IVAR: Novo índice de variação de alugueis não alimenta insegurança jurídica, dizem especialistas

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A disparada do IGP-M observada desde meados de 2020, quando a economia mundial dava sinais de reação após o primeiro choque de Covid-19, virou sinônimo de preocupação entre locadores e locatários de imóveis no Brasil. O índice, usualmente adotado em contratos para balizar os reajustes anuais de aluguel, chegou a se descolar 29 pontos percentuais do IPCA – em maio de 2021, quando fechou em 37% na variação em 12 meses – em um claro sinal de que estava longe de capturar a realidade do mercado.

Esse contexto intensificou o trabalho de pesquisadores do FGV IBRE na construção de um índice com maior aderência ao mercado real de locação, e em janeiro foi lançado o IVAR – Índice de Variação de Aluguéis Residenciais. Entre as questões suscitadas com o surgimento do novo índice, Daniel Dias, professor da Direito Rio, aponta a hipótese levantada por alguns agentes de que o IVAR alimentasse a onda de judicializações suscitada pelos casos de fracasso na negociação em torno dos reajustes, com locatários reclamando por uma mudança de indexador para o IPCA, alegando desvantagem excessiva frente ao disparo do IGP-M. “Como o IVAR indica uma variação ainda menor do que o IPCA, houve o receio de que pudesse trazer insegurança jurídica, levando a novos pedidos na Justiça de indexação pelo novo índice”, diz.

Em webinar realizado dia 17/2 pela FGV Direito Rio com o FGV IBRE, Dias afirmou que não considera que essa seja uma tendência factível, a começar pelo próprio histórico das judicializações ocorridas até o ano passado. “Analisando de forma mais detalhada a atuação do Judiciário, pode-se concluir que a situação não é de tanta incerteza assim, já que de forma geral houve resistência em substituir indexadores”, afirma. Posição corroborada por Gustavo Kloh, também professor da Direito Rio. “No início, até observamos uma reação favorável aos locatários, diante das demandas embaladas pela pandemia, mas isso durou poucos meses e logo o Judiciário recuou”, afirma. “Tanto que boa parte decisões proferidas pelos magistrados em primeiro grau foi reformada por tribunais em grande velocidade.” André Braz, coordenador Índices de Preços da FGV, complementa que a redução da distância entre IGP e IPCA também tende a levar a uma normalização da relação entre as partes quanto a contratos vigentes. “Em janeiro, essa diferença caiu para 6 pontos percentuais, e a tendência é de que se reduza ainda mais ao longo de 2022”, diz. “Mesmo havendo ainda muita incerteza em torno da evolução do preço de petróleo, em função do conflito geopolítico entre Rússia e Ucrânia, este ano IGP e IPCA tendem a conversar mais”, reforça.

IGP-M x IPCA: variação % em 12 meses


*Diferença, em pontos percentuais, entre IGP-M e IPCA. Fonte: FGV e IBGE.

Dias afirma que essa maior convergência também deve arrefecer o ímpeto do Congresso em interferir no tema, recordando iniciativas apresentadas no último ano prevendo a fixação de um teto para o reajuste de aluguéis – como os projetos de lei 1026/21 e 1806/21. “Nossa Lei do Inquilinato (8245/91), bem como o sistema contratual brasileiro como um todo, se rege pelo princípio da liberdade das partes em chegar a um acordo, e uma imposição legal iria no sentido oposto a essa lógica”, diz, lembrando que a adoção do IGP-M se consolidou a partir da prática do mercado, o que gradualmente poderá acontecer também com o IVAR em contratos futuramente negociados. “As perspectivas de adesão voluntária ao IVAR são boas”, afirma, ponderando que isso tende a acontecer conforme o mercado se acomode depois dos efeitos da alta histórica registrada pelo IGP-M, e o índice passe a ser mais conhecido. “O mercado imobiliário tende a ser conservador”, pontua, indicando a necessidade desse tempo de maturação.

Kloh também defende a importância de os atores acompanharem a evolução do IVAR, bem como seu comportamento em relação ao IPCA. “É uma expectativa legítima do locador de que a renda do aluguel também acompanhe os preços em geral. Pesquisas do setor apontam que grande parte do investidor locador tem dois ou três imóveis, não 30”, diz, perfil que se compatibiliza com o de pessoas que buscam na renda do aluguel um complemento para o orçamento familiar. Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos e Estudos da Construção e Mercados Imobiliários do FGV IBRE lembra que a ruptura na evolução dos preços dos aluguéis nos dois últimos anos – colocando o IVAR muitas vezes abaixo do IPCA – está diretamente relacionada à pandemia, que afetou renda e mercado de trabalho e levou a muitas negociações. Até porque, para o locador, assumir os custos de um imóvel vazio em caso de finalização de contrato até um novo aluguel tampouco é positivo, além de enfrentar a incerteza sobre por quanto conseguirá fechar um novo contrato. “Na medida em que o contexto macroeconômico melhorar, essa dinâmica tende a mudar”, afirma. Paulo Pichetti, pesquisador do FGV IBRE e um dos responsáveis pela metodologia do IVAR, lembra que o próprio IGP já registrou variações inferiores ao IPCA, reforçando a importância de se considerar a influência do atual ciclo. E que, tal como mencionado em webinar anterior, sendo o aluguel um dos preços considerados no cálculo da variação da inflação ao consumidor, a forma de medi-lo também impacta o IPCA potencialmente. Na ocasião, Pichetti indicou que o IPC-S, calculado pelo FGV IBRE, desde janeiro já conta com o IVAR como referência para o aluguel residencial. “O IVAR não veio beneficiar ou prejudicar qualquer uma das partes, mas refletir o mercado de forma mais precisa”, ressalta, lembrando que a variação medida pelo IVAR tem como base contratos firmados entre inquilinos e proprietários. Anteriormente, o acompanhamento de preços desse mercado era feito através de anúncios de aluguel disponíveis em canais especializados e grandes jornais – que nem sempre condizem com o valor negociado de fato.

IVAR: resultados refletem o ciclo
Variação % acumulada em 12 meses, média nacional


Fonte: FGV IBRE.

O IVAR foi lançado tomando como base de cálculo os preços captados em quatro capitais: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre, com vistas a expansão a outras regiões. “Iniciamos com essas quatro capitais por identificarmos que a diferença regional é muito menor do que a diferença do IVAR para qualquer outro índice usado como indexador”, diz. “Cito como exemplo o caso da gasolina: o preço do litro não é o mesmo nas capitais, mas as diferenças regionais são pequenas comparadas com os fundamentos do mercado que afetam o preço da gasolina num contexto macro. No caso do mercado imobiliário, esses fundamentos são: taxa de juros, volume de crédito, renda disponível, volume de emprego. Com isso, percebemos que a variação de aluguel em outra capital como Curitiba, por exemplo, vai ser mais bem aproximada pelo IVAR do que pelo IPCA”, explica.

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