“Inflação preocupa em 2021, mas BC tende a ser conservador”

Armando Castelar – coordenador da Economia Aplicada do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A primeira reunião do Copom de 2021, que acontece esta semana, inaugura um ano em que a inflação também estará mais presente no radar do mercado e da população. Em entrevista na Live do Valor desta terça-feira (19/1), conduzida pelo repórter especial e colunista do jornal Alex Ribeiro, Armando Castelar, coordenador da economia Aplicada do FGV IBRE, lembrou que a estimativa é de que o IPCA em 12 meses supere 6% no primeiro semestre. Essa tendência, somada a uma possível dinamização da retomada conforme a vacinação contra a Covid-19 avance, poderia levar a inflação a fechar o ano acima dos 3,4% estimados no relatório Focus, e até da meta de 3,75% fixada para este ano.

Castelar afirmou, entretanto, que não considera que o Banco Central vá se precipitar em suas decisões, como uma retirada do forward guidance – sinalização dada ao mercado, desde agosto, de manter os juros estáveis. “Provavelmente isso aconteça na próxima reunião”, disse, apontando que, para janeiro, espera apenas a comunicação de uma direção mais contracionista. “A inflação surpreendeu para cima nos três últimos meses, então é hora de o BC começar a reagir. Mas, por enquanto, nada além de uma reação na linguagem do comunicado”, disse.

Apesar desse cenário mais tenso, o coordenador da Economia Aplicada do FGV IBRE considera que a postura do BC tenderá a ser conservadora durante o ano. “Ainda que não esteja confortável, que as expectativas e projeções passem a se aproximar da meta, acho que o BC vai correr o risco de ficar um pouco atrás da curva”, afirmou, apontando uma estimativa de Selic entre 3% e 3,25% no final de 2021.

Castelar considera que o BC foi mais longe do que devia ao levar a Selic a 2%. “Deveria ter parado a redução antes, algo mais perto dos 3% faria mais sentido”, afirmou. Mas descarta que a Selic tenha sido a responsável pelo IPCA ter fechado acima da meta em 2021, em 4,53%.  “O ano passado não foi uniforme, predominantemente por conta do aumento de 18% a 19% nos alimentos, uma alta que teve relação com o aumento da demanda externa e com a desvalorização do real”, disse, lembrando que o relatório Focus de meados de 2020 apontava a uma inflação de 1,6% no final do ano. “A inflação chegou nesse patamar independentemente de os preços administrados terem um ano atipicamente bom, pois os planos de saúde não aumentaram, escolas deram desconto, e os combustíveis acompanharam a queda do preço do petróleo lá fora”, lembrou.  Poderia ter menos desvalorização se os juros caíssem menos? Castelar afirma que sim, mas não considera que essa fosse justificativa para não se ter reduzido a Selic, dado o baixo nível de atividade, a inflação de serviços girando abaixo de 2%, e o núcleo da inflação acomodado. “Acho que, do ponto de vista da preocupação com a inflação, o BC foi bem.”

No evento online, Castelar ressaltou o cenário externo positivo para a recuperação da economia brasileira em 2021, citando a sinalização da economista Janet Yellen – indicada a secretária do Tesouro pelo presidente Joe Biden, sabatinada nesta terça (19) pelo Senado americano – de que é hora de agir grande. “O tom que vem dos EUA é de um gasto público gigantesco. Biden já fala em um pacote de US$ 1,9 trilhão além do US$ 900 bilhões aprovados por Trump. Além da discussão de um pacote de investimento em infraestrutura entre US$ 3 trilhões e 4 US$ trilhões”, apontou, ao que se soma a provável direção do FED de tolerância com a inflação pelos próximos anos. “A economia americana deve crescer entre 6% e 6,5% em 2021, algo como 2 pontos percentuais a mais do que se esperava antes da onda azul. Isso tudo bate em preços de commodities, amplia o apetite por risco, o que é positivo para o Brasil."

O economista salientou, entretanto, que a maré positiva na frente externa – que promoveu a volta do investidor estrangeiro à bolsa de valores desde novembro do ano passado e uma valorização do real – depende também do equilíbrio fiscal doméstico, que permanece preocupante. Ele considera que o debate sobre uma nova rodada de auxílio emergencial é possível, desde que seja bem calibrada. “O importante é tentar encaixá-la dentro do teto, idealmente, via redução de outras despesas. Ou, se for extrateto – via decreto de calamidade, ou crédito extraordinário –, que seja de forma convincente de que não é um relaxamento permanente”, afirmou. “É importante lembrar que o auxílio afetou a popularidade do presidente, portanto o apetite por algo que se estenda por mais tempo será grande.” Castelar reforçou que, diferentemente dos Estados Unidos, que ainda possuem uma situação confortável de aumento de endividamento, pois conta com juros mais baixos do que a estimativa de crescimento do PIB nominal, o Brasil não pode contar com a perspectiva de continuar ampliando seu endividamento. “A gente vê isso no câmbio, na curva de juros. Se desrespeitarmos o teto, certamente teremos surpresa nessas duas frentes”, afirmou.

Ele indicou que a estimativa do IBRE para o PIB em 2021 é de 3,5%. “Desse percentual, 2,8% são efeito estatístico de terminar 2020 acima da média do ano. Ou seja, não será brilhante, mas o viés será para cima”, disse. Castelar ressaltou a boa recuperação já registrada pela indústria da transformação e parte do comércio, bem como a necessidade de reação os serviços pessoais e transporte coletivo e aéreo para uma retomada mais equilibrada – e com mais geração de emprego. “Uma mudança mais significativa do emprego depende da recuperação do setor de serviços. Se conseguirmos avançar com a vacinação, para que setores mais dependentes de contato social tenham retomada no segundo semestre, podemos ter uma recuperação mais forte também.”

Confira a Live do Valor com Armando Castelar

 


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