Inflação se espraia e pioram as expectativas

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

A atividade econômica continua dando fortes sinais de desaceleração, não só no exterior como internamente, mesmo com a expectativa de que os preços das commodities continuem em alta, o que ajuda na balança comercial brasileira e com uma abundância de liquidez internacional.

As previsões de que poderíamos ter uma recuperação em V, estão desabando, resultado de uma inflação que teima em subir mundo afora, e uma crise mundial de energia, com os combustíveis, com os preços do gás natural disparando (leia mais aqui) pela instabilidade política e tensão entre os Estados Unidos e a Rússia – o governo Biden anunciou, recentemente, que parece ser iminente uma invasão russa na Ucrânia -, o que pode jogar mais lenha na fogueira. O quadro de instabilidade se agravou com a ameaça do presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, de cortar o fluxo dos gasodutos russos que passam pelo país e abastecem a Europa, em resposta à uma disputa com a União Europeia (UE) que envolve sanções comerciais e refugiados. A intervenção de Vladimir Putin acalmou os ânimos, por enquanto.

Na última quarta-feira, os Estados Unidos, China, Índia, Japão, Coréia do Sul e Reino Unido – quatro desses países são os maiores consumidores de petróleo do mundo -, anunciaram que vão liberar parte de suas reservas estratégicas de petróleo, numa tentativa de baixar os preços da gasolina que vem pressionando a inflação. No entanto, os preços do petróleo continuaram em alta, já que os valores a serem liberados, segundo analistas de mercado, são pequenos ante a demanda mundial.

Levantamento da Bloomberg, publicado no Valor Econômico de hoje, mostra que a inflação, que é um problema global, afeta mais durante os países da América Latina que deve fechar o ano com uma inflação de 11,9%, cedendo um pouco em 2022, para 10,4%. O planeta deve ter uma inflação média de 3,7% este ano, com ligeira queda em 2022, para 3,5%. Ou seja: as pressões inflacionárias devem perdurar ao longo do próximo ano. Estados Unidos e Zona do Euro também enfrentam alta de preços. Com impactos sobre a atividade econômica.

Todo esse imbróglio, mais uma nova onda da COVID-19 que contamina toda a Europa, vai ter impactos severos sobre a atividade econômica, que já vinha dando sinais de desaceleração, como mostram os Barômetros Econômicos Globais Coincidentes do FGV IBRE, que recuaram novamente em novembro, seguindo a tendência de enfraquecimento iniciada no terceiro trimestre. Apesar de manter-se acima dos 100 pontos, o Barômetro Coincidente cedeu em todas as regiões.

Quatro dos cinco indicadores setoriais monitorados pela pesquisa se contraíram em novembro, com a queda mais acentuada na Indústria. A exceção foi o indicador de serviços, que variou positivamente, em 0,2 ponto no mês. Com esse resultado, este setor voltou a registrar o maior nível entre os indicadores setoriais, embora todos estejam oscilando numa faixa estreita, 103 e 109 pontos. Já o Barômetro Antecedente fica abaixo dos 100 pela segunda vez consecutiva, embora com queda menos intensa em novembro, como mencionado no Blog da Conjuntura Econômica de e no Boletim Macro FGV IBRE.

O Boletim deste mês de novembro, aponta que “uma questão crucial no debate atual é quando e com que intensidade se dará a normalização da política monetária em 2022. As preocupações com a inflação alimentam apostas crescentes no mercado. Nos EUA, o quadro é de maior persistência no ritmo de crescimento da economia e nas pressões inflacionárias. Consequentemente, o FED poderá antecipar o início do aumento da taxa de juros, tornando o cenário ainda mais desafiador para os emergentes”.

Com esse rosário de incertezas, a equipe do Boletim revisou para baixo a projeção de crescimento do PIB para o ano que vem, de 1,5% para 0,7%, e para este ano de 4,8% para 4,7%.

“A forte aceleração inflacionária e a piora das condições financeiras são fatores determinantes para esse quadro de deterioração do cenário econômico doméstico. O aumento da incerteza fiscal, com o avanço da PEC dos Precatórios no Congresso, torna o cenário prospectivo ainda mais nebuloso. Sem dúvida, o ano de 2022 tende a ser bastante desafiador para a economia brasileira”, afirma Silvia Matos, coordenadora do Boletim FGV IBRE.

