Impacto maior da pandemia sobre informais provoca falsa sensação de estabilidade da renda do trabalho

Daniel Duque, pesquisador associado do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A necessidade de isolamento social na fase mais aguda da pandemia afetou o mercado de trabalho de forma diferente à de outras crises econômicas, com reflexo em outros indicadores. Como já apontou o Observatório da Produtividade Regis Bonelli, com a perda de postos de trabalho recaindo especialmente entre trabalhadores informais e conta própria, enquanto ocupações formais de maior qualificação e passíveis de serem adaptadas ao home office foram mais resistentes ao choque, a produtividade medida por horas efetivamente trabalhadas deu um salto incomum em 2020, mas de fôlego curto.

Outro setor onde essa conjunção atípica tem produzido sinais difusos é o da renda do trabalho. Daniel Duque, pesquisador associado do FGV IBRE, aponta que a manutenção de vagas formais, geralmente em ocupações de maior qualificação e salário, colaborou para gerar a falsa sensação de estabilidade da renda do trabalho. “Trabalhadores em geral estão sentindo perda de renda, mas como os que ganhavam menos foram os mais expulsos do contingente de ocupados, houve um aumento artificial da renda média”, afirma.

Para ilustrar esse cenário, recentemente Duque realizou dois exercícios. No primeiro, buscou identificar a evolução da renda do trabalho média real comparando a variação desta no período da pandemia dentro de cada grupo de ocupação – conhecido como efeito nível – com a variação da participação de cada grupo no total de ocupados, chamado efeito composição. “Se tivéssemos apenas o impacto do efeito nível, a renda do trabalho observada no primeiro trimestre de 2021 seria 7,8% menor do que no quarto trimestre de 2019”, descreve. “Por outro lado, se levamos em conta apenas o efeito composição, observamos um crescimento acumulado de 4,3% essa renda no mesmo período”, afirma Duque.

Renda do Trabalho Média Real por Efeito


Fonte: FGV IBRE.

O segundo caminho traçado por Duque para identificar esse impacto foi aplicar um método conhecido como Oaxaca-Blinder, em que calculou a diferença média entre esses dois grupos fazendo uma regressão para a qual selecionou dez variáveis, entre elas nível educacional, idade, experiência medida por anos de emprego, se empregado do setor público ou privado e horas trabalhadas. “Comparando os resultados trimestrais dos anos 2018 e 2019, observamos variações de renda pequenas”, conta Duque. Na contraposição de 2019 a 2021, entretanto, o cenário muda consideravelmente. Pelo cálculo do pesquisador, a renda de trabalho efetiva no segundo trimestre de 2020 em comparação ao mesmo período de 2019 registrou retração de 25,9%. Tomando apenas a variação análoga ao efeito nível, essa queda de renda seria de 24,8%. Já a variação que reflete o efeito composição foi positiva em 9,6% na mesma comparação. “As principais características que puxaram a renda para cima nesse caso foram educação (2,6 pontos percentuais de participação nesse resultado); trabalhar no setor público (2,2 pp); experiência laboral, medida por anos de trabalho (2,2 pp) e tipo de emprego (0,9 pp)”,  descreve.

Duque ressalta que a reação atípica do mercado de trabalho frente ao choque sanitário torna o indicador de renda média um farol imperfeito da realidade. Tal como o observado na medição de produtividade, o efeito composição pintou o cenário do rendimento com tintas mais positivas do que a realidade indica, amenizando um contexto de perdas mesmo entre os trabalhadores formais que permaneceram empregados. E apontando a necessidade de se buscar outros pontos de vista até uma recuperação mais consistente da atividade econômica e do emprego.

 


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