o investimento médio realizado nos últimos 12 anos, de R$ 305 milhões ao ano”, compara. “Será uma grande mudança de status quo.”

A concessão da Cedae foi dividida em quatro blocos, cada um formado por uma fatia da capital – considerada a financeiramente mais atrativa – somada a um grupo de municípios. O negócio envolve operações de distribuição de água e coleta e tratamento de esgoto, ficando a captação, adução e tratamento da água ainda sob responsabilidade da estatal. Das 35 cidades que aceitaram participar do leilão – de um total de 64 que a companhia estatal atende atualmente –, 26 possuem menos de 50% de cobertura de esgoto, como Belford Roxo e Nilópolis, que hoje contam com cobertura inferior a 20%. Ou Japeri, Queimados e o terceiro distrito de Saquarema, que não contam com qualquer serviço de coleta e tratamento de esgoto. Para alcançar a meta de universalização, as empresas vencedoras também se comprometerão a investir em torno de R$ 1,86 bilhão em serviços de água e esgoto em favelas não-urbanizadas na cidade do Rio. “Para essas empresas, será um desafio pensar em formas diferentes de alcançar essas regiões, levando em conta inovações tecnológicas e aspectos sociais, engajando a população nesse esforço de ampliação do acesso”, diz Juliana.

Divisão da operação da CEDAE, conforme será leiloada:

Fonte:  Edital de concessão (http://www.concessaosaneamento.rj.gov.br/documentos/grupo1/EDITAL.pdf
 (*) valor estimado de contrato se refere ao valor presente do somatório das receitas auferidas com a prestação dos serviços ao longo do prazo contratual, na database de dezembro de 2019

Para a pesquisadora, o sucesso da concessão da Cedae dependerá especialmente da regulamentação aplicada e da qualidade de monitoramento durante a vigência do contrato. Ela reconhece que o marco legal do saneamento é recente, e que institucionalmente ainda há um caminho a percorrer para se garantir a robustez desse arcabouço. “O contrato de modelagem prevê regras claras, mas não adianta ter contrato perfeito sem regulação e acompanhamento adequados”, afirma. Ela ainda destaca a importância do papel da Agência de Águas e Saneamento Básico (ANA) – sobre a qual escreveu na Conjuntura Econômica de agosto/2020 – que desde a promulgação do novo marco do setor passou a responder como supervisora regulatória de saneamento. A ANA teve sua agenda regulatória submetida a consulta pública recém no final de outubro, sobre a qual ainda se espera uma resolução. “De fato, a regulação já existe desde 2007, institucionalmente prevista na Lei 11445/07. A tarefa da ANA é reunir experiências positivas e propor novas normas, considerando as diferenças presentes no país, visando à universalização dos serviços”, diz.

Outro desafio mencionado por Juliana é o da nova estrutura de governança interfederativa. “Ainda não temos muita experiência em saneamento com esse modelo. A lógica é obter ganhos de escala, simplificando e dando clareza ao processo com o estabelecimento de um único contrato, mas deve ser acompanhado com cuidado”, diz. Para a pesquisadora, entretanto, esse é um caminho promissor, ainda que dependa de vários outros passos consistentes, e de tempo, como em geral levam serviços dependentes de obras de infraestrutura. “De qualquer forma, o que vemos com o exemplo da Cedae é um grande avanço na qualidade dos contratos de saneamento.

Os contratos de programa – que são aqueles firmados entre municípios e empresas estaduais – muitas vezes são precários, não têm adequação clara de riscos, tampouco definição de metas claras. E, sem isso, não há enforcement para cobrar de prestador de serviços que metas sejam cumpridas, fragilizando o processo”, diz. “No contrato que agora está sendo licitado, há metas claras, especificação de como se dará o acompanhamento. Tem plano bem feito e potencial de sucesso”, afirma, reforçando, entretanto, a necessária participação de reguladores e da sociedade para o devido acompanhamento. “Em 2020, a pandemia jogou mais luz sobre a situação precária do saneamento no Brasil, e esperemos que essa vigilância continue, pois o foco no saneamento tem implicações positivas para economia, saúde, e também para a produtividade”, conclui.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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