A avaliação do mercado é de que a aprovação da PEC dos Precatórios na Câmara retirou parte das incertezas em relação as contas públicas, talvez pelo receio de um relaxamento fiscal maior, ainda que a aprovação do Senado não esteja garantida, o que poderia abrir a porta para outras iniciativas na mesma direção. Houve alguma melhora, ou pelo menos estabilização nos preços dos ativos, depois de uma deterioração muito grande na segunda metade de outubro.

Apesar disso, aponta o Boletim, “é inegável que as perspectivas fiscais pioraram. Além da PEC liberar em torno de R$ 100 bilhões para gastos adicionais no orçamento de 2022, o arcabouço fiscal foi abalado e a expectativa é de um aumento do déficit primário em 2022. Ou seja, com a atividade econômica em desaceleração, a taxa de juros em ascensão e o aumento de gastos, elevam-se as previsões de aumento da dívida bruta. Após a perspectivas de baixo crescimento da dívida este ano, a previsão é de aceleração para 86% do PIB em 2022 e novas altas nos anos seguintes, com o risco de a dívida retornar com alguma rapidez para o patamar de 90% do PIB”.

E não é só isso. Para a equipe do Boletim, “outra fonte de preocupação é a desancoragem das expectativas de inflação para os horizontes mais longos, como os anos de 2023 e 2024. Em parte, porque o aumento das expectativas de alta do IPCA para 2022 não se explica apenas por fatores relacionados à oferta e à demanda, observando-se também um processo de desancoragem das expectativas. Ou seja, mais um sinal de forte deterioração dos fundamentos domésticos”.

Alguns destaques do Boletim FGV IBRE deste mês:

• Confiança

A recuperação dos Índices de Confiança, que vinha ocorrendo até o terceiro trimestre de 2021, parece perder força. Pelo lado empresarial, indústria, comércio e construção já mostravam sinais de desaceleração, mas a prévia de novembro mostra que essa chegou também ao setor de serviços. Os efeitos da pandemia vão sendo controlados, mas o cenário macroeconômico frágil parece incomodar as empresas. Pelo lado do consumidor, a estabilidade da confiança em níveis muito baixos reflete a escalada inflacionária e a recuperação ainda gradual do mercado de trabalho. O cenário para a virada de ano se mostra, no mínimo, desafiador.

Confiança de consumidores e empresários
(Com ajuste sazonal, em pontos)


Fonte: FGV IBRE.

 

Índice de Confiança de Serviços e média dos demais setores
(Com ajuste sazonal, em pontos)


Fonte: FGV IBRE.

• Emprego

A PNAD Contínua registrou em agosto mais uma queda forte da taxa de desocupação, de 13,5% para 13,0% na série dessazonalizada. Para setembro, projeta-se nova queda, para 12,4%. O número de ocupacões tem crescido fortemente, sendo nos últimos meses cada vez mais influenciado pelo aumento do número de trabalhadores no setor privado com carteira assinada. Mantidas as tendências recentes, a taxa de desemprego deve voltar ao nível de 2019 no primeiro trimestre de 2022.

Projeção da Taxa de Desocupação até o segundo trimestre de 2022


Fonte: PNADC. Elaboração: FGV IBRE.

• Inflação

A liberação das atividades comerciais e de prestação de serviços, juntamente com a alta do preço da energia e dos combustíveis, está levando ao aumento da inflação em vários segmentos. O país está bem próximo de registrar inflação de 10% este ano e de 5% em 2022. O espalhamento das pressões inflacionárias desancora as expectativas e torna a tarefa da autoridade monetária mais desafiadora.

• Política Fiscal

Na seção fiscal, o tema é certo grau de desvirtuamento do processo orçamentário, cuja transparência e capacidade de prestar contas à sociedade têm sido reduzidas com o recurso às emendas ditas “do relator”. A discricionariedade e a falta de transparência com que se dá o desembolso dessas emendas as têm colocado em destaque no noticiário econômico e político recente, sob a alcunha de “orçamento secreto”.

Emendas Parlamentares, por tipo – Dotação Inicial
Em R$ bilhões e % do total – 2017 a 2021


Elaboração Própria. Fonte: Siop. Nota: A dotação inicial corresponde ao valor inicial constante da lei orçamentária sancionada pelo Presidente. Em 2020, por exemplo, o Congresso devolveu parte dos recursos das emendas de relator, cuja dotação final ficou em R$20,1 bilhões.

Ver a integra do Boletim FGV IBRE

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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