Internet: o prêmio salarial de estar conectado

Mauricio Canêdo Pinheiro, professor da FGV EPGE e da UERJ

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A necessidade de adaptação ao isolamento social trazida pela pandemia acelerou a digitalização em vários campos da atividade econômica, com mudanças que poderão se tornar permanentes. A estimativa é que esse giro acelerado no modo de operar negócios traga consigo importantes ganhos de produtividade, tornando a atividade econômica mais eficiente. Mas também poderá acentuar desigualdades sociais, como as que foram observadas, por exemplo, entre crianças com acesso adequado ao ensino remoto e as que sequer contavam com um aparelho celular conectado à internet para acompanhar as aulas. 

Para Maurício Canêdo Pinheiro, professor da FGV EPGE e da UERJ, a pandemia definitivamente colocou o acesso à internet e a tecnologias de informação como variável dentro do cálculo da desigualdade, acentuando, como em muitos outros casos, uma tendência já presente antes da crise sanitária. Estudo de Canêdo, Filipe Lage de Sousa, da Information Technology and Innovation Foundation, e Gabriel Richter, da FGV EPGE, aponta por exemplo que brasileiros com acesso à internet já registravam salários 20% maiores, em média, do que os que não estavam conectados à rede. 

Salário/hora, em R$, e prêmio salarial entre usuários de internet


Fonte: PNAD dos anos referidos, com elaboração dos pesquisadores.

Para chegar a esse resultado, os pesquisadores usaram dados de perguntas especiais incluídas em 7 PNADS realizadas de 2005 a 2015. Eles observaram que a expansão do acesso à internet no decorrer desse período reduziu gradualmente o prêmio salarial observado entre conectados e não-conectados. Mas que, quando analisada por faixa etária, essa diferença salarial tende a crescer quanto mais velho é o trabalhador. Entre trabalhadores de 30 a 44 anos, era 4,7 pontos percentuais (pp) maior do que entre os mais jovens; e até 10 pontos percentuais maior entre pessoas de 45 anos ou mais – sendo 10 pp no caso de contato com a internet no trabalho e de 6,1 pp no caso de acesso livre. “A maior facilidade de jovens em absorver o uso de novas tecnologias pode justificar essa diferença, enquanto para trabalhadores mais velhos, por ser um domínio menos frequente, resulta em um prêmio maior”, diz Canêdo.

Para o professor e pesquisador, a identificação de diferenças como essa apontam à necessidade de foco na elaboração de políticas públicas de educação tecnológica. “Quando comparamos a média brasileira com a de outras economias, vemos que ela está muito próxima à de países desenvolvidos – nos Estados Unidos, por exemplo, ter internet no local de trabalho aponta a um prêmio salarial de 13,5%”, compara. “Portanto, embora haja espaço para programas de educação tecnológica de forma geral, o ideal é que eles sejam inicialmente dirigidos a pessoas mais velhas, para que estas possam se adaptar às mudanças na forma de trabalhar, aceleradas com a pandemia”, diz. 

Mas não é só. Canêdo também ressalta a importância de se pensar formas de baratear o acesso lembrando, por exemplo, que a tributação dos serviços de telefonia móvel e banda larga fixa no Brasil está entre as mais altas do mundo. Relatório divulgado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em fevereiro indica que, apesar de o país registrar uma redução nos preços de cestas de serviços de telecomunicações, a telefonia móvel brasileira está no grupo de 5% de países com maior carga tributária, e a banda larga brasileira tem a maior tarifação registrada pelo ranking da União Internacional de Telecomunicações (UIT). A carga tributária ad valorem média de telecomunicações para o consumidor brasileiro, diz a Anatel, é da ordem de 43,6%. Canêdo ressalta que, por ser de fácil arrecadação e difícil evasão, a tributação de serviços de utilities como telecomunicações e energia elétrica são parte importante da arrecadação dos estados – e, por isso, difícil de ser revisada. “Embora faça todo sentido diminuir imposto sobre esses serviços, esbarra-se na questão fiscal. Especialmente em estados cuja economia é menos dinâmica, depende-se muito dessa arrecadação”, afirma. 

Principais mercados de telefonia móvel e banda larga fixa – carga tributária respectiva (em 2019)

 

Carga tributária em serviços de telecomunicaões nos estados brasileiros
Estados selecionados, entre maior e menor carga observada em 2020


Fonte: Anatel.

Esse esforço, defende Canêdo, também deveria se estender à revisão da tributação sobre equipamentos, tanto os voltados aos consumidores finais, como computadores e smartphones, quanto aqueles necessários à construção de redes por parte das empresas. “Não podemos, em nome de desenvolver a indústria nacional, comprometer o acesso à internet de alta velocidade”, diz, destacando em especial as potencialidades a serem exploradas com a massificação do 5G 0 da internet das coisas à inteligência artificial, realidade aumentada, nuvem e robótica. “Sem eliminar barreiras para o desenvolvimento desse mercado, reduz-se o potencial de ganhos de produtividade trazido por tecnologias novas. Ou seja, quanto menos gente tem acesso, menor o ganho.”

Canêdo considera que trabalhar por melhorias nesses campos é a forma mais virtuosa de se ampliar mercado e combater a desigualdade gerada pela exclusão digital. “Barateando o acesso, ajudaremos a que  pessoas de baixa renda acessem esses serviços. Claro que ainda haverá uma parcela da população que precisará de ajuda, de políticas públicas, mas dessa forma reduziríamos a lacuna a ser coberta – e, consequentemente, o investimento público dedicado a ela.”

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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